A premência ou a vacuidade da polémica em torno do IRC

 A premência ou a vacuidade da polémica em torno do IRC

(© RTP)

Quando não há nada de importante para discutir ou não se querem discutir os problemas mais candentes, os decisores perdem-se em questões menores ou na afirmação das suas agendas pessoais e/ou políticas. Efetivamente, um membro do Governo deve sintonizar com o coletivo que integra e, se não está disponível para tal, deve demitir-se. Contudo, não é censurável que um ministro ou secretário de Estado tenha opinião prévia sobre determinado tema a discutir nos órgãos da governação, desde que não a dê como definitiva, imperativa ou “irrevogável”. Já vimos disso!

A 18 de setembro, António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, afirmou que uma redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), transversal a todas as empresas, seria “um sinal extremamente importante para toda a indústria” e “extremamente benéfico” face à atual crise, devendo ver-se, a partir daí, “qual é o impacto que pode ter no futuro”.

Redução transversal do IRC seria “extremamente importante” para a indústria”, defende António Costa Silva. (© CNN Portugal)

Foram declarações prestadas aos jornalistas, à margem da sua visita às empresas portuguesas que participaram na feira de calçado “MICAM Milano”, na cidade de Milão, em Itália. Porém, o governante disse esperar que, “na negociação do acordo de rendimentos e de competitividade e, depois, no Orçamento do Estado, possamos ter esse desígnio da redução do IRC”. Enfim, tudo dependeria das negociações em sede de concertação social no âmbito do acordo de rendimentos.

O ministro da Economia e do Mar afirmou que uma redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), transversal a todas as empresas, seria “um sinal extremamente importante para toda a indústria” e “extremamente benéfico”

A taxa de IRC é de 21% sobre o lucro das empresas até 1,5 milhões de euros. A esta taxa acresce uma derrama estadual para as empresas com maior lucro e, ainda, uma derrama municipal.

Há, de facto, aqui uma pressão sobre a dinâmica da negociação em sede de concertação social e, desejavelmente, sobre o próximo Orçamento do Estado (OE). Não mais do que isso.

O ministro também revelou que não mudara de ideias, atendendo a que o programa de Governo fora largamente discutido, mas o que ficou inscrito foi “a figura da redução seletiva do IRC, dirigida a empresas que reinvestem parte dos seus lucros na atividade económica, apostam na inovação tecnológica ou contratam jovens qualificados”. Não obstante, António Costa Silva garante que sempre teve “muito claro que o país, algures, tinha que fazer essa redução transversal do IRC”. Agora, disse pensar que “vamos a caminho de uma redução transversal, que vai ser um sinal extremamente importante para toda a indústria”, pois, “se tivermos as empresas associadas a isso [e] também os sindicatos, no âmbito da concertação social, podemos ter a capacidade da ação coletiva para superar todas estas crises”.

Porém, relativamente à discussão do acordo de rendimentos, nada avançou, antes disse: “Eu não queria antecipar o que é que se vai passar. Mas nós vamos levar propostas que eu penso que são muito interessantes também para as empresas.”

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As reações não se fizeram esperar. Desde logo, António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a 20 de setembro, na conferência “Fiscalidade no OE2022”, promovida pelo Global Media Group, em Lisboa, disse acreditar que haverá uma agradável surpresa de descida nominal transversal da taxa do IRC dos atuais 21% para 19%. Com efeito, num painel que tem como tema geral “O choque fiscal é fundamental. Como pode a abordagem aos impostos no OE 2023 ajudar famílias e empresas”, Saraiva acentuou que, no IRC, Portugal “compara mal” com outros países, pelo que “mais importante do que a taxa é o sinal que é dado”, porque há “um efeito reputacional” com a descida da taxa nominal do IRC.

Presidente da CIP, António Saraiva, acredita que “haverá uma agradável surpresa de descida nominal transversal da taxa do IRC”. (© RTP)

O presidente da CIP referiu que a confederação discute, em sede de concertação social, o acordo de competitividade e de rendimentos, insistindo na necessidade de estabilidade e de descida “gradual e fatiada” da carga fiscal, mas afirmou que não fará depender o acordo da descida daquela taxa.

Por sua vez, Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças declarou que até concorda com o ministro, mas que tal comunicação cabe ao primeiro-ministro ou ao ministro das Finanças. E Siza Vieira, que foi ministro no XXII Governo, observa que, embora a medida conste do programa do Governo, surge enquadrada como uma forma de “apoio ao investimento empresarial” e “no contexto do famoso acordo de rendimentos e produtividade”. Afinal, não disse nada que o ministro da Economia não tenha dito.

(© SIC Notícias)

Entretanto, Fernando Medina, ministro das Finanças avisou que a decisão sobre a matéria é da competência do coletivo, cuja voz é o primeiro-ministro. Nisto, foi acompanhado pelo secretário de Estado da Economia, João Neves, e pela secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Margarida Marques – o que levou alguma opinião pública a dizer que o ministro da Economia está isolado no Governo e no próprio ministério da Economia. João Neves sustenta que não é a redução do IRC (só teria um efeito marginal) que salva as empresas; nem as leva ao investimento, pois são os mercados que ditam as regras. E Rita Marques lembrou que o primeiro-ministro tem “a primeira e a última” palavra no que diz respeito à redução do IRC transversal a todas as empresas.

Siza Vieira, que foi ministro no XXII Governo, observa que, embora a medida conste do programa do Governo, surge enquadrada como uma forma de “apoio ao investimento empresarial” e “no contexto do famoso acordo de rendimentos e produtividade”

Convenhamos que ninguém quis tirar a palavra ao primeiro-ministro. Porém, diga-se que, em matéria de impostos, a última palavra cabe à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.

A partir de Nova Iorque, onde estava para a Assembleia Geral das Nações Unidas, António Costa, questionado sobre a intenção, do ministro da Economia, de reduzir o IRC de forma transversal para as empresas, referiu que o tema “não esteve no discurso do engenheiro António Guterres”.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, cumprimenta o primeiro-ministro português, António Costa, nas Nações Unidas.
(© UN PHOTO/ ESKINDER DEBEBE)

Não foi a primeira vez que o primeiro-ministro desautorizou o ministro da Economia. Já quando este, no debate do programa de Governo, na Assembleia da República, defendeu a possibilidade de o Governo avançar com um imposto sobre os “lucros caídos do céu”, António Costa e Fernando Medina viraram o discurso para a “avaliação” dessa possibilidade – o que agora já admitem, em consonância com a Comissão Europeia. E, agora, o ministro da Economia já diz que é preciso olhar para o sistema fiscal português. Assim, para já e à medida que os alarmes vão soando entre os socialistas, que querem uma maior valorização salarial e pulso mais firme contra os lucros excessivos das empresas, o Governo não se compromete com este tipo de redução do IRC.

(© SIC Notícias)

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a 20 de setembro, rejeitou que a redução de impostos (o choque fiscal) seja a “panaceia” para todos os problemas. Sem antecipar que medidas constarão no OE 23 (a apresentar a 10 de outubro), na já referida conferência sobre fiscalidade organizada pelo grupo Global Media, António Mendonça Mendes insistiu que o país não está em condições de fazer choques fiscais, devendo continuar a desagravar impostos às famílias e às empresas, de forma seletiva e à medida que as necessidades forem identificadas. “Não são os impostos que vão resolver o problema dos elevados custos da energia, isso faz-se acelerando a transição energética”, considerou ainda, num claro volte-face em relação ao que tinha dito antes o ministro da Economia.

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O ministro António Costa Silva diz que não está “nem sozinho nem acompanhado” no executivo e que, muitas vezes na vida, teve batalhas difíceis em que esteve sozinho; e que está habituado “a ter razão antes do tempo, que é uma coisa que, às vezes, é muito difícil de sustentar”.

O ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, refere que está “habituado a ter razão antes do tempo”. (rr.sapo.pt)

Na audição, de 28 de setembro, na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação da Assembleia da República, Costa Silva confessou não ter “medo nenhum”: “Nem de pensar, nem de exprimir os meus pensamentos nas alturas em que acho que devo exprimir”. Assim, promete aguardar para ver quais vão ser os desenvolvimentos. E vincou: “Luto com as armas que tenho, de acordo com as ideias que tenho, em consonância com o programa do Governo e em articulação com o senhor primeiro-ministro. É isso que me move […], o Governo e o primeiro-ministro estão alinhados com isso e estão a buscar as várias soluções.”

O ministro da Economia diz que não está “nem sozinho nem acompanhado” no executivo e que, muitas vezes na vida, teve batalhas difíceis em que esteve sozinho; e que está habituado “a ter razão antes do tempo, que é uma coisa que, às vezes, é muito difícil de sustentar”

Porém, aos deputados, o ministro da Economia e do Mar afirma pensar a longo prazo: “Independentemente dos partidos e dos governos que se alternam, a questão do país é a questão vital […]:  aquilo que não fizermos nos próximos anos vai ser pago e pago de uma forma muito difícil”. Com efeito, custa-lhe ver empresas que podem claudicar se não se fizer “tudo [o] que está ao nosso alcance, agora, para auxiliar aquilo que pode acontecer e evitar uma tempestade maior no futuro”.

O Governo propôs, a 28 de setembro, aos parceiros sociais, redução seletiva do IRC às empresas que promovam o aumento de salários e que invistam em investigação e em desenvolvimento. Isto é: as empresas têm de enveredar pela contratação coletiva dinâmica, valorizar progressivamente os salários de modo a que, em quatro anos, aumentem 20% e diminuam a amplitude salarial; e que devem investir em investigação e desenvolvimento (I&D), reforçando o Governo as condições do sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II) na componente do investimento direto, avançando para a criação do incentivo à capitalização de empresas (ICE), pela dedução de lucros retidos e reinvestidos (DLRR) e pela remuneração convencional do capital social (RCSS); assim como simplificando os incentivos fiscais à capitalização e ao investimento, pela eliminação de redundâncias e limitações inerentes aos instrumentos atualmente existentes e pela melhoraria do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI).

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Afinal, esclarecimentos palavrosos para nada: empresas que pretendam singrar farão o que se estipular. Mais de 36% delas não pagam IRC. As pequenas empresas não têm lucros, não pagam IRC e sobrevivem ou, cedo ou tarde, caem. Dada a volta, António Costa e Silva acaba por ter razão. Só não trava os altos custos de produção. De resto, apenas incidentes de discussão e pruridos inúteis!

29/09/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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