Era uma vez na Europa

 Era uma vez na Europa

Bruxelas, Bélgica. (Créditos fotográficos: Valdas Miskinis – Pixabay)

Com os resultados eleitorais verificados em Inglaterra, com o desmantelamento da ordem dominante em França e com a desordem que reina no Partido Democrata dos Estados Unidos da América (EUA), tudo em 2024, há um mundo que está prestes a terminar. E nem o melhor algoritmo nos consegue dizer o que aí vem. Apesar de importante, não será a rotunda vitória dos trabalhistas no Reino Unido que nos fará ter uma noite descansada. O capitalismo, tal como agora o conhecíamos, no seu formato neoliberal, durou quatro décadas e o que deixou à sua passagem foi pobreza, guerras e desigualdade.

(Créditos fotográficos: Deactivated – Pixabay)

Se a biopolítica se esgotara com as novas tecnologias de informação e a robotização do trabalho, a psicopolítica não fez melhor, ao preconizar quem decide quando e como vai executar. Para uma análise de como esta transformação se realizou, é conveniente consultar Michel Foucault e Byung-Chul Han. Nos textos deles se podem encontrar as condições políticas para que esta mudança se verificasse, assim como da sua necessidade para que o capital conseguisse mitigar as lutas sindicais e para entender o aumento de paralisações, das greves e dos protestos de trabalhadores desenquadrados da disciplina sindical.

Quando se fez do trabalhador também um decisor e se acrescentou incentivos à sua produção, estava-se a criar as condições para que um bem se tornasse a estrela do mercado: os psicotropos. Os antidepressivos, os mais vendidos de todos, ultrapassam todos os anos o que tinha sido vendido no ano anterior: em 10 anos (de 2010 a 2019), a DDD (dose diária definida) passou de 14,38 para 19,76, em todo o Mundo (como regista a página electrónica National Library of Medicine – National Center for Biotechnology Information).

(Créditos fotográficos:  Nastya Dulhiier – Unsplash)

O trabalhador-patrão vive, diariamente, o drama de ter de decidir como fazer e de fazer para ter direito ao posto de trabalho, à remuneração e ao incentivo. Nunca, como agora, o sistema de produção se tornou tão sofisticado e deletério para quem trabalha, manifestado pelo crescendo número de pessoas que sofrem de burnout (ou síndrome do esgotamento profissional). A entrada no século XXI caracterizou-se, pois, pela contínua emergência de focos de descontentamento, que passam frequentemente por confrontos com as forças policiais, desobedecendo frontalmente às suas ordens e envolvendo-se em combates directos com elas. Não nos devemos, de facto, surpreender com os resultados eleitorais já conhecidos e com aqueles de que, em breve, teremos conhecimento.  

(Créditos fotográficos: Transly Translation Agency – Unsplash)

Contrariando as expectativas de todos os que fizeram a sua peregrinação durante mais de dois anos a Kiev para apresentar cumprimentos ao presidente ucraniano, tudo leva a crer que um acordo de paz vai ser firmado entre os governos russo e ucraniano, em resultado do novo equilíbrio de forças que está a emergir, nomeadamente na Europa. Dando-nos a entender que, qualquer que venha a ser a nova ordem mundial, para se impor, não vai admitir que o conflito entre os dois países se prolongue muito mais. É que existem outros planos para os muitos milhares de milhões que ainda iriam ser gastos com aquela guerra. E eles estão a ser necessários para outras aplicações mais rendíveis, designadamente, considerando uma população que se está a virar para a extrema-direita, por ausência ou incapacidade dos partidos tradicionais em dar resposta às necessidades que se foram acumulando.

(Créditos fotográficos: kirill_makes_pics f – Pixabay)

Os BRICS1 são parte desse plano alternativo, que, para se imporem, precisam de uma nova ordem mundial. Precisam, a curto prazo, que o conflito a leste esteja resolvido e que a situação na Ásia/Pacífico se mantenha controlada. Uma coisa é certa, o principal responsável pela continuação dos conflitos (os EUA) vive dias pouco propiciatórios para a manutenção da política belicista que veem adoptando, no desejo utópico de continuarem a empunhar o ceptro de um império. 

Seremos o último simpatizante do que se avizinha poder vir a acontecer na Europa e no Mundo. Porém, a paz no Leste da Europa torna-se indispensável para que milhões de europeus possam regressar a uma vida ausente de conflitos no outro lado da rua. Alimentar aquela guerra é estar a legitimar todas as agressões em todas as partes do Mundo; é viver entre os destroços dos valores democráticos. Não há dia em que esses valores não sejam proclamados, mas, quando colocados nos pratos da balança, os dois pesos e as duas medidas aí estão para nos atirar à cara que não é bem assim.

Faixa de Gaza, em 30 de Novembro de 2023. (Créditos fotográficos: Emad El Byed – Unsplash)

Olhe-se para o que está a acontecer na Faixa de Gaza, com 38 mil civis mortos, e teremos uma visão sobre para que lado pende a justiça. Se, na Ucrânia, ainda há pouco, o seu presidente (Volodymyr Zelensky) afirmava que defenderia a integridade do território do seu país até ao último soldado, Benjamin Netanyahu (primeiro-ministro de Israel) continua a proclamar o seu propósito de só terminar a guerra quando o último membro do Hamas estiver morto, seja combatente ou não. 

É da combinação de todos estes ingredientes que se alimenta a extrema-direita. Por este andar, não andará muito longe o dia em que haverá a extrema-direita e os outros. E regressaremos, então, à luta antifascista. 

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Nota da Redacção:

1 – Grupo de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento económico. Em 2006, o Brasil, a Rússia, a Índia e a China criaram o grupo “BRIC”. A África do Sul juntou-se-lhes, em 2010, pelo que a sua designação (ou sigla) passou a ser “BRICS”.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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08/07/2024

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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