Balas da PIDE mataram Humberto Delgado há 60 anos

 Balas da PIDE mataram Humberto Delgado há 60 anos

Humberto Delgado foi recebido apoteoticamente no Porto, a 14 de Maio de 1958. (Direitos reservados)

Há 60 anos, no dia 13 de Fevereiro de 1965, as balas da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) assassinaram Humberto Delgado, o “General Sem Medo”. O crime foi executado por uma brigada chefiada por Rosa Casaco. Em Los Almerines, perto da cidade espanhola de Olivença, também morreu a secretária de Delgado, Arajaryr Campos.

Foi a primeira e única vez que a PIDE actuou fora de Portugal. Casaco, Ernesto Lopes Ramos, Casimiro Monteiro1 e Agostinho Tienza foram os “pides” que executaram a ordem dada por António Oliveira Salazar. Os corpos de Humberto Delgado e de Arajaryr Campos foram levados, depois, para perto de Villanueva del Fresno.

Cravos vermelhos para Humberto Delgado e para Arajaryr Campos, em Los Almerines, local onde foram assassinados pela PIDE, em 13 Fevereiro de1965. (facebook.com/o.general.sem.medo)
Os cadáveres foram localizados uns meses mais tarde, num local chamado Los Malos Pasos, perto de Villanueva del Fresno, a sul de Olivença. (renaultportugal.tumblr.com)

Villanueva del Fresno fica a pouco mais de trinta quilómetros a sul do local do crime, em Los Malos Pasos (“os maus passos”). Ali, foram colocados numa vala natural, cobertos com cal viva e “apressadamente enterrados”. Os dois cadáveres viriam a ser descobertos dois meses e dez dias mais tarde, a 24 de Abril de 1965, por “dois rapazes espanhóis que andavam a caçar pássaros na zona”.

Comício da campanha eleitoral em Coimbra (Maio de 1958). (facebook.com/o.general.sem.medo)

A morte de Humberto Delgado foi decidida a partir do momento em que, em 1958, desafiou Salazar. As eleições fraudulentas garantiram a vitória a Américo Tomaz, o imbecil de Marinha às ordens do ditador, que, contudo, foi incapaz de evitar que as ruas e praças do país fossem invadidas por milhares e milhares de cidadãos apoiantes da candidatura do General Sem Medo.

Acossado pela PIDE, pediu asilo político na embaixada brasileira, em 1959, ano em que, sob a sua égide, decorreu a malograda Revolta da Sé. Exilou-se, posteriormente, no Brasil e, mais tarde, na Argélia.

Humberto Delgado jamais deixou de combater o regime fascista. Promoveu a Revolta de Beja (“Operação Ícaro”) a qual veio a ser concretizada na passagem de ano de 1961 para 1962.  O golpe fracassou e o seu comandante militar, João Varela Gomes, foi alvejado.

Há 60 anos, venderam-lhe a ideia de que opositores ao regime ditatorial queriam reunir-se com ele em terras de Espanha. Humberto Delgado caiu no logro e isso ditou a sua morte. Salazar e a PIDE odiavam o General Sem Medo.

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Nota:

1 – Diz a Wikipédia: “Segundo os juízes do 2.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa (Tribunal de Santa Clara) que, após o “25 de Abril de 1974”, julgaram os elementos da brigada e as chefias da PIDE, o autor material do crime, Casimiro Monteiro, foi o único autor moral do mesmo, numa operação (“Operação Outono”) que teria como propósito raptar e não assassinar Humberto Delgado. Ainda segundo os mesmos juízes, Monteiro rapidamente aproximou-se do general e, empunhando uma pistola, disparou-lhe sobre a cabeça, matando-o logo; e a secretária brasileira do general, Arajaryr Campos, aterrorizada, começou a gritar e Tienza, com uma arma semelhante, também a matou.

Humberto Delgado e Arajaryr Campos. (facebook.com/o.general.sem.medo)
(Direitos reservados)

Numa polémica entrevista concedida ao periódico Expresso, em 1998, Rosa Casaco afirmou ter sido surpreendido com as mortes, dizendo que o plano seria raptar o general, depois de o tornar inconsciente com clorofórmio, e levá-lo preso para Portugal para ser julgado por actos terroristas. Disse que Monteiro e Tienza teriam sido mandatados por chefias superiores da PIDE para matarem o general, sem que Casaco tivesse sido informado previamente.”

Esta versão dos acontecimentos foi posta em causa por Frederico Delgado Rosa, biógrafo e neto do general Humberto Delgado. Na obra intitulada “Biografia do General Sem Medo” (2008, A Esfera dos Livros), é referido que, com base nas perícias médico-legais realizadas em Espanha, na altura dos acontecimentos, Humberto Delgado foi barbaramente espancado no crânio com um objecto contundente. Segundo a mesma tese, os juízes do Tribunal de Santa Clara distorceram a verdade material do crime por razões políticas, com o intuito de preservar a hierarquia superior da PIDE, nomeadamente o seu director, Fernando da Silva Pais, e, em última instância, a figura de Salazar.

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17/02/2025

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Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

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