Estuque

 Estuque

Estuque exterior na Casa Zum Falken, na cidade alemã de Würzburg, no estilo Rococó. (Créditos fotográficos: Jens – Pixabay)

Uma das utilizações do gesso, a um tempo técnica e artística, vem de longe e materializa-se no estuque, produto usado em variados tipos de ornatos relevados, em tectos e em paredes interiores e exteriores.

De uso milenar nas civilizações mediterrâneas, o estuque (do italiano “stucchi”, com o significando de relevo ornamental), na sua versão antiga ou tradicional, era constituído, essencialmente, pela junção de uma argamassa branca ou polícroma de “gesso-de-Paris” com uma de “cal aérea”, sendo esta usada como um aditivo retardador de uma secagem demasiadamente rápida.

(estuque-decorativo.com.pt)

Esclareça-se que a antiga expressão “gesso-de-Paris”, hoje obsoleta entre nós, refere o produto industrial, o pó branco com que, no hospital, se imobiliza um braço ou uma perna partida e que podemos comprar na drogaria para tapar uma irregularidade na parede. Diga-se que o eventual colorido das argamassas era obtido pela adição de pigmentos minerais (ocres, terra de Siena e outros) e recorde-se que o adjectivo “aérea”, colado à palavra “cal”, informa que o endurecimento desta tem lugar por efeito do dióxido de carbono do ar atmosférico, segundo a equação:

Ca(OH)2 + CO2 → CaCO3 + H2O

O estuque, que integra os actuais produtos usados na construção civil, como revestimento em interiores, principalmente tectos e ornamentos executados em relevo, é uma argamassa branca ou polícroma (pela adição de pigmentos minerais) em cuja composição pode entrar gesso, cal, areia fina e pó de mármore.

Detalhe feito em estuque no Khaneh Borujerdi ha. Exemplo de arte de artesãos
persas de terra humilde local. (Créditos fotográficos: Zereshk – pt.wikipedia.org)

Com notável desenvolvimento no passado, a estucagem, segundo os preceitos tradicionais, afirmou-se, em especial, no século XVIII, como um ramo artístico do sector da construção civil, associado à arquitectura.

O gesso foi a matéria-prima da argamassa mais antiga, aplicada como ligante, nas alvenarias, por Babilónios e Egípcios, há mais de quatro mil anos. Uma argamassa  – acrescente-se  – própria de ambientes secos, como acontece em regiões marcadas pela aridez, uma vez que se deteriora, se exposta à humidade atmosférica.

Tecto de estuque. (Créditos fotográficos: TheUjulala – Pixabay)
Marcus Vitruvius Pollio (80-70 a.C. – após c. 15 a.C.), vulgarmente
conhecido como Vitrúvio, foi um romano autor, arquitecto, e engenheiro
civil e militar do século I a.C., conhecido por sua obra em vários volumes
intitulada “De Architectura”. (smartencyclopedia.eu)

A estucagem de paredes interiores e a reprodução de máscaras funerárias, no Antigo Egipto, testemunham o elevado nível dos estucadores de então. Daqui e ao longo da Antiguidade, a técnica alastrou aos Gregos e Romanos. A título de curiosidade, diga-se que, em Roma, o célebre arquitecto Marcus Vitruvius Pollio (século I a.C.), na sua monumental obra “De Arquitectura”, explicou o processo de obtenção do estuque.

Também os Árabes foram mestres na estucagem, aperfeiçoando-a no revestimento e na decoração dos interiores dos edifícios mais nobres. Entre os séculos VIII e XV, desenvolveram na Península Ibérica uma arte de decorar grandes espaços, num complexo rendilhado de elementos geométricos e abstractos de que são exemplo os interiores e outros espaços do monumental Alhambra de Granada.

Alhambra, em Granada, na Espanha. (Créditos fotográficos: Farah
Almazouni  – Unsplash)

A estucagem esteve praticamente ausente na arquitectura religiosa e civil do Românico e do Gótico, na Idade Média europeia, tendo ressurgido timidamente no Renascimento italiano, com emolduração de pinturas a fresco, e atingindo o seu máximo esplendor em finais do Barroco, na segunda metade do século XVIII, com as minuciosas e aprimoradas ornamentações do Rococó. Já bem dentro do século XIX, o estuque acompanhou a maleabilidade do Romantismo, apelando a revivalismos mouriscos (estilo neoárabe). Com o advento do Neoclássico, esta arte ganhou grande desenvolvimento em sancas, molduras e adornos em relevo de complexos e delicados desenhos. E, no final desse século, acompanhou as chamadas Arte Nova e Art Déco, como meio de concretização da fantasia criadora do ser humano, testemunhando, uma vez mais, a aptidão decorativa desta argamassa.

Estuques no Palácio dos Marqueses de Fronteira, situado em São Domingos de Benfica, Lisboa. (Créditos fotográficos: Jorge Maio)

No decorrer do século XX, o estuque perdeu, definitivamente, o papel de relevo que teve nas épocas do Barroco e do Rococó, restringindo-se a pequenas molduras e a frisos decorativos, além das sempre utilizadas superfícies planas de paredes e tectos. A progressiva industrialização da construção civil marcou, por assim dizer, o fim do estuque ornamental. Porém, o estuque continua a servir na feitura de sancas e de molduras, bem como no revestimento de paredes ou de tectos, corrigindo imperfeições. Uma vez concluído o reboco, continua na ordem do dia, muitas vezes, a cargo dos pintores. Nos dias de hoje, a estucagem de paredes usa a técnica do chamado “estuque projectado”, à semelhança da tradicional pintura à pistola.

Entre os exemplos mais significativos da aplicação desta arte no nosso país, citam-se, no século XVI, os estuques da Igreja do Espírito Santo e os da capela e refeitório da Universidade, em Évora.

Após o terramoto de 1755, o Marquês de Pombal encarregou o jovem estucador italiano, João Gross (1715-1780), de proceder ao restauro e ao melhoramento do tecto da Igreja dos Mártires, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e no palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras. Acrescente-se que Gross foi professor da “Aula de Estuque e Desenho”, então criada, em 1764, na Fábrica das Sedas.

Estuque no Salão Árabe do Palácio da Bolsa, no Porto.(© @denisgiacobelis – portosecreto.co)

Os estuques mouriscos dos palácios de Monserrate e da Pena, em Sintra, e os do Palácio da Bolsa, no Porto, todos do século XX, e do palácio Alverca, mais conhecido por Casa do Alentejo, em Lisboa, de começos do século XX (1919), são bons exemplos do Revivalismo em Portugal.

.

14/11/2024

Siga-nos:
fb-share-icon

A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

Outros artigos

Share
Instagram