A elevada temperatura da água ameaça toda a vida dos oceanos
Ecossistemas marítimos desaparecem, devido à subida das temperaturas dos oceanos. Chipre alertou para o problema e os investigadores propõem e já operam a minimização dos danos.
Ao longo do último século e nas últimas décadas, o Mediterrâneo Oriental aqueceu mais depressa do que a maioria das outras regiões habitadas. No ambiente marinho, as ondas de calor resultam na perda dramática de espécies nativas; e os poluentes marinhos, como lixo e metais pesados, são fatores de stresse adicionais que podem ser transportados da coluna de sedimentos/água e bioacumular nas cadeias alimentares com impacto nos organismos aquáticos e nas pessoas. E a gestão e elaboração de políticas eficazes são necessárias à conservação da biota regional.
Em Chipre, temperaturas recorde escaldam a terra e o mar que a envolve. A equipa de investigação do Instituto Marítimo e Marinho de Chipre (CMMI), liderada pelo investigador e ecologista marinho Louis Hadjioannou, convidou a Euronews para verificar o impacto das ondas de calor nos ecossistemas subaquáticos, que são frágeis. A equipa mostrou as mudanças na paisagem subaquática. Uma zona onde, ainda em 2023, havia ervas marinhas, que serviam de refúgio para tartarugas e raias, é, agora, área sem vida. “Estas temperaturas crescentes, que se tornam mais intensas, mais prolongadas e mais altas, estão, obviamente, a afetar os organismos. E o pior que lhes pode acontecer é a morte. Morrem”, explica Louis Hadjioannou.
Enquanto as espécies nativas morrem com o calor, surgem novas espécies invasoras vindas do mar Vermelho, que perturbam mais o ecossistema. “Agora, com o aumento das temperaturas, temos muito mais espécies novas que conseguem passar pelo Canal de Suez de alguma forma. E encontram condições favoráveis para prosperar”, sustenta o biólogo marinho.
A equipa do CMMI integra dois projetos de investigação financiados pela União Europeia (UE) – PUREEF (Past, present, and future status and mitigation for Cyprus shallow-water reef biodiversity and functioning under global change) e EFFECTIVE (enhancing social well-being and economic prosperity by reinforcing the eFFECTIVEness of protection and restoration management in Mediterranean MPAs) – para estudo do impacto das ondas de calor marinhas nos recifes rasos, investigação que passa, por exemplo, pela análise de sedimentos.
“Pode-se entender como era o clima no passado, a partir do fundo da amostra, e subir, depois, por todo o núcleo para entender como muda ao longo dos anos até hoje”, explica Louis Hadjioannou.
Também Eleni Christoforou, investigadora do CMMI, explica, pela análise destes organismos, a importância da meio-fauna, que mostra os efeitos das ondas de calor (que afetam os níveis de poluição e outras variáveis). “A meio-fauna são pequenos organismos; e a sua biodiversidade depende muito da temperatura, de nutrientes e de outras condições”, diz Eleni Christoforou, segundo a qual muitas espécies podem extinguir-se por a água e o sedimento estarem demasiado quentes ou por os nutrientes mudarem, “por causa das alterações climáticas e das ondas de calor”. Estas ondas de calor marinhas, que podem durar semanas, meses ou até anos, não são exclusivas do Chipre. Estão a espalhar-se por todo o Mundo, como se fossem incêndios, e ameaçam ecossistemas, pescas, aquacultura, turismo, etc.
No Mediterrâneo, as temperaturas da superfície do mar têm aumentado continuamente, desde a década de 80, tendência que se espera que continue ao longo do século XXI. O fenómeno é monitorizado de perto pelos oceanógrafos da organização não-governamental (ONG) Mercator Ocean International, na cidade francesa de Toulouse. É aqui que trabalha a oceanógrafa Karina von Schuckmann, uma das autoras dos relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). “As ondas de calor marinhas podem ocorrer, porque há ondas de calor na atmosfera. Então temos essa interação entre a atmosfera e o oceano”, explica a oceanógrafa.
A Mercator Ocean desenvolveu modelos informáticos, através do Serviço Marinho do programa Copernicus, da UE, que preveem a temperatura das águas. “Recolhemos todas as observações disponíveis – dados de satélite e o que chamamos de in situ, ou seja, medições feitas no mar, com boias autónomas, com navios e com todos os tipos de instrumentos de medição – e integramos todas essas observações numa solução de modelação”, diz a oceanógrafa Marie Drevillon, explicando que estes dados resultam, depois, numa previsão para os 10 dias seguintes.
Os cientistas sustentam que os recifes estão particularmente ameaçados pelo aumento da temperatura: 90% deles podem desaparecer até 2050. Em Chipre, a equipa de Louis Hadjioannou experimenta criar viveiros subaquáticos, para proteger e restaurar recifes. Os investigadores colocam fragmentos de coral em viveiros flutuantes, que são estruturas localizadas em zonas seguras, longe de predadores. O objetivo é que estes fragmentos cresçam, de forma protegida, e que sejam transplantados para o fundo do mar.
“Vamos instalar os corais e monitorizá-los durante pelo menos um ano, usando fotogrametria e outros métodos visuais”, revela Louis Hadjioannou, vincando: “Estamos a fazer esforços para, pelo menos, tentar salvar algumas das espécies-chave que suportam o resto da biodiversidade, na esperança de que a mudança que virá, com certeza, não seja tão má ou fatal para a vida marinha.”
Resta saber como estes corais se adaptarão no mar em constante aquecimento. Mas o projeto é um pequeno passo para salvar o que ainda é possível.
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No entanto, o Chipre ainda carece de capacidades e de conhecimentos no setor do ambiente, embora isso seja priorizado na Estratégia de Especialização Inteligente para Chipre, recentemente atualizada. Assim, o PUREEF-Y visa melhorar o progresso do CMMI, o parceiro coordenador, rumo à excelência científica e à influência na formulação de políticas, através da implementação de atividades eficientes, de longo prazo, de capacitação e de networking com dois parceiros avançados internacionalmente reconhecidos, o IOLR (Israel Oceanographic and Limnological Research) e a UAB (Universitat Autònoma de Barcelona), selecionados pelo reconhecimento internacional de primeira classe na oceanografia química, na ecologia marinha e no desenho experimental (IOLR) e na poluição marinha, nos planos de gestão e na influência política (UAB), e pela sua capacidade complementar para apoiar o CMMI.
Ao longo de três anos, o PUREEF-Y resultará na ligação, a longo prazo, entre os três parceiros que partilham a missão de compreender melhor as condições ecológicas passadas (palaiá) e presentes e de conceber planos de gestão para monitorização, conservação e restauração, e reformas políticas para o futuro.
Através dum projeto de investigação conjunto com os dois parceiros avançados, o CMMI desenvolverá capacidades para avaliações de base dos parâmetros físico-químicos recolhidos em sedimentos e águas costeiras (superfície e coluna), suscetíveis de serem afetados pelas alterações climáticas e pela acidificação dos oceanos; dos níveis de poluição marinha em locais importantes, suscetíveis de perturbar os serviços ecossistémicos; e do estado de saúde dos principais habitats bentónicos e planctónicos de águas rasas, ecologicamente muito diversificados e importantes para o funcionamento do ecossistema e para a captura de carbono e, portanto, altamente significativos como ecossistemas de Carbono Azul (por exemplo, recifes rochosos rasos e ervas marinhas).
Os dados recolhidos serão analisados e interpretados pelo CMMI e pelos parceiros avançados, para serem utilizados na conceção e na implementação de experiências de incubação bentónica in situ, para investigar e determinar o fornecimento de habitat e o funcionamento metabólico de espécies nativas e exóticas de bioengenharia em condições normais, bem como experimentos de mesocosmo bentónicos para avaliar os efeitos de risco de stressores (por exemplo, aumento de temperatura e poluentes) sob diferentes cenários, na principal biota litorânea. Os resultados serão usados para propor planos de gestão para monitoramento, conservação e restauração, e ajustes de políticas. E o CMMI lançará muitas atividades de capacitação, de transferência de conhecimento, de internalização e de networking, apoiando o desenvolvimento mútuo, a consolidação e o reforço das competências administrativas, de divulgação, de criação de redes e de elaboração de políticas.
Já o objetivo do EFFECTIVE é desenvolver uma base de conhecimento científico abrangente e orientação prática, combinando ciência, solução tecnológica baseada na Natureza, digitalização e implicação social para a aplicação da gestão baseada em ecossistemas (EBMS) para a gestão de proteção e restauração do Capital Natural Azul Mediterrâneo da UE.
Para tanto, são identificados cinco objetivos específicos: aplicar EBMS, para identificar, analisar e ampliar um corredor ecológico no Mediterrâneo, ligando habitats e biodiversidade; aplicar EBMS, para analisar e ampliar o estatuto das Áreas Marinhas Protegidas (AMP) no Mediterrâneo; demonstrar soluções de proteção e restauração dos fundos marinhos baseadas na Natureza, incluindo a preservação da capacidade de sequestro de carbono dos fundos marinhos, num ambiente real; identificar fatores limitantes, lacunas e recomendações da legislação das AMP, relativamente às pressões ambientais e antropogénicas, estabelecendo ligações com projetos anteriores; e implementar uma ferramenta inovadora de visualização e de agregação de dados digitais na forma de um gémeo digital, para permitir a exploração de dados, a pesquisa, a participação e a ciência cidadã.
O CMMI será responsável por um dos quatro casos piloto conduzidos em Cape Greco, no Chipre. O estudo centrar-se-á, principalmente, na espécie Cladocora caespitosa de Scleractinian, que tem suscetibilidade demonstrada às crescentes perturbações que afetam os ecossistemas costeiros, como o aumento da temperatura da água do mar, as tempestades extremas, os surtos de espécies coralívoras e as espécies invasoras.
Metodologias especializadas, utilizando viveiros flutuantes para a restauração de espécies ameaçadas de coral Cladocora caespitosa, serão desenvolvidas em profundidades rasas. Além disso, tecnologias inteligentes complementarão o estudo de caso, para recolha de dados ambientais utilizando sensores especializados, dados que serão utilizados para caraterizar as condições ambientais dos ecossistemas adjacentes e para treinar os modelos e algoritmos ecológicos/preditivos do trabalho proposto.
Os habitats de fundo duro adjacentes às poluições de corais serão escolhidos para o estudo como locais de controlo ou de tratamento, para comparar as respetivas comunidades de fundo duro. Esta metodologia permite usar pedaços de coral já fragmentados, encontrados em área adjacente à AMP, fortemente afetada pela eutrofização, por tempestades de vento, por ondas de calor e por outros eventos extremos.
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Já a 15 de abril, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (EUA) divulgara um relatório que alerta para o massivo branqueamento de corais, em todo o Mundo, em consequência do aquecimento dos oceanos, estando a exposição a elevadas temperaturas a causar danos potencialmente devastadores nos corais, que se encontram nas águas de, pelo menos, 53 países. Estes danos decorrem também na Grande Barreira de Coral da Austrália, uma extensa faixa de corais composta por cerca de 2900 recifes.
Era a segunda vez (a primeira foi em outubro de 2023) que se verificava o massivo branqueamento de corais, no espaço de 10 anos, apontando-se as alterações climáticas como as responsáveis pelo aquecimento da água dos oceanos. As projeções climáticas preveem que todos os recifes de coral do planeta sofram de branqueamento, todos os anos, entre 2040 e 2050.
O que torna isto tão alarmante é a magnitude do stresse térmico. Assim, a severa natureza do aquecimento dos oceanos, que durava há mais de um ano, não tem precedentes em qualquer registo. E, de acordo com Selina Stead, bióloga marinha e diretora executiva do Instituto Australiano de Ciências Marinhas, os cientistas estão a trabalhar no sentido de compreenderem como é que os corais respondem ao calor, de modo a identificar potenciais corais tolerantes ao calor. Porém, vinca a importância de se trabalhar para reduzir as emissões de carbono.
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Perante estes fenómenos, impõe-se o conhecimento aprofundado e a ação com vista a salvar tudo o que ainda é possível salvar, em prol das futuras gerações.
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12/09/2024