Com Katya Aragão
São Tomé e Príncipe
Quem é, quem é? Andei a perguntar por recomendações femininas para uma próxima convidada e o nome dela despontou: Katya Aragão. Já me encanta desde o começo, porque parece ter nascido entre as águas. E, por isso, certamente, sabe ser caminho. Nasceu em São Tomé e Príncipe, no dia 17 de janeiro de 1986. Aos dois anos, em 1988, viajou pela primeira vez para Angola, com a mãe. Dois anos depois, mudou-se para Portugal. Em 1991, o pai, que vivia em Sófia (na Bulgária), juntou-se à família em Lisboa. Após mais um ano, todos partiram para São Tomé, onde se fixaram.
Cresceu entre São Tomé e Lisboa, tendo concluído o sexto ano de escolaridade na capital portuguesa e, posteriormente, frequentado a universidade na mesma cidade. Ingressou no curso de Direito na Universidade de Lisboa, mas, passados dois anos, decidiu mudar de direção e formou-se em Ciências da Comunicação e da Cultura na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em 2009. Escolha certeira!
Ela é assim: interessada em aprender sobre o mundo ao seu redor, uma leitora compulsiva e acredita no poder dos sonhos e das grandes ideias. Desde muito jovem, demonstrou aptidão para a escrita, tendo vencido alguns concursos literários em São Tomé e Príncipe. Foi publicada na obra coletiva de contos “Letras Primícias”, que contou com a curadoria e o prefácio da poetisa Alda do Espírito Santo.
A sua trajetória, marcada por uma infância multicultural, educação diversificada, envolvimento comunitário e uma rica experiência profissional em meios de comunicação, claramente a conduziu para os caminhos culturais e artísticos. As viagens e adaptações a diferentes culturas ampliaram a sua perspetiva e sensibilidade, enquanto a formação em Ciências da Comunicação e da Cultura lhe forneceu uma sólida base teórica. Os compromissos com o ativismo e com a liderança comunitária, aliados à paixão pela escrita e às habilidades desenvolvidas no jornalismo, moldaram o seu olhar crítico e criativo. Essa combinação de experiências e de competências, reforçada por diversas oportunidades, resultou no seu desenvolvimento como uma artista comprometida em contar histórias que refletem e sensibilizam sobre questões sociais, com foco na cultura e na arte de São Tomé e Príncipe.
Foi a primeira participante de São Tomé e Príncipe na Iniciativa de Jovens Líderes Africanos (YALI). Em 2010, teve a oportunidade de conhecer o ex-presidente dos Estados Unidos da América, durante o Fórum do Presidente Barack Obama com os Jovens Líderes Africanos.
Exerceu o cargo de editora-chefe do STP Digital, organizou e foi anfitriã do TEDxSãoTomé, e atuou como ativista na organização não-governamental Galo Cantá, da qual foi fundadora e presidente, o que já nos mostra que veio para fazer acontecer! Trabalhou na Televisão Santomense (TVS), onde apresentou o jornal das 13h00, o Telejornal, o “talk show” Portas Abertas e, posteriormente, exerceu a função de chefe do Departamento de Produção e Programas, entre 2013 e 2014. Foi na TVS que começou a adquirir experiência em produção audiovisual e realização. Após mais de 10 anos de trabalho como jornalista, fez a transição para o cinema.
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Da TV para a “big” tela
Escreveu, produziu e realizou a sua primeira curta-metragem “Mina Kiá”, em 2017, um filme de ficção que busca informar e sensibilizar sobre um fenómeno preocupante que ainda persiste em São Tomé e Príncipe.
“A inspiração para a minha primeira curta-metragem ‘Mina Kiá’ surgiu da necessidade de abordar um fenómeno preocupante que ainda persiste em São Tomé e Príncipe. Através do cinema, encontrei uma forma poderosa de informar e de sensibilizar a sociedade sobre este problema. A ideia nasceu da minha experiência como jornalista e do meu profundo desejo de dar voz a questões sociais que, muitas vezes, são negligenciadas. ‘Mina Kiá’ não só reflete o meu compromisso com a minha comunidade, mas também a minha paixão por contar histórias que possam provocar reflexão e mudanças”, diz-nos Katya Aragão.
“Artisticamente, o que mais me instiga é a capacidade de contar histórias que têm o poder de transformar e de sensibilizar as pessoas. Histórias que gerem empatia. Histórias com as quais outras pessoas se identifiquem. Sou particularmente atraída por temas sociais e culturais que são marginalizados ou pouco discutidos, especialmente aqueles que dizem respeito à minha terra natal, São Tomé e Príncipe, e às meninas e mulheres. Nos meus trabalhos, tenho pesquisado temas como a identidade, a violência baseada no género, os abusos sexuais, a preservação cultural e as questões ambientais”, esclarece.
Neste momento, Katya Aragão está imersa no desenvolvimento de dois projetos de longa-metragem: o drama psicológico “O Nosso Doce Inferno” e o documentário “Antes da Extinção”.
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Competição Netflix & UNESCO’s “African Folktales, Reimagined”
Em 2022, foi uma das 20 cineastas selecionadas para a Competição Netflix & UNESCO’s “African Folktales, Reimagined”. Descreve a experiência como “extraordinariamente enriquecedora e inspiradora”. Participar nesta competição proporcionou-lhe uma oportunidade única de aprender mais sobre o mundo da Netflix e de conhecer colegas de outros países africanos. Ela foi a única finalista dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), o que fez com que sentisse que, de certo modo, estava a representar os seus colegas africanos falantes da Língua Portuguesa.
“Tivemos um workshop brutal com um dos executivos da Netflix que nos ensinou a pitch [apresentação direta e curta] para a Netflix. Fomos convidados a apresentar as nossas ideias, tivemos a oportunidade de colaborar com outros cineastas africanos e de aprender com as suas abordagens e visões. Foi uma parte valiosa do processo, permitindo-me expandir os meus horizontes criativos e técnicos”, afirma Katya Aragão.
“Além disso, o apoio e o reconhecimento de entidades prestigiadas como a Netflix e a UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] deram-me uma maior visibilidade e credibilidade no panorama internacional, o que é fundamental para qualquer realizador. Esta experiência não só fortaleceu a minha convicção na importância de contar histórias autênticas e significativas, mas também reafirmou o meu compromisso em continuar a contribuir para a valorização e preservação da rica herança cultural africana através do cinema”, partilha ainda a cineasta são-tomense.
Por aqui, tenho muita curiosidade de ver os filmes. E vocês?
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09/09/2024