A festa dos golos casa a emoção e o pensamento
Restam-nos quatro dias de Primavera e as emoções já agitam os adeptos do futebol. O Euro 2024, que começou na sexta-feira com um encontro entre a Alemanha e a Escócia, com uma expressiva vitória da selecção alemã, vai captar as atenções de muita gente durante um mês. O carrossel dos sentimentos, evidentemente animado de um movimento circular centrado na Alemanha, tendo a bola começado a rolar em Munique e com a final agendada para 14 de Julho, em Berlim, empolga a festa europeia dos golos e das fintas e dos comportamentos corporais mais ou menos nacionalistas.
Em todas essas partidas, as equipas, agora na fase de grupos, defrontam-se na capacidade e na sorte de fazer chegar a bola até à baliza adversária. Em cada um desses campos relvados, extraordinariamente pressentidos como vigorosos legados culturais e sociais, estão em jogo a alegria e o orgulho da vitória, mas igualmente a ansiedade, a raiva, o sentimento de culpa e a vergonha de quem sai derrotado. Como se marcar golos tivesse sido e continue a ser a coisa mais importante na vida de qualquer pessoa ou da sua comunidade.
De facto, como admitiu o psicólogo norte-americano Richard Stanley Lazarus – bastante citado no século XX –, “a emoção é um dos conceitos mais difíceis de serem explicados”. Porém, para este investigador das condutas humanas, as emoções preparam-nos para lidar com eventos importantes sem a nossa preocupação de pensar sobre o que fazer. Por isso, Lazarus atribuía como relevante o que assinalou como “o casamento entre emoção e pensamento”.
Entre nós, quem gosta de futebol e ainda está surpreendido com o golo de Éder que derrubou a selecção francesa (certamente, o mais importante da sua carreira futebolística), no Stade de France, na cidade de Saint-Denis, acredita que Portugal poderá revalidar o título do campeão europeu conquistado em 2016. Assim, é grande a expectativa em relação ao primeiro jogo da equipa portuguesa – que tem o estatuto de favorita no Grupo F do UEFA Euro 2024 –, amanhã (18 de Junho), no qual defrontará a selecção checa. Afirmam os entendidos que o ponta-de-lança do Bayer Leverkusen, Patrick Schick (que partilhou plantel com o meio-campista Bruno Fernandes, na Unione Calcio Sampdoria, em Génova), é seguríssimo com a bola e muito perigoso se for bem servido. Entre outras preocupações, a estratégia é a de não lhe dar espaço na área, explorando também os pontos fracos da sua equipa. Obviamente, o antigo médio Ivan Hasek, que regressou ao cargo de seleccionador da Chéquia, e os seus atletas irão explorar as fragilidades lusas.
Eu poderia concluir esta crónica com um poema cheio de metáforas futebolísticas, mas julgo mais simples fruir a prosa que Manuel Alegre nos oferece, logo no prefácio do seu livro “O Futebol e a Vida – Do Euro 2004 ao Mundial 2006”. Assim, recorda: “Há muitos anos […], eu marcava muitos golos no Largo do Botaréu, em Águeda, como avançado centro da equipa da Rua de Baixo. Alguns companheiros, talvez com dor de cotovelo, acusavam-me de estar sempre ‘à mama’, que é como quem diz, à espera das oportunidades, o que, na minha opinião, é uma característica de um bom avançado centro. O certo é que marcava, posso mesmo acrescentar que decidi alguns jogos de vida ou de morte contra os da Venda Nova, os de Assequins e os mais terríveis de todos, os de Paredes.”
No parágrafo seguinte, respondendo ao convite do jornalista Eduardo Dâmaso para escrever umas crónicas sobre o Euro 2004, Manuel Alegre confessa que tinha chegado a sua hora: “Finalmente eu ia entrar em campo e alinhar pela selecção, ainda que só pela escrita.”
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Nota:
O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 16 de Junho) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.
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17/06/2024