Dia do trabalhador: tempo de mobilização e de luta ou dia de praia

 Dia do trabalhador: tempo de mobilização e de luta ou dia de praia

Manifestações do 1.º de Maio da CGTP. (Créditos fotográficos: Sandra Afonso – rr.sapo.pt)

Por todo o país, milhares de trabalhadores saíram à rua, para assinalar o 1.º de Maio e para dar vez e voz ao ímpeto reivindicativo. Em Lisboa, como é hábito, a União Geral de Trabalhadores (UGT) e a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN) tendo começado, manhã cedo, a preparar a jornada de protesto e de festa, comemoraram o Dia do Trabalhador em diferentes pontos da capital: os Jardins da Torre de Belém e a Alameda, respetivamente.

A secretária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, durante o comício no âmbito das comemorações do Dia do Trabalhador, na Alameda, em Lisboa. (Créditos fotográficos: Miguel A. Lopes / LUSA – abrilabril.pt)

Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN, disse, no início do seu discurso, que o dia tem, neste ano, “um significado ainda maior, porque a situação que os trabalhadores vivem exige unidade, organização e mobilização”. Por isso, era necessário levar para a rua “este descontentamento e indignação, mas também a exigência de respostas e soluções, nomeadamente do aumento geral dos salários, da redução do horário de trabalho, de regulação dos horários e do fim da precariedade”. Com efeito, a “situação, hoje, é muito mais grave” e exige respostas adequadas da parte do governo.

Na Alameda, a secretária-geral da CGTP-IN exigiu soluções para fazer face ao aumento do custo de vida, para o que são precisas “medidas de fundo”. Na verdade, a situação “não se resolve com remendos, com medidas pontuais, com atos avulsos”, disse.

Para Isabel Camarinha, “a ausência de verdadeiras soluções para os problemas dos trabalhadores e do país serve os interesses do capital e os objetivos da direita e da extrema-direita”

Porque são necessárias “medidas de fundo que rompam com o caminho de exploração e de independência a que a política de sucessivos governos conduziu o país”, exige um aumento de 10% nos salários com um mínimo de 100 euros, com efeitos a janeiro de 2023, para “aumentar o poder de compra e travar a intensificação da exploração que está em marcha”. E pede “aumentos intercalares, no imediato, para todos os que não tiveram aumentos ou nos casos em que o aumento ficou aquém das necessidades” e o aumento do salário mínimo nacional, fixando-o nos 850€.

Para Isabel Camarinha, “a ausência de verdadeiras soluções para os problemas dos trabalhadores e do país serve os interesses do capital e os objetivos da direita e da extrema-direita”: “Há uns poucos que têm cada vez mais e muitos que ficam com cada vez menos.” E a insigne dirigente sindical teceu críticas à medida do IVA zero e a agenda de trabalho digno.

O secretário-geral da UGT, Mário Mourão, falava nas comemorações do 1.º de Maio que a intersindical organizou nos jardins da Torre de Belém, em Lisboa. (bomdia.ch)

Por sua vez, o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, sustentou que “não podem ser, constantemente, os trabalhadores a pagar” e defende que os “bons resultados da economia e das finanças públicas devem ser usados para fazer face aos problemas sociais enfrentados pelas famílias portuguesas”. Afirmou que o trabalho, neste domínio, “não está concluído, há ainda muito a fazer”. E, porfiando que o tempo é de mobilização e de luta, garantiu que acionará a cláusula de salvaguarda do Acordo de Rendimentos, se a situação económica se agravar.

Mário Mourão, da UGT defende que os “bons resultados da economia e das finanças públicas devem ser usados para fazer face aos problemas sociais enfrentados pelas famílias portuguesas”  

“Se assistirmos a um agravamento da situação económica e social do país, não teremos hesitações e acionaremos a cláusula de salvaguarda [do Acordo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade], para que situações passadas não se voltem a repetir, nomeadamente as que fragilizam a situação já precária dos trabalhadores e das suas famílias”, prometeu. “Não aceitaremos que este Acordo se fique pelo papel e que não seja acompanhado por políticas que lhe deem forma e consistência”, assegurou.

E o líder da organização sindical, admitindo que o “ADN é a negociação”, mas que partirá para a luta, se for necessário, deixou a sentença lapidar: “Chega de promessas, é preciso passar da palavra à ação.”

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Também alguns líderes partidários se associaram às manifestações e prestaram declarações. 

Assim, o secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, exigiu “melhores salários, melhores pensões e melhores condições de vida”. E defendeu que o problema do governo “não é de nomes”, mas de políticas, devendo o primeiro-ministro falar das soluções para Portugal e “não perder tempo” com coisas laterais para as pessoas.

Secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo. (Créditos fotográficos: Rodrigo Antunes / LUSA – observador.pt)

“Nós podemos ser empurrados para esta ou para aquela questão, para esta ou para aquela saída mediática, mas aquilo que determina a vida das pessoas é exatamente isto que as pessoas estão aqui a reivindicar”, ou seja, “mais salários e melhores condições de vida”, disse aos jornalistas.

Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), que se juntou às manifestações do Dia do Trabalhador, em Lisboa, considerou que, em Portugal, a lei “não protege quem trabalha”. “Continuamos a ter um país muito desequilibrado, com uma lei que não protege quem trabalha”, criticou, recordando que os salários não aumentam como os preços.

Para a bloquista, “as pessoas não sentem melhorias na sua vida”, pois, “o país não vive de anúncios, vive de medidas concretas”.

Vincando que o problema do país e da inflação não se deve apenas à Guerra na Ucrânia, ditou: “Se a economia está a crescer, tem de crescer para quem trabalha.”

“Continuamos a ter um país muito desequilibrado, com uma lei que não protege quem trabalha”, critica a coordenadora do BE, Catarina Martins

Porém,João Torres, secretário-geral adjunto do Partido Socialista (PS), disse, no início da manifestação da CGTP, que a agenda do trabalho digno, que entrou em vigor, neste dia, vai dar mais segurança aos trabalhadores e combater a precariedade. Frisou que “o PS está muito comprometido no combate à precariedade, com a dinamização e incentivo ao diálogo social e com a valorização dos salários, das pensões”. Admitiu que há problemas no país, mas que os portugueses têm memória do que é ter um governo de direita. E salientou o “caminho de progressos” do PS, garantindo que tem cumprido os seus compromissos eleitorais.

PS diz estar “comprometido com valorização do trabalho”. Secretário-geral adjunto socialista, João Torres.
(Créditos fotográficos: Gustavo Bom / Global Imagens – tsf.pt)

Por fim, deixou claro que “a ideia de que a carga fiscal se traduz em impostos altos para as pessoas é algo que não faz sentido absolutamente nenhum”.

Também o presidente da República considerou que o 1.º de Maio, em democracia, se celebra “em liberdade”. Frisando que, na ditadura, o 1.º de Maio só era noticiado no dia seguinte, mencionando os manifestantes como “revolucionários”, numa notícia “pequenina” em vários jornais. Porém, agora, em tempo de democracia, “celebra-se em liberdade”. “Foi para isto que se fez o 25 de Abril”, afirmou o chefe de Estado.

Entretanto, é de anotar que, paralelamente a manifestações, protestos, reivindicações e festas que ocorreram por todo o país, muitos dos que estão em luta contra a atual composição do Parlamento e contra a atual governação – incluindo um descarado e inédito apoio a lutas, em que se destaca a dos professores (têm razão: o que se estranha são algumas solidariedades) – aproveitaram o tempo para trabalharem para o bronze, nas prazenteiras praias do país, gozando do sol, num fim de semana prolongado. Não cabe no seu ADN o protesto ou a festa de cravo na lapela, nem de braço erguido. O seu protesto é feito pela pena e pela voz e tem um objetivo: fazer cair o governo atual e conseguir outro que gira os fundos europeus.

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A nível internacional, o dia foi de luta e de festa. E o caso não é para menos: tanta degradação laboral, tanta exploração do trabalho infantil, tanto emprego precário, tanto trabalho excessivo, escravo, em condições desumanas. Tanta exploração, tão magros salários, tanta pobreza!

Em França, decorreu um desfile sindical unido. Isso constituiu um dia “histórico” para as centrais sindicais, uma vez que, há 15 anos, os sindicatos não se uniam com a mesma bandeira para o Dia Internacional do Trabalhador. 
(Créditos fotográficos: Clement Mahoudeau / AFP – tsf.pt)

E, neste ano, destaca-se a saída para rua, em Paris, de milhares de pessoas (mais de cem mil), a manifestarem-se pelos direitos laborais, no âmbito de uma greve geral. Há registo de confrontos com a polícia. E foi captado o momento em que ativistas pintaram a fachada da sede de uma marca de luxo francesa e outros edifícios simbólicos.

Para este protesto, foram destacados mais de 12 mil agentes. Estava prometido que este 1.º de Maio teria uma mobilização histórica para protestar contra o aumento da idade da reforma, constituindo já a 13.ª manifestação contra a mudança implementada pelo governo nas pensões, já promulgada pelo presidente Emmanuel Macron.

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O Dia do Trabalhador remonta à primeira manifestação de 500 mil trabalhadores, nas ruas de Chicago, e numa greve geral em todos os Estados Unidos da América (EUA), em 1886. Até esse ano, os trabalhadores jamais pensaram exigir os seus direitos, apenas trabalhavam.

Três anos depois, em 1891, o Congresso Operário Internacional convocou, em França, uma manifestação anual, em homenagem às lutas sindicais de Chicago. A primeira acabou com 10 mortos, em consequência da intervenção policial. E, a 23 de abril de 1919, o Senado francês ratificou as oito horas de trabalho e proclamou o dia 1 de maio como feriado; e, uns anos depois, a Rússia fez o mesmo.

O Dia do Trabalhador remonta à primeira manifestação de 500 mil trabalhadores, nas ruas de Chicago, e numa greve geral em todos os Estados Unidos da América (EUA), em 1886. Até esse ano, os trabalhadores jamais pensaram exigir os seus direitos, apenas trabalhavam

A liturgia celebra a memória de São José Operário, padroeiro dos trabalhadores.

Em Portugal, os trabalhadores assinalaram o 1.º de Maio logo em 1890, o primeiro ano da sua realização internacional. Mas as ações do Dia do Trabalhador limitavam-se, inicialmente, a alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio, e a algumas romagens aos cemitérios, em homenagem aos operários e aos ativistas caídos na luta pelos direitos laborais.

(© Notícias de Vieira)

Com as alterações qualitativas assumidas pelo sindicalismo português no fim da Monarquia, ao longo da I República, a efeméride deu voz ao sindicalismo reivindicativo, consolidado e ampliado, bem como à ação de massas, até que, em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo e dos trabalhadores portugueses, foi conquistada e consagrada, na lei, a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.

Mesmo no Estado Novo, os portugueses souberam tornear os obstáculos do regime à expressão das liberdades. As greves e as manifestações realizadas em 1962, um ano após o início da guerra colonial, em Angola, serão as mais relevantes e carregadas de simbolismo. Nesse ano, apesar das proibições e da repressão, houve manifestações dos pescadores, dos corticeiros, dos telefonistas, dos bancários, dos trabalhadores da Carris e da CUF. No dia 1 de maio, manifestaram-se 100 mil pessoas, em Lisboa, 20 mil no Porto e cinco mil em Setúbal.

Ficaram como marco indelével na História do operariado português, as revoltas dos assalariados agrícolas dos campos do Alentejo, com o grande impulso a 1 de maio de 1962. Mais de 200 mil operários agrícolas, que até então trabalhavam de sol a sol, participaram nas greves realizadas e impuseram aos agrários e ao governo de Salazar a jornada de oito horas de trabalho diário.

Claro que o 1 de maio mais extraordinário realizado até hoje, em Portugal, com direito a destaque certo na História, foi o que se realizou oito dias depois de 25 de abril de 1974.

Primeiro 1.º de maio no Porto, em 1974. (crescer.aescas.net)

O Dia do Trabalhador tem sido turbulento na Turquia, muitas vezes violento e mortal. O ano de 2015 ficou marcado por uma originalidade: o regime não proibiu diretamente a manifestação tradicional na Praça Taksim, mas impediu a concentração de trabalhadores e intelectuais nesse local emblemático. Ao invés, no Japão, desde 1948, o Dia do Trabalhador é comemorado a 23 de novembro, como “Dia da Ação de Graças ao Trabalho”.

Muito antes de ser considerado o Dia do Trabalhador, 1 de maio foi dia de outros factos históricos, de que se destacam alguns.

Em 1500, Pedro Álvares Cabral tomou posse da Ilha de Vera Cruz (Brasil); em 1707, passou a vigorar o Tratado de União, que transformou os reinos da Inglaterra e da Escócia em Reino Unido; em 1834, foi abolida a escravatura nas colónias inglesas; em 1960, iniciou-se a crise diplomática entre a União Soviética e os EUA, com o abate do U2, um avião espião norte-americano, pilotado por Francis Gary Powers; em 2004, a União Europeia cresceu, com a entrada de mais 10 países: Chéquia, Hungria, Chipre, Eslováquia, Polónia, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia e Malta; e, em 2011, foi beatificado o Papa João Paulo II e Barack Obama disse “We got him”, referindo-se à captura e morte de Osama Bin Laden, numa operação norte-americana realizada no Paquistão. E 1 de maio é o dia de nascimento do escritor francês Jean de Joinville (1225), do poeta russo Aleksey Khomyakov (1804) e do quarto Presidente da República Portuguesa, Sidónio Pais (1872).

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04/05/2023

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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