Avizinham-se as eleições europeias que devem mobilizar os cidadãos
As eleições para o Parlamento Europeu (PE) são as que menos têm mobilizado os cidadãos portugueses. Nas de 2019, Portugal registou a pior taxa de abstenção (68,6%), desde que integra a União Europeia (UE), em contraciclo com a participação registada na Europa, de cerca de 50%.
As eleições europeias entre 1987 e 2019 tiveram os seguintes valores percentuais, em Portugal: 72,42%, em 1987; 51,10%, em 1989; 35,54%, em 1994; 39,93%, em 1999; 38,60%, em 2004; 36,77%, em 2009; 33,67%, em 2014; e 30,75%, em 2019.
Contudo, há esperança da descida da abstenção nas eleições de 9 de junho, seguindo a tendência das últimas legislativas de 10 de março, quando a afluência às urnas atingiu 59,84%.
A elevada percentagem, em 1987, tem a ver com o facto de o ato eleitoral ter coincidido com as eleições legislativas portuguesas, que ocorreram no mesmo dia 19 de julho, em resultado da dissolução do Parlamento, bem como por ter sido a primeira vez que os cidadãos portugueses votaram para o PE. Assim, em três décadas, os números da abstenção e da afluência às urnas em eleições europeias inverteram-se. Neste percurso, 1994 registou uma baixa participação, a que se seguiu, no ato eleitoral de 1999, notória recuperação.
O país passou de menos de 30% de eleitores a não participarem, em 1987, para pouco mais de 30% a participarem, em 2019, apenas à frente da Croácia, da Eslovénia, da Chéquia e da Eslováquia, onde menos de 30% dos eleitores votaram.
A insatisfação política foi a principal razão apontada para a taxa de abstenção recorde de 68,6%, verificada em Portugal nas eleições europeias de maio de 2019, como revelou um inquérito divulgado, na altura, pelo PE. “Os Portugueses sentem-se europeus, pertencem à Europa e sabem os benefícios que a União Europeia lhes traz, mas depois há a questão da própria ligação às instituições europeias e [de se] compreender como é que funcionam. Essa questão é mais difícil, porque estamos a falar de instituições que estão longe do território português, mas que, de alguma forma, nos últimos anos, têm apostado em formas de comunicação diferentes, mesmo pelas redes sociais”, refere Francisco Cordeiro de Araújo, assistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).
“Estes resultados vão demorar a aparecer, mas sinto que há cada vez um maior sentimento de responsabilidade por parte de quem está em Bruxelas e em Estrasburgo de fazer passar a mensagem e sublinhar a importância da UE”, observa.
Outra das razões apontadas para justificar a decisão de não votar foi o desconhecimento relativamente à UE ou ao PE. Segundo o Barómetro da Política Europeia (BPE) da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) – que ouviu 1107 pessoas, uma amostra representativa da população portuguesa, para aferir o que se sabe e se sente, em relação à UE –, menos de metade dos Portugueses sabe indicar o nome de um eurodeputado português (48%) ou da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (44%). Todavia, os resultados do Barómetro sugerem que a sociedade portuguesa tem conhecimento razoável da UE. Em cada uma das três questões – número de países da UE, não pertença da Suíça à UE e adesão de Portugal antes de 1996 (mas em 1986) –, a maioria dos inquiridos, sobretudo os mais escolarizados, acertou na resposta.
Os inquiridos têm uma imagem francamente positiva da UE, resultado coincidente com a boa imagem que a sociedade portuguesa sempre teve da UE, exceto na crise económica de 2011/2014. Os inquiridos também acham que Portugal beneficiou da adesão à União UE e entendem que foi bom aderir ao euro. Além disso, os inquiridos têm melhor imagem das instituições europeias do que das portuguesas. Por exemplo, confiam mais na Comissão Europeia do que no Governo português e mais no PE do que na Assembleia da República (AR).
Quatro em cada cinco inquiridos acreditam que o voto nas eleições para o PE lhes dá uma palavra nas decisões europeias, mas é bem menor a proporção dos que entendem que os eurodeputados representam bem os interesses de Portugal.
As opiniões positivas sobre as instituições europeias são mais comuns entre as mulheres, nos inquiridos com 55 ou mais anos e naqueles com formação superior.
Porém, há um elevado grau de insatisfação, quanto à forma como a UE tem respondido a vários desafios da atualidade, em particular a estes: conflito israelo-palestiniano (64%), imigração de fora da Europa (63%) e combate ao desemprego (58%).
Um referendo, hoje, teria um resultado inequívoco. Sem surpresa, há uma relação entre os 85% que votariam a favor da permanência de Portugal e os que sentem como positiva a adesão do país à UE e ao euro. O “sim” a um alargamento da UE representa a maior fatia das respostas (45%). Mas não a maioria. Uma percentagem significativa (39%) dos inquiridos disse “não”. Para os que apoiam um alargamento da UE e indicaram um potencial novo estado-membro europeu, há uma escolha clara: a Ucrânia (58%).
A esmagadora maioria (83%) diz que a UE deveria ter o direito de expulsar estados-membros que desrespeitam os princípios democráticos. Embora metade dos inquiridos não considere que haja um estado-membro da UE que desrespeite os princípios democráticos, para os restantes (21%), há um país que se destaca: a Hungria.
Nove em dez inquiridos (90%) pensam que os cidadãos europeus deveriam ter alguma ou muita influência nas políticas europeias. Porém, só 35% acreditam que os cidadãos têm de facto esse nível de influência. A influência real dos governos também é menor do que a que deveriam ter, segundo a perceção dos inquiridos. E o mesmo acontece em relação aos eurodeputados. Já as grandes empresas os altos quadros da UE são vistos como tendo mais influência do que deveriam.
Três em cada quatro pessoas apontam a Alemanha como o país com maior poder de influência nas decisões da UE.
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“Temos aqui duas questões diferentes [relevantes]. Temos uma questão de, por exemplo, perceber como é que os eurodeputados podem comunicar melhor o seu trabalho e como é que nós também temos de estar despertos para perceber que as decisões que são tomadas em diferentes instituições têm influência no nosso dia a dia. Acho que isto é uma questão de literacia, literacia política europeia, e isto tem [de] começar nas escolas”, defende o fundador do projeto “Os 230”, que tem desenvolvido trabalho no campo da participação cívica e da promoção da literacia política e no combate à abstenção, através do voto informado.
Em contagem decrescente para as eleições europeias, os jovens portugueses, a par dos romenos, destacam-se entre os 27 estados-membros nas intenções de voto. Segundo o Eurobarómetro sobre Juventude e Democracia, divulgado pela Comissão Europeia, 77% dos Portugueses da faixa etária entre os 18 e 30 anos pretende ir votar, para decidir os 21 eurodeputados portugueses que se vão sentar no PE.
Para Francisco Cordeiro de Araújo, “os jovens estão cada vez mais atentos à Europa”, até porque “cresceram já com Portugal presente na UE e com uma voz mais ativa e usufruem de benefícios como o programa Erasmus”.
As eleições europeias deverão espelhar as eleições nacionais, no respeitante ao crescimento da direita. Dada a proximidade dos dois atos eleitorais, é expectável que a maioria do eleitorado não tenha mudado a sua convicção; e, se, a 10 de março, o Chega foi o partido que mais cresceu, o mesmo poderá acontecer agora. “Sobretudo o polo mais à direita tem mais representação no parlamento nacional e mais expressão, em termos de popularidade eleitoral. Julgo que partidos que integram, nomeadamente, esta família política mais à direita serão beneficiados nestas eleições, até porque não tinham representação até ao momento”, diz Francisco Cordeiro de Araújo, que leciona as cadeiras de Direito Internacional, de Direito da União Europeia e de Ciência Política, na FDUL.
As sondagens a nível europeu realizadas até agora indicam que as próximas eleições poderão originar uma mudança na composição do PE. Os partidos radicais e populistas, à esquerda e à direita, deverão ganhar votos e lugares, ao contrário dos partidos mais moderados ao centro. Aliás, prevê-se que os partidos de extrema-direita venham a unir-se no PE.
“Será quase certo que os partidos que, neste momento, têm assento no Parlamento Europeu serão diferentes. Teremos mais partidos portugueses e alguns deles, que já lá estão, vão perder a sua força. Se os partidos mais moderados não conseguirem adaptar-se em termos de comunicação e se os números de abstenção diminuírem, significará que os outros partidos [mais radicais] conseguiram capturar o eleitorado que vota e acredita nessas mensagens”, diz o politólogo.
De Portugal, voltarão a sair 21 eurodeputados, mas poderão, desta vez, ter origens partidárias muito diferentes. A mais recente sondagem da Universidade Católica Portuguesa (UCP) para a RTP, Antena 1 e jornal Público, dá empate técnico entre a Aliança Democrática (AD), com 31%, e o Partido Socialista (PS), com 30%, com a AD a conseguir uma ligeira vantagem sobre o PS. O Chega surge como a terceira força política, com 15% das intenções de voto. já os restantes partidos ficam abaixo dos dois dígitos. A Iniciativa Liberal (IL) com 6%, o Bloco de Esquerda (BE), o Livre e a Coligação Democrática Unitária (CDU) empatados com 5% – no limiar para eleger –, e o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) com 1%, o que deixaria o partido animalista e ambientalista de fora do PE. É uma sondagem (uma anterior dava empate técnico, mas com ligeira vantagem ao PS), mas que funciona com indicador ou como influenciador.
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Segundo o Eurobarómetro (inquérito oficial do PE), que recolheu as opiniões de mais de 26 mil pessoas, nos 27 estados-membros, divulgado a 19 de abril, 71% dos inquiridos declaram-se “propensos” a votar para escolher quem os representa no hemiciclo de 720 membros. Este valor representa um aumento de 10%, em comparação com o período que antecedeu as eleições de 2019. Então, a afluência às urnas atingiu 50,66%, pondo fim à trajetória de anos de declínio da participação. Porém, 14% dizem que “não é provável” que votem, enquanto 13% permanecem “neutros”.
Os cidadãos da Dinamarca (87%), dos Países Baixos (86%), da Suécia (81%), da Finlândia (79%) e da Alemanha (78%) registam as taxas mais elevadas. Em alguns países, a probabilidade de votar aumentou, em comparação com 2019, incluindo a Chéquia (de 39% para 58%), a Roménia (de 55% para 74%), a Áustria e a Polónia (de 52% para 70%, em ambos), Chipre (de 44% para 60%) e a Eslováquia (de 47% para 62%). A Bulgária destaca-se como o único país com uma diminuição significativa da intenção de voto, passando de 57%, em 2019, para 50%, em 2024.
Ainda assim, o aumento da probabilidade de votar é forte tendência em todos os países, acompanhado pelo crescente envolvimento nas próximas eleições: 60% dizem-se “interessados” ou “muito interessados”, um aumento de 11%, desde a primavera de 2019. Por outro lado, 27% dizem-se não “muito interessados” e 13% dizem-se “nada interessados”.
Além disso, 53% dos inquiridos consideram as eleições de “grande importância”, 36% de “importância média” e 10% de “pouca importância”.
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Nestes termos, era de exigir uma valorização das listas de candidatos, o que parece não ter ocorrido em Portugal. Agora, importa que os candidatos digam, claramente, o que defendem, não se perdendo em questões de lana caprina, em armadilhas dos adversários ou em pretensões inquiridoras dos moderadores de debate. E interessa que os comentadores não lancem poeira sobre o eleitorado a classificar os intervenientes nos debates ou a “explicar” o que eles disseram.
Importa saber o que pretende a UE, para onde caminha e como vai responder aos grandes desafios (conflitos armados, defesa e segurança, habitação, imigração, emprego, pobreza, ambiente, clima, economia, estado social, etc.) nos estados-membros, na UE e no Mundo. Entretanto, votemos. Depois, criticaremos.
~.
30/05/2024