Diabruras de um narcisista em queda livre

 Diabruras de um narcisista em queda livre

(Créditos de imagem: Barbara – Pixabay)

“Os funcionários do ódio esquecem-se mais depressa do que as vítimas. Este aviso é válido para todos”, escrevia Albert Camus, no jornal Combat, em 7 de Maio de 1947, dois anos depois da assinatura, por parte da Alemanha, da “maior capitulação de toda a História”, que – como considerava o general Alfred Jodl (oficial que integrou a cúpula do governo de Adolf Hitler e que acabou enforcado em Nuremberga) – foi um acto de rendição que colocou “o povo alemão nas mãos dos vencedores”.  

(Direitos reservados)

O escritor e jornalista Albert Camus observava, nesse texto divulgado no diário clandestino editado pela Resistência Francesa e que agora leio no livro “Actualidades” (tradução da obra “Actuelles”, publicada em 1950, pelas Éditions Gallimard): “Há […] coisas que os homens da minha idade não podem esquecer. Mas, estou em crer, nenhum de nós aceitaria neste dia de aniversário [8 de Maio], espezinhar um vencido”.

Num dos mais recentes desenhos de Onofre Varela, publicado hoje no jornal sinalAberto e intitulado “O comissionista diverte-se”, vemos o Mundo a ajustar-se com dificuldade aos ímpetos do irrequieto Donald Trump que, nas suas tropelias de narcisista hiperactivo, salta das alturas e cai, praticamente sem resistência, devido ao seu peso e à força bruta do seu desequilíbrio nesta bola gigante em que convivemos, sem que a queda seja amortecida, aparentemente, por qualquer cabo elástico. Ou seja, o que o cartoonista nos mostra não é um praticante que recorre ao princípio do ”bungee jumping”, mas uma criatura egoísta ou um rapagão a quem se fazem todas as vontades e que se sabe aproveitar muito bem das situações, habituando-se à satisfação dos seus desejos. Por isso, deixa os mercados em pânico, nestes tempos do “conformismo sem grandeza”, como diria ainda Camus.

(Créditos de imagem: gerada por IA – Chil Vera –
 Pixabay)

Neste seu desenho, Onofre Varela procura exagerar a realidade que é nossa contemporânea e que sobrevaloriza a narrativa das percepções, despertando uma mordacidade chistosa e a ironia perante a figura de Donald Trump, que, verdadeiramente, não tem graça nenhuma nem a podemos considerar cómica nas suas loucuras e nas tarifas que aplica às importações. Não me parece que Trump perca tempo a contemplar o seu próprio reflexo na água, porque não é uma flor que se cheire. Também julgo que não se preocupa com a elegância (embora prefira as gravatas com tons vermelhos) nem com a aparência, a não ser que o seu penteado esconda outras imperfeições. Sobretudo, as que dizem respeito ao plano interior, na busca da sua identidade sedenta de poder e de louvores desmedidos.

Como podemos neutralizar um narcisista? Numa consulta rápida na Internet, lemos que é uma tarefa “impossível” e que o ideal é afastarmo-nos de vez, não respondendo às mensagens que essa pessoa nos envia. Como não “dar bola” a Trump? Como iremos definir “limites firmes e irredutíveis” com o actual presidente dos Estados Unidos da América, que não desiste dos interesses de capitalista sem pudor, levando a Casa Branca a conceber uma errónea fórmula para justificar as tarifas à generalidade dos países?

(x.com/P_Kallioniemi)

Uma das vozes atentas a este destempero mundial é a de Miguel Esteves Cardoso que, na sua crónica “Estás a ouvir, Canadá?”, propõe, já, “que alguns dos países ameaçados pelas tarifas de Trump assinem um acordo comercial de curto prazo, só até Trump acabar o mandato”. Por outro lado, o cronista do jornal Público, convida-nos a fazer “um breve ‘detox’ [dos produtos norte-americanos, como a ‘comida de carregar pela boca’] de três anos, nem que seja para estimular as saudades até ao dia de 2028 em que Trump se for embora. Não é essa a resposta mais eficaz a qualquer ‘bully’ – isolá-lo?”

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Nota:

O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 6 de Abril) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.

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07/04/2025

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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