Cancelamento de parcerias com universidades dos EUA está suspenso

 Cancelamento de parcerias com universidades dos EUA está suspenso

As parcerias com o MIT e as universidades de Carnegie Mellon e Austin custam ao país quase tanto como toda a rede de laboratórios associados. (Créditos fotográficos: ThisisEngineering RAEng – Unsplash)

Maria Madalena dos Santos Alves foi diretora do Centro de
Engenharia Biológica, cargo que desempenhou de janeiro de
2020 e até assumir funções como presidente da FCT, a 1 de
julho de 2022. (ceb.uminho.pt)

A 24 de novembro, soube-se que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) decidira cancelar os protocolos de cooperação celebrados com as universidades norte-americanas Carnegie Mellon University (CMU), MIT (Massachusetts Institute of Technology) e University of Texas at Austin, lançados, há 17 anos, para a internacionalização da ciência e da tecnologia, nomeadamente através da formação de doutorandos e da investigação. Terminando a 31 de dezembro, não seriam renovados.

A decisão foi comunicada pela presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) aos diretores portugueses dos programas, que prepararam, entretanto, posição conjunta de desacordo. “Estes protocolos tiveram e têm grande impacto no nosso sistema científico e também nas empresas. O seu fim representa uma perda substancial para o país”, critica o diretor do programa MIT-Portugal, Pedro Arezes.

O professor da Universidade do Minho Pedro Arezes é o diretor
nacional do programa MIT Portugal. (ominho.pt)

Em relatório enviado, neste ano, à ministra Elvira Fortunato, a FCT aponta o “contributo significativo” que tais parcerias deram para “a transformação da economia nacional, estimulando a investigação e desenvolvimento (I&D) e a atividade económica em setores tecnológicos” de alto valor acrescentado. E sustenta que os protocolos com as três instituições americanas estimularam “uma cultura de empreendedorismo altamente qualificado nas universidades portuguesas” e proporcionaram a criação de emprego qualificado, “atraindo para Portugal recursos humanos de reconhecido mérito internacional”.

Foi no âmbito destes protocolos de cooperação, nomeadamente a parceria com a norte-americana de Carnegie Mellon University, que surgiram empresas tecnológicas como a Feedzai, que atingiu o estatuto de unicórnio, ou a Mambu, Unbabel ou Venian, que empregam, em conjunto, cerca de cinco mil engenheiros em Portugal. “Estamos envolvidos numa grande transformação do ecossistema digital em Portugal, com grande impacto na economia nacional. Não se poderia ter escolhido pior momento do que este, em que assistimos a uma revolução na Inteligência Artificial [IA], para pôr fim à parceria com a melhor universidade do mundo nesta área”, lamenta Nuno Nunes, diretor do programa Carnegie Mellon-Portugal.

Nuno Nunes, diretor do programa Carnegie Mellon-Portugal.
(cmuportugal.org)

Tanto Nuno Nunes como Pedro Arezes criticam que a decisão tomada sem ter sido realizada nenhuma avaliação independente ao custo-benefício destas parcerias para Portugal e contestam os números avançados, em junho, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP).

Na altura, tanto o CRUP como o Conselho dos Laboratórios Associados, presidido por Elvira Fortunato, entregaram ao MCTES um parecer desfavorável à continuidade dos programas, alegando que estes custaram a Portugal, desde 2006, cerca de 310 milhões de euros, um terço dos quais nos últimos cinco anos.

Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior. (portugal.gov.pt)

“Não existem recursos para financiar a ciência em Portugal e gastamos milhões a financiar universidades americanas, com um retorno duvidoso para o país”, disse o então presidente do CRUP, António Sousa Pereira. Ora, o parecer do CRUP não foi apoiado por todos os reitores e há outro, de um conjunto de personalidades independentes, da academia, dos laboratórios e das empresas, que defende a continuidade dos projetos. Só que a ministra escondeu-o do debate público.

“As Parcerias Internacionais (PI) constituem um elemento basilar da estrutura do orçamento da FCT, e a parte do orçamento dedicado às PI deve manter no mínimo o mesmo grau de materialidade que no passado (5% do orçamento da FCT)”, conclui o estudo.

Ex-presidente do Conselho de Reitores das Universidades
Portuguesas, António Sousa Pereira. (noticias.up.pt)

O diretor do programa MIT-Portugal sustenta: “Os valores apresentados não estão corretos e não podem ser medidos assim, já que uma grande parte do investimento feito reverte para Portugal e para as empresas portuguesas.” E defende uma “avaliação rigorosa das parcerias”.

Também Manuel Heitor, ex-ministro da Ciência e Ensino Superior, não poupa nas críticas à decisão da sucessora: “Estas parcerias estratégicas foram absolutamente decisivas para atrair e formar uma nova geração de cientistas e de empreendedores em Portugal. O seu impacto em Portugal e no Mundo tem sido reconhecido ao melhor nível internacional e o seu cancelamento precipitado e sem uma avaliação séria só pode mostrar a arrogância de não querer perceber a história recente do sucesso da ciência e formação superior em Portugal.”

Manuel Heitor, ex-ministro da Ciência e Ensino Superior.
(parque.ufrj.br)

“Paroquial e mesquinho” – “a mais triste herança de uma ministra que nunca o chegou a ser, num governo que não merecia chegar ao fim de vida, contrariando tudo o que defendeu nos últimos anos”, disse, por sua vez, o ex-ministro da Economia Pedro Siza Vieira, voz recente e dura a juntar-se à contestação da decisão ministerial, apoiada no argumento dos custos. “Não consigo conformar-me com esta decisão. Este programa expôs cientistas portugueses às melhores práticas mundiais; criou dinâmicas de aplicação de conhecimento a produtos orientados para o mercado; e educou gerações de cientistas e engenheiros na noção de empreendedorismo ligado à ciência”, escreveu o antigo governante, numa publicação na rede social Linkedln.

“O mais triste nesta notícia é o argumento de que, havendo pouco dinheiro para a ciência, não faz sentido financiar universidades americanas. Este argumento é paroquial e mesquinho e próprio de quem não percebe que a transformação da economia portuguesa vem da valorização pelas empresas do investimento na educação e da ciência. Foi o trabalho nas universidades americanas que permitiu a portugueses adquirir os hábitos e o espírito que criaram algumas das mais valiosas empresas portuguesas”, atirou o ex-governante: “Depois da desvalorização do ecossistema tecnológico e do apagamento da ciência no discurso político, esta notícia é a mais triste herança de uma ministra que nunca o chegou a ser, num governo que não merecia chegar ao fim de vida contrariando tudo o que defendeu nos últimos anos e enterrando o legado de Mariano Gago.”

Ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira. (rtp.pt)

“Que dizem o Ministro da Economia e o Primeiro-Ministro? Não conseguem reverter esta decisão, que contraria tudo o que sempre defenderam?”, questionou.

“Vale muito mais um investimento numa parceria com a CMU ou UT Austin (University of Texas Austin) do que vale uma Web Summit. Mas, como somos um país sem profundidade, o que é importante são as políticas que dão para a fotografia hoje e não políticas de longo prazo”, disse sarcasticamente.

O cancelamento das parcerias com universidades norte-americanas pelo MCTES é uma “decisão grave e injustificada”, que revela o “desnorte” do PS, declarou Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do Partido Social Democrata (PSD). 

Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico Nacional do
PSD. (psd.pt)

“O PSD considera esta decisão grave e injustificada. São parcerias que se têm revelado muitíssimo relevantes e com um impacto muito positivo para a economia nacional, para o ecossistema de inovação no país, para as empresas e para a própria academia e ciência nacionais. É, portanto, surpreendente a todos os títulos”, referiu, acrescentando: “É injustificada esta posição, nem colhe o argumento da ministra do Ensino Superior que é para permitir que o próximo governo tome a decisão, que, estando o governo em gestão, não foi agora renovada estas parcerias.”

A decorrer desde 2006, as parcerias têm sido renovadas de cinco em cinco anos, inclusive “por um governo na altura sob a tutela da troika, portanto com enormíssimas dificuldades financeiras”, lembrou, insistindo: “Nem nesse momento de profunda gravidade, de quase bancarrota nacional, se deixou de investir numa parceria que tem um impacto gigantesco do ponto de vista do futuro do país no médio longo prazo, naquilo que é a capacidade empreendedora, a capacidade inovadora e, portanto, também na competitividade das empresas portuguesas.”

A Carnegie Mellon University em Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA). (Créditos fotográficos: Getty – forbes.com)

Entretanto, a 26 de novembro, em declarações à TSF, a ministra remeteu, por uma questão de “ética”, a decisão para a renovação para o próximo governo. Frisou que “não terminou nenhum tipo de parceria”. O que aconteceu é que os contratos terminavam no final de dezembro. Foi até enviada “uma carta com os termos de um novo contrato a ser renegociado”.

O argumento não colhe. “Desde há cinco anos que se sabia que era este o momento da renovação e, como é evidente, uma parceria desta natureza, com esta relevância, não se deixa para o último mês para ser negociado. Aquilo que, de facto, aconteceu é que houve uma decisão de não renovação por parte deste governo socialista, sem se perceber porquê. Contraria, aliás, o que foi deliberado no passado por muitos dirigentes e governantes socialistas”, atacou Pedro Duarte, desafiando os candidatos à liderança do Partido Socialista (PS) a tomarem posição.

Da sua parte, diz que, se o PSD for governo, quererá retificar a situação, mas adverte que, neste tipo parcerias, tem de haver vontade dos dois lados.

***

A suposta decisão de encerrar estas parcerias está a ser alvo de críticas severas, que vão de ex-ministros dos governos do PS a empreendedores. Empresas como a Feedzai, um exemplo de sucesso no panorama tecnológico português, atribuem a sua existência e crescimento a estas colaborações internacionais. Encerrar estas parcerias numa altura de “orçamentos expansionistas” não é apenas uma decisão financeira, mas uma escolha que reflete uma visão limitada sobre o que Portugal pode e deve ser no cenário internacional. É essencial não apenas manter, mas fortalecer e expandir estas parcerias. Estamos perante uma oportunidade de reafirmar o nosso compromisso com a inovação, a ciência e a tecnologia, no âmbito de um legado de Mariano Gago, do PS, expandido pelo governo PSD/CDS e amplificado por Manuel Heitor, do PS.

José Mariano Gago (1948-2015) foi ministro da Ciência e
Tecnologia entre 1995 e 2002, o primeiro ministério apenas com a
pasta da ciência e da tecnologia (XIII e XIV governos
constitucionais) e entre 2005 e 2011 (XVII e XVIII governos
constitucionais). (act.fct.pt)

Elvira Fortunato cancelou os contratos da FCT com as referidas três escolas americanas, mas, depois das críticas públicas de que foi alvo – de personalidades como Nuno Sebastião, Pedro Siza Vieira e Carlos Oliveira e as iniciativas privadas de empresários e académicos –, recuou e remeteu a decisão para o próximo governo.

Em declarações citadas pela TSF, considerou que a decisão caberá ao próximo governo por uma questão “ética”. “O Ministério não terminou nenhum tipo de parceria com nenhuma universidade americana. Aquilo que aconteceu é que o contrato que existia terminava agora no final de dezembro”, disse, admitindo que foi enviada “uma carta com os termos de um novo contrato a ser renegociado”, mas sem divulgar os seus termos.

A ministra ignorou o parecer encomendado pelo Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNTI) a um grupo de personalidades como Maria Manuel Mota, Isabel Furtado e João Barros, que defendia a continuidade destas parcerias internacionais (PI). Foi entregue ao Conselho e à ministra em junho, mas a governante deu instruções para o esconderem do escrutínio público.

A ministra da Ciência, Elvira Fortunato, cancelou os contratos da
FCT com três escolas americanas, mas depois das críticas de que
foi alvo, recua e remete a decisão para o próximo Governo.
(cnnportugal.iol.pt)

E o grupo concluiu que as PI constituem um elemento basilar da estrutura do orçamento da FCT, deve manter, no mínimo, o mesmo grau de materialidade que no passado (5%); devem ser de número limitado a três ou quatro, da mesma ordem de grandeza de valor ou do valor que garanta que as instituições parceiras atribuam prioridade a Portugal e às suas obrigações nas PI; devem privilegiar as áreas que constituem apostas certas (nomeadamente a digitalização, a manufatura e a inteligência artificial), as áreas novas que equipem o país para os novos desafios (nomeadamente o mar, as alterações climáticas, a degradação continuada dos recursos naturais e a perda de biodiversidade) e as áreas alinhadas com a União Europeia (UE) onde Portugal pode contribuir e desenvolver vantagens comparativas para o futuro.

***

Concordando, neste aspeto, com Pedro Duarte, no atinente à relevância das PI e à necessidade de se equacionar a renovação dos contratos meses antes do termo, sou de opinião de que o governo, ainda na plenitude de funções, não pode ancorar-se na ética, para transferir a responsabilidade para o vencedor das próximas eleições. Nesse caso, não deveria ter decretado tantas medidas, como o fez. Ética também é cumprir o dever de tomar as decisões pertinentes para o bem do país. Mesmo um governo de gestão deve tomar as decisões necessárias aos negócios do Estado. E não fica bem ao PS dar o dito por não dito nesta área.

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30/11/2023   

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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