Ex-presidente das Filipinas levado para Haia sob acusação do TPI

 Ex-presidente das Filipinas levado para Haia sob acusação do TPI

O então presidente Rodrigo Duterte apresentava um gráfico que ilustrava uma rede de tráfico de drogas de altos sindicatos de drogas nas Filipinas, durante uma conferência de imprensa, 7 de julho de 2016. (en.wikipedia.org)

Rodrigo Duterte, antigo presidente das Filipinas, chegou a Haia, a 12 de março, após ter sido detido em Manila, no dia anterior, por ordem do Tribunal Penal Internacional (TPI), que vem a investigar os homicídios em massa relacionados com a chamada guerra contra a droga de Duterte.

O antigo presidente Duterte enfrenta uma acusação de crimes contra a Humanidade conexos com a repressão mortífera do negócio da droga que supervisionou, durante o seu mandato.

(facebook.com/pt.euronews)

A polícia deteve-o no aeroporto de Manila, quando regressava de uma viagem a Hong Kong; e dali embarcou, depois, num avião, com destino ao Dubai. Dados de monitorização do voo mostram que a aeronave esperou, durante horas, no Dubai, antes de descolar para o aeroporto de Roterdão-Haia, nos Países Baixos, onde está sediado o TPI. E os meios de comunicação filipinos publicaram uma fotografia que mostra o que dizem ser Rodrigo Duterte no avião a caminho dos Países Baixos.

À chegada, espera-se que Duterte seja levado para uma prisão neerlandesa, no subúrbio de Scheveningen, em Haia, que contém um complexo prisional especial da Organização das Nações Unidas (ONU), a cerca de dois quilómetros do TPI. Na lista de prisioneiros que já pernoitaram nesse local, incluem-se os ex-presidentes Slobodan Milošević, da Sérvia, e Charles Taylor, da Libéria, bem como Ratko Mladić, general do exército sérvio da Bósnia.

Portão do complexo prisional que abriga o centro de detenção do TPI, nos arredores de Haia, na Holanda. (Créditos fotográficos: Creative Commons – cnnbrasil.com.br)

Entretanto, vários manifestantes e apoiantes do antigo presidente das Filipinas já se reuniram em frente ao TPI. Uma manifestante, Alodiq Santos, reconheceu a dor das pessoas afetadas pela decisão do tribunal, mas disse acreditar que seria a coisa certa a fazer. “É uma experiência muito emotiva para as pessoas. A política no país tem sido, desde há muito, um processo de clientelismo e de personalização. E, no final de contas, somos todos filipinos. Por isso, está a prejudicar-nos. Mas temos de nos manter firmes nos princípios em que todos acreditamos pessoalmente”, referiu.

Sara Duterte, vice-presidente das Filipinas. (pt.wikipedia.org)

Segundo a CNN, numa declaração ao The Philippine Star, Sara Duterte – a filha mais velha de Duterte, que também é vice-presidente do país e que se prepara para viajar para Haia – disse que o pai estava a ser levado para aquela cidade. “Enquanto escrevo isso, ele está a ser levado à força para Haia, nesta noite. Isso não é justiça; isso é opressão e perseguição”, declarou.

Em 2021, o TPI abriu um inquérito sobre os assassinatos em massa relacionados com a guerra contra a droga, supervisionada por Duterte, quando era presidente da câmara da cidade de Davao, no Sul das Filipinas, e como presidente do país, mais tarde.

As estimativas do número de mortos durante o seu mandato presidencial variam, desde os 6247, que a polícia nacional relatou e que o governo reconhece, até aos 30 mil, reivindicados por grupos de direitos humanos. E, de acordo com o mandado de detenção, os juízes do TPI que analisaram as provas da acusação que sustentam o pedido de detenção encontraram “motivos suficientes para acreditarem que Duterte é, individualmente, responsável pelo crime de homicídio contra a Humanidade”, enquanto “coautor indireto, por ter, alegadamente, supervisionado os assassinatos quando era presidente da câmara de Davao e, mais tarde, como presidente das Filipinas”.

O ex-presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte foi preso, a 11 de março
(terça-feira), por ordem do Tribunal Penal Internacional.
(instagram.com/jornalnacional)

Em 2019, o presidente Duterte retirou as Filipinas do TPI, numa medida que os ativistas de defesa dos direitos humanos dizem ter como objetivo escapar à responsabilização. E o seu governo mobilizou-se para suspender a investigação global do tribunal, no final de 2021, argumentando que as autoridades filipinas já estavam a averiguar as mesmas alegações e objetando que o TPI – tribunal de último recurso – não tinha, portanto, jurisdição.

Porém, os juízes de recurso do TPI rejeitaram esses argumentos e decidiram, em 2023, que a investigação poderia ser retomada.

Assim, poucos dias depois de ser detido no complexo prisional do tribunal, Duterte será presente a essa entidade para audiência. Os juízes confirmarão a sua identidade, verificarão se compreende as acusações que lhe são imputadas e marcarão uma data para uma audiência de confirmação das acusações, na qual um painel de juízes de pré-julgamento, avaliará se os procuradores têm provas suficientes para realizar um julgamento completo.

Rodrigo Duterte poderá contestar a jurisdição do tribunal e a admissibilidade do processo. Porém, embora as Filipinas já não sejam um país membro do TPI, os alegados crimes ocorreram antes de Manila se ter retirado desta entidade.

Mandaluyong, Metro Manila, nas Filipinas. (Créditos fotográficos: Lyman Hansel Gerona – Unsplash)

Provavelmente, o processo demorará meses e, se o caso for a julgamento, poderá demorar anos. Duterte pode pedir liberdade provisória do centro de detenção do tribunal, enquanto espera pelo desenrolar do processo, embora caiba aos juízes decidir se respondem favoravelmente ao pedido.

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Por seu turno, o presidente filipino, Ferdinand “Bongbong” Marcos Júnior, que sucedeu a Rodrigo Duterte, em 2022, e se envolveu numa amarga disputa política com o antigo presidente, decidiu não voltar a juntar-se ao tribunal mundial, mas prometeu cooperar, se o TPI pedisse à polícia internacional que levasse Duterte sob custódia.

Presidente filipino, Ferdinand “Bongbong” Marcos Júnior, que sucedeu
a Rodrigo Duterte, em 2022. (pt.wikipedia.org)

De acordo com um comunicado do gabinete do presidente, Ferdinand Marcos, Rodrigo Duterte, no âmbito de um processo de crime contra a Humanidade apresentado contra ele, foi detido pela polícia, no aeroporto internacional de Manila, no dia 11 de março por ordem do TPI, que tem estado a investigar os homicídios que ocorreram, durante a repressão do antigo presidente, contra o consumo e tráfico de drogas. Duterte foi detido, como se disse, depois de chegar de Hong Kong, e a polícia levou-o sob custódia por ordem do TPI.

“Aquando da sua chegada, o procurador-geral notificou o antigo presidente de um mandado de captura do TPI por crime contra a Humanidade”, informou fonte do governo, acrescentando que ele passara a estar “sob custódia das autoridades”.

A detenção-surpresa provocou tumulto no aeroporto, onde advogados e assessores de Duterte protestaram, ruidosamente, por terem sido impedidos, juntamente com um médico e advogados, de se aproximarem dele, depois de ter sido levado sob custódia policial. “Trata-se de uma violação do seu direito constitucional”, declarou aos jornalistas o senador Bong Go, aliado de Duterte.

O gabinete da Polícia Internacional em Manila recebeu cópia oficial do mandado de captura do tribunal mundial, segundo informou o governo. Não ficou imediatamente claro para onde Duterte foi levado pela polícia. O governo disse que o ex-líder do país, de 79 anos, estava em boas condições de saúde e que foi examinado por médicos.

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O TPI começou a investigar os homicídios, sob a liderança de Rodrigo Duterte, de 1 de novembro de 2011, quando ainda era autarca da cidade de Davao, no Sul do país, e fê-lo até 16 de março de 2019. A investigação analisava possíveis crimes contra a Humanidade.

Cidade de Davao, nas Filipinas.(britannica.com)

Em 2019, Duterte retirou as Filipinas do Estatuto de Roma (que formalizou a criação do TPI) e a sua administração moveu-se para suspender a investigação do tribunal, aduzindo que as autoridades filipinas estavam a investigar as mesmas alegações, pelo que o TPI não tinha jurisdição.

Todavia, o TPI, com sede em Haia, nos Países Baixos, pode intervir, quando os países não querem ou não podem processar os suspeitos dos crimes internacionais mais hediondos, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade.

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O filipino Rodrigo “Digong” Roa Duterte, nascido a 28 de março de 1945 é um político e advogado que foi presidente do seu país, entre 2016 e 2022. Com efeito, a 30 de junho de 2016, foi eleito como o 16.º presidente das Filipinas, com 16601997 votos, correspondentes a 39% dos votos válidos, os obtidos pelo partido PDP-Laban. Desempenhou o cargo até 30 de junho de 2022.

Nascido em Maasin, na província de Leyte (agora, Leyte do Sul), Duterte mudou-se para a província de Davao, já que o pai, Vivente Duterte, era o governador regional.

Rodrigo “Digong” Roa Duterte é um político e advogado, tendo sido
presidente das Filipinas entre 2016 e 2022. (philpres.weebly.com)

Estudou Ciências Políticas no Liceu da Universidade das Filipinas, tendo-se formado em 1968, antes de obter o diploma de Direito, na Faculdade de San Beda, em 1972. Passou a trabalhar como advogado e foi procurador da cidade de Davao, antes de se tornar vice-prefeito e foi, subsequentemente, prefeito de Davao, após a Revolução do Poder Popular, de 1986. Conquistou sete mandatos e foi prefeito de Davao, durante 22 anos, tendo transformado a cidade outrora dominada pelo crime em região pacífica e amigável para os investidores.

Durante a sua presidência, a política interna concentrou-se no combate ao comércio ilegal de drogas – iniciando uma controversa guerra às drogas – no combate ao crime e à corrupção, além de ter intensificado a luta contra o terrorismo e contra a insurgência comunista. Paralelamente, lançou um maciço programa de infraestruturas, iniciou uma série de reformas económicas liberais, simplificou processos governamentais e propôs uma mudança para um sistema federal de governo que não teve sucesso. Entre alguns eventos notórios, estão a Batalha de Marawi, de 2017, e a resposta do governo contra a pandemia de covid-19, nas Filipinas. 

Soldados filipinos em seus veículos avançando pelas ruas nas cercanias de Marawi. (pt.wikipedia.org)

O presidente Rodrigo Duterte declarou a intenção de promover uma “política externa independente”, fortalecendo as relações com a China e com a Rússia. Inicialmente, declarou a intenção de concorrer à vice-presidência, na eleição de 2022, mas, em outubro de 2021, anunciou que estava a aposentar-se da política. A 15 de novembro de 2021, apresentou a candidatura a senador, mas retirou-a, a 14 de dezembro. As suas posições políticas são tidas como populistas e nacionalistas. O seu sucesso político foi auxiliado pelo seu apoio vocal a assassinatos extrajudiciais de usuários de drogas e outros criminosos. A sua política provocou inúmeros protestos e atraiu controvérsias, principalmente, em matéria de direitos humanos e pelos seus comentários controversos.

O TPI abriu uma investigação preliminar sobre a guerra às drogas de
Duterte, em 2018, levando a que o presidente filipino removesse o país
do grupo.  (hojemacau.com.mo)

Duterte confirmou, repetidamente, ter matado, pessoalmente, suspeitos de crimes, durante o seu mandato como prefeito de Davao. As execuções extrajudiciais supostamente cometidas pelo Esquadrão da Morte de Davao, entre 1998 e 2016, durante a gestão de Duterte como prefeito, foram escrutinadas por grupos de direitos humanos e pela Ouvidoria local. As vítimas eram, principalmente, supostos usuários de drogas, pequenos criminosos e crianças de rua. Testemunhos e relatórios reunidos ao longo dos anos sugerem que policiais recebiam recompensas em dinheiro pelas execuções.

O TPI abriu uma investigação preliminar sobre a guerra às drogas de Duterte, em 2018, levando a que o presidente filipino removesse o país do grupo. É o único presidente na História das Filipinas a não declarar os seus bens e ativos e passivos. A sua popularidade e o seu índice de aprovação doméstica permaneceram relativamente altos, ao longo do seu mandato.

Rodrigo Duterte em campanha para a presidência das Filipinas, em
2016. (britannica.com)

Em 15 de maio de 2017, a Comissão de Justiça do Congresso nas Filipinas rejeitou uma queixa apresentada pelo deputado da oposição Gay Alejano, que denunciava o envolvimento de Duterte com narcotraficantes. As razões para a rejeição eram que a queixa “carecia de substância” e se baseava em “rumores”. Os membros da Comissão de Justiça do Congresso eram, na sua maioria, integrantes de partidos favoráveis a Duterte, o que gera denúncia de enviesamento em prol dele, na decisão. Em abril de 2017, foi apresentada outra queixa, pelo advogado Jude Sabio, junto ao TPI, em Haia, por crimes contra a Humanidade, o que levou à emissão de um mandado de captura, que deu o resultado acima referido.

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A Conferência dos Bispos Católicos das Filipinas, há muito tempo, que manifestava aberta oposição a Duterte, pela sua “guerra às drogas”, e se opôs ao seu apelo, em 2020, para reaplicar a pena de morte para o uso ilegal de drogas e para outros crimes.

A Cáritas Filipinas, divisão de ação social da conferência, elogiou, desta vez, os desenvolvimentos no caso do ICC (International Criminal Court, ou seja, o TPI) contra Duterte. A organização pediu aos apoiantes e aliados políticos de Duterte que deixassem de lado a lealdade pessoal e que escolhessem “ficar com o império da lei”.

“Esses assassinatos não foram aleatórios, antes integraram uma política que violava o direito fundamental à vida”, disse o bispo de San Carlos, Dom Gerardo Alminaza, vice-presidente da Cáritas Filipinas. “As famílias das vítimas merecem verdade, reparações e justiça”, disse Alminaza. “Como nação, devemos garantir que tais crimes nunca mais aconteçam”.

O ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte foi preso, em 11 de
março, com base em um mandado do TPI alegando que ele
supervisionou crimes contra a Humanidade ligados a assassinatos em
massa durante sua repressão às drogas. (france24.com) 

Rodrigo Duterte, no seu mandato, foi abertamente hostil à Igreja Católica, à qual pertence a vasta maioria dos Filipinos. Pouco antes da sua eleição para presidente, chamou o papa Francisco de “filho da p-a”, por causa de um engarrafamento de trânsito na capital, Manila, durante uma visita do Pontífice ao país. Mais tarde, Duterte, já presidente, desculpou-se, através de carta a Francisco.

Em junho de 2018, num discurso, chamou Deus de “estúpido” e “filho da p-a”, tal como disse que a maioria dos padres filipinos eram homossexuais.

Naquele mesmo mês, disse estar disposto a entrar em diálogo com a Conferência Episcopal do país, num esforço para reparar relacionamentos, e o porta-voz de Duterte anunciou que seria criado um comité para melhor colaborar e se relacionar com a hierarquia da Igreja.

Mais tarde, naquele mesmo ano, Rodrigo Duterte disse que os cidadãos deveriam “matar e roubar” os bispos, dizendo que “esse bando estúpido não serve para nada – tudo o que faz é criticar”.

Em mensagem pastoral de setembro de 2021, o arcebispo de Nueva Segovia, Dom Marlo Mendoza Peralta, o arcebispo de Lingayen-Dagupan, Dom Sócrates Buenaventura Villegas, e o arcebispo de Tuguegarao, Dom Sergio Lasam Utleg, no Norte da ilha de Luzón, lamentaram a onda de assassinatos relacionados com as drogas, no país, e os ataques a jornalistas, a membros da oposição política, a advogados, a ativistas e a padres. Os arcebispos pediram aos fiéis que resistissem à “cultura de assassinato e de pilhagem”.

Vista do porto de Manila à noite. (Créditos fotográficos: Thomas Yie – es.wikipedia.org)

Em 2020, quatro bispos e dois padres foram acusados ​​de tentar derrubar Duterte, mas as acusações foram retiradas. Vários padres e leigos, presos sob o governo de Duterte, por criticarem a guerra às drogas, foram absolvidos em 2023.

***

Enfim, um perfil pessoal e político nada aceitável, típico do autocrata e do ditador, para quem tudo vale, das palavras aos atos, nomeadamente, os indiretos: manda, paga e pune o insucesso.

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20/03/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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