Diário de guerra VIII
1 – “Como legisladores responsáveis pelo gasto de dezenas de bil[iõ]es de dólares dos contribuintes dos EUA em assistência militar […] acreditamos que tal envolvimento nesta guerra também cria uma responsabilidade para os Estados Unidos explorarem seriamente todos os caminhos possíveis, incluindo o envolvimento direto com a Rússia”, escreveu um grupo de 30 deputados da ala liberal do Partido Democrata no Congresso norte-americano, numa carta dirigida a Biden, na qual defendem que se negoceie diretamente com o presidente russo, por forma a explorarem-se caminhos que possam levar à paz no conflito da Ucrânia.
Qualquer que tenha sido a razão para tal tomada de posição, pode muito bem acontecer que este comece a ser um exemplo para os Ocidentais Europeus também escreverem cartas aos seus governos para se envolverem na procura de outras alternativas ao envio do dinheiro dos cidadãos para o governo da Ucrânia, cujos resultados estão à vista, criar uma situação em que o nuclear se torne a última arma para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) não sofrer uma humilhação.
É avisado que, à medida que esse cenário se vai tornando mais próximo, haja quem deixe de só olhar para a ponta do nariz e tome a iniciativa de apontar a porta de saída, quando os pirómanos já entraram no edifício. Até agora, os parlamentos têm-se limitado a ouvir com enlevada admiração o chefe do governo ucraniano, convidando-o para tudo quanto possa contribuir para manter a chama da guerra acesa, com o argumento de que vêm aí os Russos. Nunca tendo isso estado em causa, nem quero imaginar o que aconteceria aos que se têm batido pela paz, caso, de facto, os Russos se dessem por vencidos. Se, por ora, a fúria não tem ultrapassado as pontas dos dedos, bem poderiam fugir e pedir asilo político algures, bem longe, todos quantos, nestes oito meses, tiveram a coragem de se opor ao pensamento dominante. Às vezes, de onde menos se espera, surgem notícias sensatas. Aquela é uma delas, que cresça e seja escutada por quem pode decidir sobre o que está em jogo.
2 – Quando a guerra na Ucrânia entra numa das fases mais críticas desde que foi iniciada, com o risco de o governo de Kiev ordenar a utilização de “bomba suja” no conflito, para a qual o ministro da Defesa russo alertou o seu homólogo dos Estados Unidos da América e de vários países europeus, se isso se vier a concretizar, não será só a bomba que é a suja, mas também as mãos dos países ocidentais ficarão para sempre sujas, em virtude de nada terem feito para prevenir essa eventualidade. Perante a incapacidade de conseguir obter resultados com as contra-ofensivas que diariamente alardeia, o governo ucraniano, a juntar aos pedidos incessantes de mais e mais mortífero armamento, poderá estar a preparar-se para lançar um argumento temível, aquele que combina material radioactivo com explosivos, não é de outra coisa que se trata.
Por alguma razão, o governo russo tem aconselhado a população a evacuar Kherson, com o governo ucraniano a não se cansar de afirmar que, a acontecer, o ataque seria feito sob falsa bandeira. Embora os governos europeus e norte-americano mantenham os seus apoios em material bélico, no caso, ficaria provada a sua cumplicidade num acto hediondo, o seu crime seria registado na memória de todos, pois tinham sido alertados para o facto e nada tinham feito. E, se vier a ser consumado, que não venham pedir uma investigação ao crime, como no caso da sabotagem do Nord Stream 1 (gasoduto de gás natural de 1.220 quilómetros, que vai da Rússia até à Alemanha, atravessando o Mar Báltico). Os autores podem ser facilmente encontrados, é ler os jornais dos últimos oito meses, para não ir a 2014, a 2008 ou a 1991.
Cúmplices também da ganância de quem está a lucrar com a guerra, no caso da Casa Branca, trata-se de conseguir obter um resultado que ainda vá a tempo de o Partido Democrata não sofrer uma pesada derrota nas eleições do próximo mês. E, nos casos dos governos europeus, de atrasarem a sua queda. Para o Ocidente, será sempre o Diabo a escolher o cenário.
3 – Temo que o Ocidente esteja a aguardar pelo regresso da Ucrânia à idade das trevas para, finalmente, se dar conta dos erros que tem cometido. Com a nova estratégia de trocar o confronto no terreno, com as inevitáveis baixas militares, pelo ataque a infraestruturas indispensáveis à manutenção e ao funcionamento da actividade produtiva, o governo da Ucrânia está sem respostas, a não ser o continuado pedido de armas. A NATO encontra-se, agora, perante um dilema cuja terceira solução não quer admitir: as negociações de paz com a Rússia.
Entendo que essa decisão iria ter, provavelmente, duas consequências: o reconhecimento, por parte da NATO, da derrota e a entrada da União Europeia num período conturbado da sua existência, cujo desfecho bem poderia ser o desmembramento, se não de jure, pelo menos, de facto. Grande parte desta situação podia ter sido evitada? Podia. Bastava o Ocidente ter obrigado ao cumprimento dos acordos de Minsk II, em 2014 (série de acordos internacionais que procuravam acabar com a guerra em Donbas, travada entre os grupos separatistas russos armados e as forças armadas da Ucrânia, com as forças regulares russas a desempenharem um papel central). Nesta altura, os nossos pensamentos não estavam às voltas com a carestia de vida e, possivelmente, já teríamos começado a fazer algumas compras de Natal. Além disso, com o agravamento da situação europeia, depois de o Orçamento do Estado (OE2023) ter sido votado, o cenário pode já ser tal que os principais indicadores macroeconómicos tenham disparado e, então, iremos ter um 2023 com orçamentos rectificativos atrás uns dos outros.
No caso, mais do que provável, de a conflitualidade aumentar na rua, na Assembleia da República e com o Presidente da República, nada nem ninguém terá argumentos para apoiar este governo. As previsões valem o que valem, são previsões e são pessimistas. Mas a decisão de irmos treinar ucranianos para combater só confirma o nosso diagnóstico, poderemos vir a ter o que merecemos, a voz do governo não se levantou uma única vez para, ao menos, ameaçar abandonar o “ninho dos falcões”.
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Nota do Director:
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07/11/2022