Celebrando 45 anos do Fantasporto

Melhor filme português no Fantasporto 2025: “Criadores de Ídolos”, de Luís Diogo. (Direitos reservados – timeout.pt)
Este ano o Fantas, como popularmente chamamos o Fantasporto (Festival Internacional de Cinema do Porto) cumpriu 45 anos de vida e decorreu entre 28 de Fevereiro e ontem (9 de Março).

Inicialmente, nas suas origens, o festival teve uma marcada tendência e atracção pela exibição de filmes do género fantástico, de terror, de ficção científica, de cinema gore1, sobrenatural, e de filmes inspirados na literatura gótica, como Drácula, Frankenstein ou a Múmia.
Da equipa inicial dos seus programadores, resistem Beatriz Pacheco Pereira e Mário Dorminsky. Nestes últimos anos, também João Dorminsky, que é o responsável pela comunicação e pelos desenhos gráficos e audiovisuais.
Depois de 45 anos, não há dúvida de que este é o festival da cidade, o festival que também levou o nome do Porto além-fronteiras. E é um dos mais populares festivais ou mostras de cinema em Portugal.

(fundador do Fantasporto), Roberto Merino e Fernando Vilar (ceramista
Tosco). (Direitos reservados)
Foram várias as edições realizadas no antigo Teatro Carlos Alberto, que, curiosamente, foi um dos cinemas mais populares da cidade do Porto. Esta edição (a terceira) concretizou-se no Batalha Centro do Cinema, entre 28 de Fevereiro e ontem.
Nas edições passadas no Carlos Alberto, o Fantas foi também palco de encontros culturais, de lançamento de livros temáticos e de exposições plásticas, entre as quais destaco uma protagonizada por mim e pelo artista plástico José Manuel Pereira, um dos fundadores do festival, assim como outra exposição do ceramista “Tosco” (Fernando Vilar), de Vila Nova de Gaia, artista já desaparecido e que bem merece uma amostra da sua obra de singular expressão plástica. Ele foi o autor do troféu que premiou os vencedores num dos certames.

Na programação deste ano, como nas anteriores, houve sempre um espaço para a produção cinematográfica realizada pelas escolas de cinema do Porto, onde já se destacaram filmes da Licenciatura de Cinema da Escola Superior Artística do Porto (ESAP), da Escola Artística de Soares dos Reis, da Universidade Católica e da Universidade Lusófona.

A 45.ª edição do evento arrancou, como referimos, a 28 de Fevereiro, com a estreia mundial do filme2 “Criadores de Ídolos”, do português Luís Diogo, e encerrou ontem, com a comédia “Stealing Pulp Fiction”, de Danny Turkiewicz, dos Estados Unidos da América (EUA), filme que se assume como uma homenagem irreverente ao universo de Quentin Tarantino.
Da produção europeia, o Fantasporto exibiu os vencedores dos prémios de Cannes e de Veneza, assim como dos candidatos às nomeações dos Óscares. Pelo Batalha Centro do Cinema, passaram, ainda, obras da América do Sul e da Nova Zelândia, a par da estreia do cinema de Singapura no festival. Significativa foi também a selecção dos filmes do Canadá, dos EUA e até de Portugal. O cinema do Irão esteve de volta, depois de já ter vencido, no último Fantasporto, com a melhor curta-metragem do festival. A cinematografia de Taiwan foi celebrada com “uma dezena de filmes da sua história cinematográfica”, projectando “uma retrospectiva sobre a História da Mulher, desde os anos 70 até à atualidade”. Tratou-se de uma seleção de cinco filmes que exploram a emancipação feminina, as restrições sociais e a luta contra a opressão, abordando temas como os da vingança, da repressão, da sexualidade e das expectativas impostas às mulheres. A organização do Fantasporto deu também oportunidade à exibição dos filmes vindos da China, das Filipinas e do Japão.

Este ano, para variar, o festival abriu em Português com a antestreia mundial de “Criadores de Ídolos“, o filme mais recente do realizador Luís Diogo, que também esteve a concurso. Estamos perante um “thriller” intrigante que mistura História e conspiração, protagonizado por José Fidalgo, Ricardo Carriço, Rafaela Sá, Oceana Basílio e Virgílio Castelo, os quais, com a maior parte da equipa artística e técnica, confirmaram as suas presenças na abertura do 45.º Fantasporto.
Além das secções competitivas (24 longas-metragens e 27 curtas-metragens), do alinhamento desta edição histórica, a programação desta edição contou com a Semana dos Realizadores, com a Selecção Oficial Orient Express, as Movie Talks, a par de lançamentos de livros, entre outras dinâmicas culturais.

O evento reuniu o melhor do cinema internacional, destacando obras provenientes dos Estados Unidos da América, da Europa e das principais produtoras asiáticas, incluindo países como a China, as Filipinas e o Japão. Além disso, contou com antestreias mundiais de grandes estúdios como Paralax, Toho, Sony, Toei e Warner Japão, trazendo filmes inovadores assinados por realizadores consagrados.
O Japão mantém o protagonismo no Fantasporto, apresentando algumas das suas produções mais criativas dos últimos anos. Por outro lado, o cinema europeu não ficou atrás, com obras premiadas em Cannes e em Veneza, além de filmes que representaram os seus países na corrida aos Óscares.
Mereceu relevância a estreia do cinema do Sri Lanka, com uma superprodução realizada em parceria com os Estados Unidos, e a homenagem ao cinema de Taiwan, com a exibição de uma selecção de filmes que retratam a história das mulheres desde os anos 70 até à actualidade.
Como em edições anteriores, a América do Sul, a Nova Zelândia e o Canadá também tiveram presença garantida, enquanto o cinema português reforçou a sua representatividade.

A organização informa que, para a edição de 2025 do Fantasporto, recebeu mais de 600 longas-metragens e 1300 curtas, oriundas de 71 países, o que demonstra o impacto global do festival. Neste ano, o Fantasporto contou com a presença de 50 convidados internacionais, incluindo realizadores, produtores, actores e jornalistas, entre muitos participantes, à medida que os convites oficiais foram sendo enviados.
Segundo a informação compilada pela organização do Fantasporto 2025, o festival mantém, assim, uma forte promoção internacional, recebendo atenção de publicações de renome como a Variety, que destacou a longevidade e o impacto mundial dos seus fundadores e da programação. Além da exibição de filmes, o Fantasporto promoveu mais de 20 Movie Talks, debates que exploraram temas relevantes no mundo do audiovisual. Outras actividades paralelas também enriqueceram a experiência dos visitantes.
Finalmente, quero sublinhar que este é o meu festival de eleição, bem como o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) e, ultimamente, o Festival DDD (Dias da Dança), são os três momentos altos de encontro internacional das artes performativas e cinematográficas com a cidade do Porto.

Decorreu recentemente (de 13 a 23 de Fevereiro de 2025) o Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim), na sua edição número 75. Entre os vários filmes apresentados, saliento, no género documental, o filme “Bajo las banderas, el sol” (de 2025), com realização de Juanjo Pereira, do Paraguai. A propósito, refira-se que estamos em presença de um trabalho cinematográfico que resulta de “120 horas de imagens de arquivo: isto é o que resta dos 35 anos da ditadura de Stroessner no Paraguai” e que, a partir “desse conjunto de imagens raras encontradas ao redor do mundo, o filme reconstrói a história de uma das ditaduras mais duradouras do século XX, cujos efeitos ainda são sentidos hoje”.
Destaco este filme pelo facto de que, entre todas as ditaduras de América Latina, esta foi uma das mais sangrentas, mais prolongadas e das menos mencionadas ou denunciadas internacionalmente.

Parte do material para a realização deste filme veio da Espanha. “Franco pagou para Stroessner viajar pela Europa e Japão, porque o ditador espanhol queria ganhar popularidade na América do Sul. Então encontrei essa reportagem na Espanha”, explica o cineasta Juanjo Pereira.

“Fui lançando as redes pouco a pouco. O principal material estava em Assunção [capital do Paraguai]. Durante a pandemia, consegui concentrar-me muito nessa pesquisa, entrando em contacto com arquivos e agências como a Reuters ao redor do mundo e vendo o que havia em cada lugar”, adianta o realizador ao El País (na edição de 21.02.2025).
O filme começa – seguindo as imagens iniciais – com o que resta de uma enorme estátua de Stroessner, que os populares derrubaram. O restante do conjunto escultórico permanece. Para derrubá-lo, eles cortaram a gigantesca figura de metal nos tornozelos e a abaixaram.
No seu artigo intitulado “É assim que os ditadores se parecem na Berlinale”, o jornalista (enviado especial do El País para Berlim) Gregório Belinchon escreve o que como lhe diz o realizador Juanjo Pereira: “Stroessner morreu na cama, no exílio, com a sua riqueza intacta. E se durou 35 anos como presidente foi porque em cada bloco de apartamentos havia um informante do Partido Colorado.”
“Os pés [da estátua] ainda estão lá, assim como o seu legado no Paraguai”, observa Gregório Belinchon. De facto, a sombra dos ditadores cresce no tempo e na tela.
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Notas:
1 – O gore é um dos subgéneros mais extremos do horror, proporcionando experiências chocantes e marcadas por um forte impacto visual e emocional, como nos explica Kelvin Leão Nunes da Costa, na página electrónica brasileira Olhar Digital.
2 – “Criadores de Ídolos” é o melhor filme português do 45.º Fantasporto. Esta obra cinematográfica foi realizada por Luís Diogo e produzida pelo Cine Clube de Avanca e pela Filmógrafo.
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10/03/2025