Com Aneth Silva: nome de uma geração

 Com Aneth Silva: nome de uma geração

Aneth Silva (pnmm.ao)

Quando conheci a Aneth Silva, veio à minha mente uma expressão cabo-verdiana que é “pilon di mudjer”. Essa fala idiomática é muito difícil de converter no Português normativo, mas vai-se tornando fácil de entender, à medida que passamos a conhecer um pouco mais sobre ela. Não é alguém que caiba em poucas palavras. E gosto que, a cada tentativa de empacotá-la num local, ela vai sair rasgando tudo. Contudo, lemos por aí que é uma artista angolana multifacetada e uma das principais vozes e corpos da dança contemporânea em Angola da atualidade.

(Direitos reservados)

Nascida em Luanda, ela tem um percurso marcado pela sua dedicação à dança e pelo seu envolvimento em várias áreas culturais. Ao longo de 18 anos de carreira, Aneth Silva atuou como bailarina, coreógrafa, diretora artística, produtora cultural e jornalista. E as suas contribuições têm sido fundamentais para a promoção e para o desenvolvimento da dança no país. Ế o nome de uma geração!

Formação e primeiros passos na dança

A jornada artística de Aneth começou prematuramente, em Luanda, onde, desde cedo, mexia o esqueleto. Em 2011, ela ganhou destaque ao vencer a terceira temporada do concurso de dança Bounce Angola, uma competição que revelou novos talentos da dança angolana e deu visibilidade ao seu talento promissor. No entanto, a sua formação foi além das fronteiras de Angola. Aneth Silva decidiu ampliar o seu conhecimento técnico e artístico e foi para o Brasil, onde cursou Dança, na renomada Faculdade Angel Vianna, no Rio de Janeiro.

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Durante os quatro anos e meio que passou no Brasil, Aneth mergulhou em várias metodologias de dança contemporânea e participou em oficinas criativas que moldaram a sua forma de se expressar artisticamente. Um ponto de virada na sua carreira, diz-me, foi uma oficina de composição coreográfica que a fez refletir profundamente sobre as suas raízes angolanas.

Nessa oficina, intitulada Como seguir a partir daqui, Aneth compartilhou o espaço com artistas de várias disciplinas e saberes e percebeu a importância de conectar a sua prática artística com a sua terra natal. Este momento foi decisivo para que ela retornasse a Angola com uma nova perspectiva sobre a sua identidade artística e cultural.

A Palasa Dance Company e o papel na formação de talentos

De volta a Angola, Aneth integra a Palasa Dance Company, em 2018. A companhia destaca-se por promover a dança contemporânea no país, uma forma de arte que ainda enfrenta desafios de visibilidade e de apoio institucional. Aneth Silva, como diretora de produção e coreógrafa, desempenha um papel central na criação de espetáculos inovadores que misturam tradições angolanas com técnicas contemporâneas. Além de ser uma plataforma para as suas criações, a Palasa tem sido fundamental na formação de jovens bailarinos, oferecendo um espaço de aprendizado e de desenvolvimento.

Espetáculo “Itanda”, pela Palasa Dance Company, no Mercado de São Paulo, em Luanda. (© Palasa Dance Company)

Um dos espetáculos mais reconhecidos da companhia é “Itanda”, que explora a relação entre o corpo e o ambiente urbano, em um diálogo entre o tradicional e o contemporâneo. O espetáculo, coreografado e dirigido por Aneth, foi aclamado pela crítica na sua estreia e retornou para uma segunda temporada em 2024, após o sucesso da primeira exibição. A Palasa tem levado seus espetáculos para palcos internacionais, contribuindo para a expansão da dança contemporânea angolana além das fronteiras do país​.

(docluanda.com)

Em 2023, a companhia foi reconhecida com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, a maior chancela concedida pelo governo angolano a artistas. Esse prémio é um marco não apenas para Aneth Silva, mas para todo o grupo, que, apesar de ser uma companhia jovem e independente, tem conquistado um espaço importante no cenário cultural angolano. “A premiação foi uma confirmação de que a Palasa está no caminho certo, mesmo em um país onde as políticas culturais ainda não oferecem o suporte ideal para a criação artística​”, observa.

Multidisciplinaridade e envolvimento cultural

(instagram.com/anneth_s/)

Além do seu trabalho com a Palasa, Aneth Silva é uma artista que transita por diversas áreas. Ela é diretora da produtora Bwé de Mambos, que tem como objetivo impulsionar a produção cultural e dar suporte a jovens artistas. A sua atuação como gestora cultural reflete muito do seu compromisso com o fortalecimento da cultura angolana, especialmente nas áreas da dança, da música e das artes visuais e performativas. Ela também é uma das fundadoras da Casa Rede, um espaço colaborativo dedicado à produção cultural, à economia criativa e à comunicação.

Na mídia, Aneth sobressai como locutora e produtora de programas de entretenimento na Rádio Cultura Angola. Com uma visão crítica sobre o papel da comunicação social, ela defende que os meios de comunicação angolanos precisam de dar mais espaço à cultura e às artes, especialmente à dança. Ela é também redatora da revista virtual Palavra & Arte, na qual compartilha os seus pensamentos e contribui para o debate cultural no país.

(instagram.com/anneth_s/)

Reflexões sobre políticas públicas e o setor cultural

Aneth Silva é uma defensora ativa da necessidade de políticas públicas que apoiem e incentivem a criação artística em Angola. Para ela, os subsídios governamentais e editais são essenciais para a sobrevivência e para o desenvolvimento de companhias como a Palasa Dance Company, que dependem de financiamento para continuar a criar e formar novos artistas. Ela salienta a importância de uma comunicação mais eficiente entre os artistas e o governo, de modo que as demandas do setor cultural possam ser atendidas de forma adequada.

A artista também critica a falta de atenção da mídia para com a dança contemporânea e em relação a outras formas de arte menos comerciais. Segundo ela, a comunicação social tem um papel fundamental na construção de um público informado e interessado em novas formas de expressão artística, mas ainda há muito a ser feito nesse sentido.

(goethe.de)

Protagonismo em programas internacionais

Em 2024, Aneth Silva foi selecionada para o Goethe MobiArts, um programa de intercâmbio que reúne artistas africanos para apresentações, workshops e oficinas em diferentes países de África. Como uma das quatro artistas selecionadas, ela levará sua arte para países como Togo, Burkina Faso, Namíbia e Angola, encerrando a turnê na sua terra natal. O Goethe MobiArts promove a diversidade e a inclusão artística, destacando questões de identidade, de fronteiras culturais e de inclusão social​.

Produções audiovisuais e contribuições para o cinema

(instagram.com/anneth_s/)

Além da sua ligação com as artes cénicas, Aneth Silva também tem explorado o universo audiovisual. Ela foi protagonista da curta-metragem “Sortuda” (“The Lucky One”), dirigida (escrita e realizada) por Cristiane Baltazar e produzida pela associação KinoYetu, um projeto cinematográfico angolano que busca retratar a realidade do país através das lentes de cineastas locais.

Aneth Silva também lançou um documentário que estreou no festival DOC Luanda, em que abordou a vida das vendedoras de rua de Luanda, trazendo à tona questões sociais e culturais que, muitas vezes, são ignoradas pela grande mídia.

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28/10/2024

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Djam Neguin

Djam Neguin (Bruno Amarante) é um artista multidisciplinar da nova geração de criativos contemporâneos cabo-verdianos, expressando-se através da dança, do teatro, do cinema e da música, cruzando várias formas de criação. Djam Neguin, enquanto actual agente da cena artística e cultural de Cabo Verde, vivencia diferentes afectos e domínios artísticos – artes cénicas e visuais –, passando por actividades de gestão e de produção cultural. Assim, tem estado envolvido, como coordenador geral e director artístico, na produção do Festival Internacional de Dança Contemporânea Kontornu e é criador e dinamizador do projecto virtual Rede de Dança da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Mostra de Dança da Cidade da Praia, em Cabo Verde, entre outros eventos. Coreografou importantes acontecimentos culturais da agenda cabo-verdiana, tendo sido um dos principais dinamizadores das danças urbanas na última década, organizando “battles” e o Concurso Nacional de Hip Hop (em Cabo Verde). Tem leccionado em diferentes cidades do Mundo e também realiza, com regularidade, diversos “workshops”. Foi membro fundador e bailarino do Cabo Verde Ballet. Desde 2015, cria os seus próprios espectáculos e participa em vários circuitos internacionais. Com a sua rubrica quinzenal “Pokas & Boas” no jornal sinalAberto, Djam Neguin procura reforçar os laços culturais e os afectos no espaço lusófono, através de encontros, de vivências, de relatos, de conversas e de entrevistas com “personalidades negras das Artes, Culturas e Saberes da Lusofonia”, como sublinha.

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