É a ideologia, estúpido
Em 1992, James Carville resumiu em uma frase o fim da ideologia e talvez da política. “É a economia, estúpido”. Marqueteiro de Clinton, ele apostava que o Bush da época não decolava nas eleições. Vitórias militares e arroubos patriotistas não convenceriam em um mundo pós-guerra fria.
Éramos, naqueles tempos, perfeitamente racionais e preocupados mais com o bolso do que com a bandeira. Mas parece que não estamos todos ainda bem combinados nisso: olhem o Brasil.
Moeda em frangalhos, desemprego galopante, PIB irrisório. Crise sanitária (claro a pandemia não era de todo evitável, mas poucos tinham esperança de que algum país conseguisse lutar tão pouco contra). Profunda crise no plano material.
O presidente, apesar de tudo, cavalga em pastos tranquilos. Bolsonaro, envergonhando a lógica, mantém apoio sólido: trinta por cento de aprovação. Parece pouco?
Os trinta seriam poucos, se não fossem trinta fiéis e barulhentos. Acadêmicos circenses. Empreendedores de twitter. Classe média hidrófoba. Empresários de palco. E militares velhotes (mas furiosos).
Os adultos assistimos apreensivos: Ninguém vai tirar a metralhadora da mão dessa criança? Como Bolsonaro ainda consegue aplauso de tanta gente?
Seu predecessor saiu da cadeira sem sequer metade dessa sustentação. Não tinha nem dez por cento consigo. Fez um governo horrível, é sim. Mas um governo que agora lembramos com saudades. Na época não acreditávamos em nada pior. O novo presidente mostrou que era pobre nossa imaginação.
Como então ele se sustenta? A resposta é que a substância que orienta os dele é a mesma que orienta os de Trump ou os do Chega. Touchscreens não puseram em desuso as ideologias, como bem vem dizendo o Žižek.
Os populistas entenderam que deus, família e nação ainda podem disfarçar o gosto da desventura material. A sociedade moderna, pós-ideológica, puramente material é um engano.
Ideologias são mecanismos sociais e psicológicos atemporais. Elas têm estado entre nós desde que o primeiro homem acreditou que o sol era um deus e permanece causando discussões sobre coisas supostamente insuspeitas, como a forma da Terra.
A reação ao populismo que parte da ideia pós-moderna de fazer política, paradoxalmente, sem ideologia começa, e inevitavelmente, termina no lugar errado.
Talvez fosse útil ao Brasil ter se dado conta disso quando Bolsonaro era apenas um louco, talvez magnético, mas ainda assim solitário. Talvez fosse útil também aos americanos que viram Trump começar a correr por fora do páreo. Talvez os portugueses ainda tenham tempo contra o Chega. Talvez.