Boas intenções
É nesta altura do ano que muitos de nós tomamos decisões de mudança e formulamos todo o tipo de votos para um mundo melhor. “Feliz Ano Novo!”, dizemos a todos os que encontramos, esperando, sinceramente, que se concretize este nosso desejo. Já não nos damos conta de que, neste mundo em que vivemos, tudo é muito diferente – para melhor – graças às omnipresentes tecnologias da informação e da comunicação (TIC), sem as quais já não poderíamos viver. No entanto, é muito importante que não nos esqueçamos de que nem tudo é um “mar de rosas” no que às TIC diz respeito. Vejamos alguns exemplos.
As ferramentas computacionais e a Internet foram desenvolvidas com o primordial intuito de melhorar a qualidade e quantidade do trabalho dos especialistas que as inventaram. Hoje, são, naturalmente, ferramentas utilizadas por todos os profissionais, mas, infelizmente, nem sempre conduzem a mais e a melhores resultados. As TIC estão na base da esmagadora maioria das interrupções e distrações de quem trabalha, bem como da constante falta de concentração, responsáveis por baixa produtividade, por inúmeros erros e incontáveis acidentes, alguns dos quais fatais. As interrupções e distrações estão, em todo o lado, potenciadas pelo dispositivo mais viciante e escravizante que possuímos e do qual nunca nos separamos: o telemóvel. Até em debates determinantes para o futuro do País podemos ver muitos políticos concentrados no seu telemóvel, abstraídos, distantes.
É claro que se poderá dizer que as pessoas já não estão isoladas, que estão em constante comunicação, que estão muito mais próximas umas das outras graças às tecnologias da informação e da comunicação. Até certo ponto, é verdade. Mas muitos mais são os casos em que as TIC isolam as pessoas, mais do que as unem. Pais e filhos já não partilham momentos quando estão em casa, cada um fechado no seu mundo virtual, desligado da realidade, não despegando o olhar do tal dispositivo viciante. Às refeições, cada um concentra-se no seu ecrã. O mesmo se passa em restaurantes, onde é comum ver “reuniões” de amigos ou colegas em que uma grande percentagem dos “convivas” convive noutro mundo, isolados de tudo o resto. Por outro lado, é claro que são as TIC que possibilitam que possamos falar com algum ente querido que esteja distante, quiçá em viagem nalgum ponto longínquo do globo, mas, rapidamente, uns e outros anseiam pelo fim da comunicação. Uns porque querem afixar na sua rede social as mais recentes fotos. E os outros porque querem voltar à sua ansiada rotina de navegar sem destino e sem que os incomodem. Será que, na verdade, as tecnologias aproximam as pessoas? Talvez, talvez…
Bom, mas ninguém poderá contestar que as TIC possibilitam o acesso extremamente rápido a vastas quantidades de informação. Sim, isso é certo, o problema é distinguir a informação da desinformação. A quantidade de erros, de imprecisões, de falsidades, de dados pseudocientíficos, de mexericos e de informação completamente inútil é tal que destrinçar entre o que é fidedigno e o que não o é constitui uma tarefa tão complexa como desatar um nó górdio. Mesmo assim, pode argumentar-se que as TIC possibilitam o acesso a muito boa informação e a conhecimento de grande valor, o que não é errado.
Infelizmente, a grande maioria das pessoas não tira partido disso, limitando-se a copiar e a colar, sem qualquer escrutínio, o que encontra na Internet. Ou a esperar que uma qualquer plataforma de inteligência artificial lhe resolva um problema que não entende nem quer entender, desde que a resposta lhes seja fornecida de imediato. O dramático é que a tão apregoada e defendida utilização de tecnologias nas escolas só contribui para agravar este problema, em vez de o resolver através do fomento de uma atitude proativa e crítica de utilização destes meios por parte de crianças e de jovens.
Apesar disto tudo, vivemos num mundo melhor, mais igualitário, mais informado, mais respeitador dos direitos humanos e dos direitos dos povos. Para isso, também contribuíram e contribuem as TIC, certo? Sim, é certo, mas não nos podemos esquecer de que – por detrás de guerras (cuja informação atualizada ao segundo conseguimos consultar no conforto do sofá) e de violações de direitos humanos e dos direitos dos povos – temos, sempre, a possibilidade de encontrar tecnologia de ponta, seja ela terrestre ou espacial, bem como ferramentas altamente sofisticadas, só disponíveis com recurso às TIC. Por um lado, o mundo está muito melhor, mas é inquestionável que, por outro lado, e para muitos, está muito pior.
Não nos confundamos, no entanto. As sofisticadas tecnologias e sistemas computacionais nos quais assenta a nossa sociedade não têm vontade própria (pelo menos, por enquanto). A culpa de todo o mal que existe no mundo não é das TIC, mas, sim, nossa. É a natureza humana que nos impele a explorar qualquer tecnologia para o bem ou para o mal. Voltamos, portanto, ao ponto de partida. Só nós próprios podemos tomar a decisão de nos tornarmos melhores. Não podemos esperar que sejam as TIC a resolver-nos, como num passe de mágica, os problemas que só nós criamos. Que seja esse o nosso voto para o ano de 2025, que agora começa.
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02/01/2025