“Coro das Águas”: soberbo teatro da memória

 “Coro das Águas”: soberbo teatro da memória

(linkedin.com/in/jorge-castro-guedes)

É um espectáculo soberbo este “Coro das Águas”, que a “Seiva Trupe” acaba de estrear. Por via do texto e encenação de Jorge Castro Guedes e pelas interpretações dos sete magníficos que dão corpo à peça – Sandra Salomé, Jaime Monsanto, Teresa Fonseca e Costa, Francisca Reis Vieira, Mariana de São Pedro Lamego, Carolina Cunha e Costa e Fernando André.

A peça, que dura 120 minutos e estará em cena até ao dia 23 de Março, na Sala Estúdio do Perpétuo Socorro, na Rua de Costa Cabral, n.º 128, na cidade do Porto, integra a iniciativa “Teatro e Revolução” da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril.

Fotografia de leitura. (© André Delhaye – dgartes.gov.pt)

“Coro das Águas” divide-se em duas partes: antes e depois de Abril, num espectáculo que vai da tragédia, ao drama, à alta comédia e mesmo à farsa; e é, também, um sublime Teatro da Memória, que este tempo de perigosa amnésia colectiva justifica. Amplamente.

(Direitos reservados)

A primeira parte da peça tem como palco uma ilha “orgulhosamente só”, que nasceu do desvio de caudais de rios e de fontes. A ilha é habitada apenas por três mulheres com nomes simbólicos: a avó, República, a sua filha, Silente, temente de grifos e de lobisomens, seres terríveis das grutas que “prendem duendes, fadas e gnomos”, e a neta, Esperança.

(50anos25abril.pt – seivatrupe.pt)

República, Silente e Esperança são vigiadas permanentemente por um Senhor Sinistro, que, a partir de uma cabina telefónica, contacta com um ditador, com quem discute a guerra em África e que se refere aos soldados mortos como “bacalhaus”. Estamos no tempo dos vampiros, que os acordes da canção de José Afonso relembra.

O ambiente de terror na ilha é quebrado com o aparecimento de uma jovem chamada Abril. Graças a ela, a ilha transforma-se em espaço de liberdade, com cravos e as canções de José Mário Branco, de Chico Buarque, de Sérgio Godinho e de Rolanco Alarcon. Mesmo que o Senhor Sinistro por ali continue. Disfarçado e interpretando uma versão de “Ó Tempo Volta para Trás”, de António Mourão.

O espectáculo termina com a ameaça do regresso ao passado de grutas e de lobisomens que vigiam pessoas, sendo que a decisão fica nas mãos de um varredor que terá de escolher entre um boné do senhor que chega à ilha e um cravo que Abril lhe oferece…

(dotgraf.pt)

“Coro das Águas” assinala a saída de Jorge Castro Guedes da direcção artística da “Seiva Trupe” – a cooperativa teatral que, há 52 anos, dá à cidade do Porto e ao país Teatro Vivo, que não se calou perante o Senhor Sinistro e que teima em resistir, a ventos e a marés…

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03/03/2025

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Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

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