A dominar a arte de bem perguntar

 A dominar a arte de bem perguntar

A jornalista Oriana Fallaci entrevista Paul Newman, em 1963. (www.socialistamorena.com.br)

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A entrevista é o género jornalístico por excelência. Na verdade, quase tudo o que é jornalismo nasce, directa ou indirectamente, de entrevistas. Não sendo, muitas vezes, testemunha ocular dos factos que reporta, o jornalista, no desempenho do respectivo trabalho, socorre-se do testemunho de terceiros a quem, forçosamente, terá de formular perguntas.

O jornalista é um mediador de informação com privilégios de acesso a várias fontes de informação e com a obrigação de transmitir com rigor e isenção a verdade que obtém pelo cruzamento das fontes que confrontou (leia-se: entrevistou) durante o trabalho de recolha e de escolha da matéria que interessa ao trabalho jornalístico. Um trabalho feito de perguntas.

Créditos fotográficos: Kane Reinholdtsen (Unsplash)

O expoente máximo da arte de fazer perguntas reside na entrevista propriamente dita, uma conversa entre um jornalista e alguém que vale a pena entrevistar. A entrevista visa clarificar o pensamento do entrevistado junto do público que potencialmente irá ler, ouvir ou ouvir e ver a entrevista que o jornalista recolheu. Uma entrevista é só isto, mas isto justifica muitos trabalhos escritos só sobre a arte de bem perguntar.

(Direitos reservados)

Num desses trabalhos – “A Entrevista”, de Hugh C. Sherwood, um ensaio sobre este nobre género jornalístico –, aprendi que o respeito pelo entrevistado tem de ser total e que um jornalista não deve transformar uma entrevista numa batalha ou numa emboscada. Uma afirmação que contrarie o que será expectável ouvir do entrevistado deve ser reconfirmada, mesmo quando possuímos o registo magnético dessa afirmação. Aproveitar esse lapso pode também ser uma forma de desinformação.

Créditos fotográficos: Pexels (Pixabay)

É bom recordar, nesta linha de pensamento, que a investigação jornalística não pode nem deve confundir-se com investigações policiais e que os jornalistas têm o dever deontológico de se identificarem como tal, salvo em casos excepcionais, de acordo com os códigos de ética consensualmente aceites pelos jornalistas.

Eis alguns temas que merecem reflexões profundas, mesmo no âmbito dos urgentes debates sobre a desinformação, vulgo “fakes news”. É que o antídoto contra a epidemia de mentiras disfarçadas de verdades, que assola o universo das comunicações sociais, passa pela credibilização de um jornalismo que se assuma com as regras que realmente o podem credibilizar.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

05/12/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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