Figura de corpo presente

 Figura de corpo presente

Créditos: Smartworks Coworking (Unsplash)

Agora que, ao que parece, a pandemia da covid-19 deixou de representar um risco significativo, as reuniões presenciais estão de volta. A ânsia de nos vermos ao vivo e de retomarmos o contacto social – tão fundamental para o nosso equilíbrio – compele-nos a participar em muitos mais encontros e celebrações do que seria normal noutras circunstâncias. Mas será que as reuniões nas quais somos chamados a participar são mesmo presenciais? Quantos serão os participantes que lá estão, de facto, de corpo e alma?

Vi, há dias, uma reportagem sobre uma dada sessão na Assembleia da República. É claro que esse seria o local onde se esperaria que todos os participantes estivessem totalmente concentrados no que se está a passar, mas o que observei foi vários deputados e membros do governo absortos nos seus telemóveis. Estariam a resolver outros problemas, quiçá noutras reuniões, tratando de avançar em paralelo com toda uma série de questões inadiáveis. Não estavam, certamente, naquela sessão da Assembleia da República.

O mesmo se passa com a esmagadora maioria das reuniões ditas “presenciais” em que participo. Muitas pessoas não estão lá. Estarão no mundo virtual, a tratar de outros assuntos ou, simplesmente, a interagir nas redes sociais, completamente alheios ao que se passa na reunião em que se encontram.

E aqui está como uma enorme vantagem das tecnologias da informação e comunicação (TIC) – a possibilidade de interagir à distância – passa a ser uma desvantagem. Note-se, no entanto, que a culpa não é das TIC, mas sim, como sempre, de quem as utiliza (mal).

Créditos: Christina @wocintechchat.com (Unsplash)

Infelizmente, as seguintes linhas de pensamento são extremamente comuns: “Qual é mesmo o objetivo da reunião? Não sei, mas com o meu telemóvel posso aceder de imediato à agenda e saber do que se trata. Mas não seria conveniente preparar a reunião? Não é necessário. Se houver necessidade de abordar determinado tema, uma pesquisa rápida resolve o assunto. Afinal, na Internet encontramos toda a informação de que possamos necessitar. Mas não seria conveniente ouvir o que os outros têm a dizer, bem como considerar e ponderar as suas posições, tentando perceber os seus pontos de vista? “Não, a posição que defendo (e que formei com base numa pesquisa rápida no Google, considerando o que me era mais favorável) é a mais acertada. O melhor será, mesmo, aproveitar todo o tempo da reunião para pôr as redes sociais em dia. Além disso, tenho que recuperar o tempo que perdi na deslocação para esta aborrecida reunião presencial. Afinal, já conheço todas estas pessoas há anos e não tenho necessidade nenhuma de estar com elas para saber o que pensam”, obteríamos como resposta.

Dado que as reuniões envolvem múltiplos participantes, é fundamental que sejam cuidadosamente preparadas por todos, sob pena de constituírem uma enorme perda de tempo. A preparação e o envolvimento de todos são essenciais para tornar as reuniões produtivas e eficazes. Só assim poderemos passar de uma inútil atitude de “figura de corpo presente” para uma posição interventiva, ativa e, sobretudo, útil nas reuniões em que participamos, sejam elas virtuais ou presenciais.

02/05/2022

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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