A mensagem da coruja Sabina

Ilustração: Sandra Serra
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A cabeça de Rezinga andava, ultimamente, numa roda-viva, cheia de interrogações para as quais não encontrava respostas que o satisfizessem, de modo que resolveu procurar a coruja Sabina.
Certa noite, o gato esperou, aquietado, que a coruja poisasse no sobreiro da velha quinta. Observou-a a chegar no seu voo silencioso, com a grande cabeça flexível e vivos olhos. Ficava maravilhado ao vê-la rodar a cabeça. Parecia mesmo que dava uma volta completa. Mas sabia que não era assim, pois, tinha ouvido Beatriz dizer que a coruja roda a cabeça até 270º, quer dizer, 135º para cada lado. De qualquer modo, aquela particularidade da coruja era extraordinária, pensava o gato, que a achava, além do mais, uma ave muito bela.
Mas, adiante!
Há muito que Rezinga olhava para o horizonte e se perdia em pensamentos sobre a vida. O dia e a noite, o sol e a lua, o grande cosmos, a Natureza e os seus enigmas, os desentendimentos dos bichos, as atitudes dos humanos… O espanto apoderava-se do gato e, talvez por isso, a curiosidade se agigantasse dentro de si.
As dúvidas surgiam e certas perguntas redemoinhavam dentro dele. Rezinga pensou, então, que porventura a coruja, com a sua sabedoria, pudesse ajudá-lo e resolveu interpelá-la.
– Coruja Sabina, porque é que os bichos não se entendem e não se organizam para defender os seus direitos? Porque é que, em vez disso, se perseguem e atacam uns aos outros? Já os seres humanos têm governos, leis, assembleias, políticos, filósofos, sábios, cientistas, artistas e tanto mais… Afinal, os animais vivem neste planeta, mas pouco sabem dele. A não ser a cegonha Anacleta, que é muito viajada, cada um sabe de si e pouco mais. O que tens a dizer sobre este assunto?
A coruja ouviu Rezinga e, rodando sentenciosamente a cabeça, comunicou-lhe: – Os seres humanos pensam que sabem tudo! Na verdade, há muitas coisas que desconhecem e relativamente a outras parece nada quererem saber.
Ainda acrescentou: – Não sei se serão um bom exemplo para os outros animais.
– Mas constroem pontes, enormes edifícios, naves espaciais e robôs… São autores de invenções incríveis, de descobertas científicas, de obras de arte magníficas e de outras criações portentosas! Não são, por certo, ignorantes! Não sei se compreendo o que pretendes dizer… – ripostou o gato.
A coruja permanecia com a sua pose altiva e os olhos afiados acendiam-se no negrume da noite. Rezinga aguardava, impaciente, que Sabina dissesse mais alguma coisa, mas a coruja era de uma calma que o fazia desesperar.
Então, a ave advertiu: – Enganas-te se pensas que sei tudo. A verdadeira sabedoria é uma atitude de procura do conhecimento e da verdade. A pior ignorância é a de quem pensa que tudo sabe.
Rezinga ouviu com atenção estas palavras, mas não se deu por vencido e persistiu: – Podes dizer-me, contudo, o que pensas sobre a Humanidade? Este assunto tem despertado em mim um grande interesse, ultimamente.
– Os homens criam as leis, mas nem sempre as cumprem; desejam a paz, mas fazem guerras; desperdiçam alimentos quando há tanta fome no mundo…Escrevem tratados e declarações de direitos, mas, em muitos casos, não os respeitam…E, como se não bastasse, causam mal ao planeta, poluindo o ar, a terra e os oceanos. Não te parece que há no ser humano alguma irresponsabilidade e falta de consciência?
O gato ficou atónito com as desconcertantes declarações de Sabina e pensou: «Como é difícil entender os homens! É certo que são autores de feitos maravilhosos e que praticam boas ações, mas também são capazes de atos pouco éticos e até cruéis.»
Nessa noite, adormeceu a matutar que este planeta colorido e luminoso, mágico pela sua diversidade, poderia ser um lugar melhor, se não fosse frequentemente ensombrado pelo comportamento do ser humano.
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(*) In “Rezinga – Um gato do outro mundo”
11/07/2022