Dois cientistas ganham Prémio Mundial da Alimentação
Dois homens que foram fundamentais para a criação de um cofre global de sementes, destinado a salvaguardar a diversidade agrícola mundial, serão galardoados com o Prémio Mundial da Alimentação de 2024, que será atribuído durante o Diálogo Internacional Norman E. Borlaug, conferência que se realiza, anualmente, de 29 a 31 de outubro, em Des Moines, nos Estados Unidos da América (EUA).
O Prémio Mundial da Alimentação foi fundado por Norman Ernest Borlaug, que recebeu o Prémio Nobel da Paz, em 1970, pelo seu papel na Revolução Verde, a qual aumentou, drasticamente, o rendimento das colheitas e reduziu a ameaça de fome em muitos países.
Cary Fowler, enviado especial dos EUA para a Segurança Alimentar Global, e Geoffrey Hawtin, cientista agrícola do Reino Unido e membro do conselho executivo do Global Crop Diversity Trust, vão receber o prémio anual e dividirão um prémio de 500 mil dólares (464 mil euros).
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, elogiou os dois homens pelo seu “papel fundamental na preservação da diversidade das culturas”, nos bancos de sementes de todo o Mundo. Ambos ajudaram a criar o Banco Mundial de Sementes de Svalbard – também conhecido como o “Cofre do Juízo Final” e “Arca de Noé”, que protege, atualmente, mais de seis mil variedades de culturas e plantas culturalmente importantes. “Cofre do dia do juízo final”: um banco global de sementes para salvaguardar a segurança alimentar.
Em 2004, Fowler e Hawtin lideraram os esforços para construir um banco de reserva das sementes das culturas mundiais num local onde pudessem estar a salvo de convulsões políticas e alterações ambientais.
As instalações foram construídas na encosta de uma montanha numa ilha norueguesa no Círculo Polar Ártico, onde as temperaturas poderiam garantir a preservação das sementes.
O Banco Mundial de Sementes de Svalbard foi inaugurado em 2008 – com a ajuda de um Tratado Internacional que visa conservar a biodiversidade, um tratado da Organização das Nações Unidas (ONU), criado para garantir o futuro alimentar mundial – e já guarda 1,25 milhões de amostras de sementes de quase todos os países do Mundo.
Cary Fowler, que propôs, pela primeira vez, a criação do cofre de sementes na Noruega, revelou que a sua ideia foi, inicialmente, recebida com perplexidade pelos líderes dos bancos de sementes de alguns países. “Para muitas pessoas, atualmente, parece uma coisa perfeitamente razoável a fazer. Trata-se de um recurso natural valioso e queremos oferecer-lhe uma proteção sólida”, afirmou, lembrando que, “há quinze anos, enviar um monte de sementes para o local mais próximo do Polo Norte, onde se pode voar e colocá-las dentro de uma montanha, era a ideia mais louca que alguém alguma vez teve”. Existem centenas de bancos de sementes mais pequenos, noutros países, há muitas décadas, mas Fowler foi motivado pela preocupação de que as alterações climáticas pudessem perturbar a agricultura, tornando essencial um fornecimento abundante de sementes.
Geoffrey Hawtin, por seu turno, afirma que, juntamente com as ameaças existentes às culturas, como insetos, doenças e degradação dos solos, as alterações climáticas aumentaram a necessidade de um cofre de sementes seguro e de reserva. Em parte, isso deve-se ao facto de as alterações climáticas terem o potencial de agravar ainda mais os problemas anteriores. “Acabamos por ter um espetro totalmente novo de pragas e doenças em diferentes regimes climáticos”, afirmou Hawtin, sustentando que “as alterações climáticas estão a colocar uma série de problemas adicionais àqueles que sempre foram significativos”.
Fowler e Hawtin dizem esperar que a sua vitória do Prémio Mundial da Alimentação lhes permita obter centenas de milhões de dólares de financiamento adicional para os bancos de sementes em todo o Mundo. A manutenção destas operações é relativamente barata, especialmente se tivermos em conta o facto de serem essenciais para se garantir um abastecimento alimentar abundante, mas as necessidades de financiamento são eternas.
Hawtin considera: “Esta é, realmente, uma oportunidade para passar a mensagem e dizer: ‘Esta quantia relativamente pequena de dinheiro é a nossa apólice de seguro de que vamos conseguir alimentar o mundo daqui a 50 anos’.”
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A preservação da biodiversidade agrícola ou mesmo do futuro da vida na Terra passa por uma das zonas mais inóspitas do planeta, o círculo polar Ártico. Com efeito, na imensidão do deserto branco, junto ao Polo Norte, ergue-se uma estrutura de betão: a entrada para o banco de sementes onde se conservam as chaves-genéticas essenciais para a sobrevivência da Humanidade.
Atravessada uma galeria de túneis, encontra-se um cofre no interior da montanha, a 130 metros acima do nível do mar. Um cofre concebido para resistir a explosões e a alterações climáticas extremas e para perdurar, pelo menos, dois séculos.
As sementes estão armazenadas numa câmara refrigerada a uma temperatura constante de -18°C (18 graus centígrados negativos). No caso de um corte de corrente elétrica, a temperatura levaria décadas a subir para os 0°C, devido ao pergelissolo (camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada).
Este espaço ganhou a alcunha de “Cofre do Juízo Final”, uma vez que tem como objetivo preservar a biodiversidade agrícola, no caso de uma catástrofe dantesca. Foi o que aconteceu em 2015, quando foram recuperadas sementes da Síria, depois de o banco, em Alepo, ter sido encerrado, devido aos combates na cidade. E ganhou a alcunha de “Arca de Noé”, em razão da enorme diversidade de espécies de sementes que aloja, a salvo de cataclismo de proporções similares às do dilúvio.
A ICARDA (Science for Resilient Livelihoods under a Climate Crisis), uma organização que tenta melhorar a agricultura em zonas seca, levantou sementes para emular o banco de Alepo e, em fevereiro de 2017, voltou a depositar 15 mil amostras como salvaguarda da salvaguarda.
A estrutura do Svalbard Global Seed Vault, na Noruega, foi criada para situações como esta e para assegurar que a riqueza natural do nosso planeta não esmorece, perante a loucura dos homens. É, pois, uma espécie de catálogo da vida terrena.
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Já em 2017, em Portugal, alguém se preocupava com as muitas ameaças que a flora portuguesa enfrenta, por força das alterações climáticas. E o Banco de Sementes António Luís Belo Correia, ou só Banco de Sementes A. L. Belo Correia, no centro da cidade de Lisboa, trabalhava, desde 2001, na conservação e proteção do presente para poder, um dia, salvar o futuro.
Neste banco, os tesouros eram as mais de 3700 amostras de sementes, agregando mais de 1200 espécies e subespécies de plantas de Portugal, guardadas num “cofre” sob a forma de um frigorífico gigante de quatro metros quadrados. Com temperaturas que podem atingir os -18º C, este frigorífico preserva mais de um terço da flora portuguesa e cerca de 60 por cento das espécies protegidas de Portugal continental. Tudo acontecia sob a vigilância da curadora Maria Manuela Sim-Sim e da técnica Domitila Brocas, que procediam à identificação, à análise e à preservação.
“Não é o único, mas é o mais antigo banco de sementes de espécies autóctones em Portugal e é membro nacional do ENSCONET – The European Native Seed Conservation Network, o consórcio europeu que reúne 30 bancos de sementes. O banco aplica normas internacionais na recolha e na conservação de sementes, de forma a maximizar a qualidade, a longevidade e a diversidade genética. Milhares de sementes de uma só espécie podem manter-se vivas durante dezenas ou centenas de anos”, referia a curadora.
Como num banco tradicional, diferentes clientes ditam diferentes formas de tratamento. No banco de sementes, que muitos apelidam de “Arca de Noé”, a fisiologia das plantas determina o processo. Segundo Maria Manuela Sim-Sim, as amostras, guardadas em tubos de vidro tapados com algodão e sílica-gel, além do seu aprovisionamento com parafina, dividem-se em três áreas: ortodoxas, intermédias e recalcitrantes.
“As sementes ortodoxas retêm a sua viabilidade por um longo período, sob as condições de conservação, ou seja, baixo conteúdo hídrico e temperaturas abaixo de zero, enquanto as sementes recalcitrantes toleram apenas uma secagem parcial e nunca a valores inferiores a 18-45% ou temperaturas muito abaixo dos 0ºC. Já as sementes intermédias não pertencem a nenhuma das categorias descritas e podem tolerar baixos conteúdos hídricos, mas não suportam temperaturas negativas”, explicou.
Num país caraterizado pela diversidade da flora, onde coexistem espécies atlânticas, europeias, mediterrânicas e africanas, “a perda de biodiversidade é uma realidade” e há “uma significativa percentagem de espécies ameaçadas” de extinção. Perante os inúmeros riscos, a curadora sustenta que “a salvaguarda desta diversidade para o futuro, a longo prazo, é um desafio cada vez mais urgente” para os Portugueses.
O futuro requer “abordagens que integrem a proteção, o desenvolvimento e o uso sustentável dos recursos naturais” de Portugal. “Gostaria de chegar a 2020 com 75 por cento da flora ameaçada salvaguardada”, antecipava Maria Manuela Sim-Sim.
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O Banco Mundial de Sementes comemorou 10 anos em 2018 e, como “presente de aniversário”, recebeu 77 mil amostras de sementes de todo o Mundo, para juntar à coleção.
Portugal não quis deixar passar a data e enviou – através do Banco Português de Germoplasma Vegetal, em Braga – 100 quilogramas de sementes de milho português, sementes de uma das melhores colheitas nacionais da década de 70, da Beira Litoral.
As sementes portuguesas vivem, agora, com milhões de outras sementes de todo o Mundo, a 150 metros de profundidade. As temperaturas de -18ºC permitem uma conservação até 100 anos.
O banco foi criado para o futuro e já serviu de ajuda no passado. Em 2015, esta “Arca de Noé” abriu portas à Síria, na sequência do pedido de ajuda, depois de o banco de sementes do país (International Center for Agricultural Research in the Dry Areas) ter sido destruído. Assim, foram enviadas para a região de Aleppo cerca de 116 mil sementes para restaurar as colheitas do país.
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Enfim, uma grande reserva para o futuro, mas que já serviu no passado recente, estando disponível para servir, logo que seja necessário. É pena que, enquanto uns zelam pelo futuro do planeta e da sua população, outros se comprazam na destruição e na morte. Pensam que podem construir a paz e criar vida e desenvolvimento sobre “terra queimada” e sobre “um montão de cadáveres”? Poupem-nos!
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20/05/2024