Aldeia saloia de José Franco, figurado de Barcelos e barro preto de Bisalhães, de Molelos e de Ribolhos

 Aldeia saloia de José Franco, figurado de Barcelos e barro preto de Bisalhães, de Molelos e de Ribolhos

Aldeia típica, de José Franco, no Sobreiro. (cm-mafra.pt)

A aldeia saloia de José Franco

Em Sobreiro, no concelho de Mafra, o escultor e oleiro José Franco (1920-2009), conhecido internacionalmente no domínio da arte sacra, com obras em todo o Mundo, inclusivamente no Vaticano, manteve uma expressão popular na sua Aldeia Saloia ou Aldeia Típica, em miniatura. Num espaço de cerca de 2500 metros quadrados, José Franco reproduz uma pequena comunidade de começos do século XX, representada por casas, lojas e oficinas desse tempo e figurinhas humanas mecanicamente movimentadas. Algumas das antigas e tradicionais ocupações dos Portugueses estão, aí, patentes nos cenários que lhes eram próprios, bem como os respectivos instrumentos ou alfaias de trabalho.

Aldeia saloia, de José Franco. (cm-mafra.pt)

Figurado de Barcelos

(cm-barcelos.pt)

Quando se fala desta cidade do distrito de Braga, vem-nos, de imediato, ao pensamento o internacionalmente conhecido “galo de Barcelos”, criado pelo avô da barrista local Júlia Cota.

Ícone desta urbe e quase um símbolo nacional, este “galo” e um sem-número de “bonecos” criados por artistas populares, nas freguesias rurais envolventes da cidade, como Barqueiros, Manhente, São Martinho de Galegos e outras, expressam um estilo local, diferente de tudo o que se produz na arte barrista em Portugal, alvo do interesse de notáveis estudiosos.

(cm-barcelos.pt)

Variando entre seres de pesadelo, animais domésticos e cenas do quotidiano, estas expressões de uma arte local, original e muito particular, são, como alguém disse, um delírio surrealista de cores e de formas. Se aceitarmos que o surrealismo explora o domínio do sonho, da imaginação e do absurdo, e que transverte a verdade sensível e a razão, procurando tudo o que se encontra para lá do real, Rosa Ramalho, Júlia Cota e Domingos Gonçalves Lima, mais conhecido por “Mistério”, introduziram o surrealismo na arte popular de trabalhar o barro.

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Barro preto de Bisalhães, de Molelos e de Ribolhos

Só não é barro vermelho porque o fabrico é outro. A característica cor negra desta loiça é-lhe dada em forno abafado com terra ou por outra via menos primitiva, queimando madeira resinosa, giestas, caruma ou carqueja, em combustão lenta. Neste ambiente, deficiente em oxigénio, há abundante produção de finíssimas partículas de carvão que penetram profundamente na porosidade do barro, impregnando-o por completo. Quimicamente redutor, este ambiente transforma o óxido férrico (Fe2O3),vermelho, em óxido ferroso (FeO), preto. Entre esta loiça, distingue-se uma de aspecto mais tosco, sem brilho, e outra que, antes de ir ao forno, é brunida, ou seja, alisada com um seixo, ficando parcialmente impermeabilizada e com brilho metálico.

Louça preta de Bisalhães, no município de Vila Real. (unescoportugal.mne.gov.pt)

A localidade de Bisalhães, no concelho de Vila Real, é a sede de um processo artesanal deste tipo de barro, vindo do século XVI. A sua olaria de barro preto, com e sem brilho, foi declarada, em 2016, Património Cultural Imaterial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Louça preta de Molelos, freguesia do concelho de Tondela. (7maravilhas.pt)

Molelos, no concelho de Tondela, é outro importante centro produtor de barro preto, com loiça baça e brilhante, entre a utilitária e a decorativa.

Peças da olaria do artesão José Maria, de Ribolhos. (cm-castrodaire.pt)

Por sua vez, Ribolhos, no concelho de Castro Daire, deu nome a um tipo de barro preto, tosco e áspero, com tradição na loiça utilitária, sendo, hoje, também usado como expressão artística, especialmente, em figuras de arte popular, algumas delas fazendo parte do Museu Municipal de Castro Daire.

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Nota da Redacção:

Este artigo dá continuidade aos textos “Moldar o barro: da Pré-História aos dias de hoje”, “Barro vermelho” e “Bonecos de Estremoz, olaria corvalense, loiça do Redondo e cantarinhas de Nisa”, todos da autoria de António Galopim de Carvalho e publicados, respectivamente, nas edições de 20/06/2024, de 24/06/2024 e de 27/06/2024.

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01/07/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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