G7 propõe na ONU projeto para criação de Estado palestiniano

 G7 propõe na ONU projeto para criação de Estado palestiniano

Palestina (Créditos fotográficos: Dylan Shaw – Unsplash)

A Itália, na qualidade de presidente em exercício do G7, anunciou, a 14 de agosto, que apresentará à Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, um projeto de reconstrução global para Gaza, com vista ao “nascimento de um Estado palestiniano”, revelou o vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália, Antonio Tajani, numa entrevista ao diário italiano La Stampa.

Vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália,
Antonio Tajani. (agenzianova.com)

Efetivamente, o chefe da diplomacia italiana declarou: “Em setembro, à margem da assembleia-geral das Nações Unidas, irei propor, a nível do G7, um projeto para a reconstrução, não só humanitária, mas também política e económica, de Gaza.”

O G7 é o grupo dos países mais industrializados do Mundo: a Alemanha, o Canadá, os Estados Unidos da América (EUA), a França, a Itália, o Japão e o Reino Unido, embora a União Europeia (UE) também esteja representada.

Antonio Tajani adiantou que a Itália está pronta a enviar um contingente para trabalhar, numa transição gerida pela ONU e liderada pelos países árabes, para o nascimento de um Estado palestiniano, unindo a Faixa de Gaza e a Cisjordânia; e revelou que os EUA solicitaram a Roma que recorresse aos “carabinieri” (força policial militar italiana) para treinarem “uma força de segurança palestiniana adequada”. Contudo, frisou que o interlocutor, neste processo, com vista à reconstrução de Gaza e à criação de um Estado da Palestina “só poder ser a Autoridade Nacionalidade Palestiniana (ANP), e não o Hamas”.

Antonio Tajani: “Em setembro, à margem da assembleia-geral das Nações Unidas, irei propor, a nível do G7, um projeto para a reconstrução, não só humanitária, mas também política e económica, de Gaza”

Questionado sobre o motivo por que Itália não reconheceu o Estado palestiniano, como já fizeram vários países europeus, alegou que Roma é “a favor” da solução de “dois povos, dois estados”, mas que “tem de ser oferecida uma perspetiva concreta ao povo palestiniano”, o que é inviável com a organização islamita Hamas no poder em Gaza.

“Como podemos reconhecer um Estado enquanto existir o Hamas, que controla grande parte da Palestina e afirma que quer destruir Israel? Outros reconheceram-no e o que é que mudou?”, perguntou Tajani, para quem a Itália não quer dar “uma bofetada moral a Israel, neste momento”, mas trabalhará para que o governo de Telavive aceite negociações para a concretização da fórmula “dois povos, dois estados”.

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Esta postura do G7, pela voz da presidência italiana, acontece quando o conflito israelo-palestiniano – aliás, entre Israel e o Hamas (o braço armado e mais radical dos Palestinianos) – está em risco de escalar para conflito regional de consequências imprevisíveis.

Manger St 42, Bethlehem, West Bank, na Palestina. (Créditos fotográficos: Dan Meyers – Unsplash)

Se é verdade, como diz Antonio Tajani, que o Hamas quer destruir Israel, também o é que o governo israelita, que diz combater em várias frentes e que alegou ter Israel o direito de se defender, tem respondido de forma desproporcionada e até arrasadora – incluindo a quase banição da ajuda humanitária –, confessou manter a guerra até à morte do último palestiniano (entenda-se: do Hamas). E, entre os “crimes israelitas”, inclui-se o assassinato do líder político do movimento islamita Hamas, Ismail Haniyeh, durante uma visita oficial a Teerão, e a morte do comandante do movimento libanês, Hezbollah Fuad Shukr, num bombardeamento a Beirute. Por isso, o Irão, que afirmou o direito de retaliar o assassinato do líder do Hamas, perpetrado no seu território, denunciou, a 7 de agosto, o silêncio da UE e a inação do Conselho de Segurança da ONU face aos “crimes israelitas”.

O político Ismail Haniyeh, recentemente assassinado, em Teerão,
tinha assumido a liderança do movimento islamita Hamas em 6 de
maio de 2017. (Créditos fotográficos: Reuters / Suhaib Salem – rfi.fr)

Com efeito, após consultas diplomáticas realizadas após a morte de Haniyeh, Ali Bagheri Kani, ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano em exercício, disse ter recebido, na noite de 6 de agosto, telefonemas dos homólogos do Reino Unido, da Suíça, da Malta e da Áustria, a quem transmitiu a reprovação de Teerão, perante um “comportamento de fechar os olhos e, por vezes, apoiar os crimes do regime sionista [Israel]”. “Alguns países europeus permaneceram em silêncio, face às ações terroristas do regime sionista, em violação do direito internacional”, disse Bagheri Kani, na conversa com o ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco, Alexander Schalenberg.

Esta postura do G7, pela voz da presidência italiana, acontece quando o conflito israelo-palestiniano – aliás, entre Israel e o Hamas (o braço armado e mais radical dos Palestinianos) – está em risco de escalar para conflito regional de consequências imprevisíveis

O chefe da diplomacia iraniana denunciou também que a “inação do Conselho de Segurança da ONU em relação aos crimes israelitas” fez com que Telavive “continuasse a guerra e o derramamento de sangue e procurasse expandir a instabilidade e a insegurança na região”.

Bagheri Kani referiu as mortes de Haniyeh, em ataque com um projétil de curto alcance, em Teerão, atribuído a Israel, e do líder militar do grupo xiita libanês Hezbollah, Fuad Shukr, em ataque israelita, em Beirute, a 30 de julho, incursões que aumentaram a tensão na região, fortemente abalada pelo conflito entre as forças israelitas e o Hamas, na Faixa de Gaza.

Ali Bagheri Kani, ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano
em exercício. (en.wikipedia.org)

Ali Bagheri Kani fez estas declarações no dia em que decorreu uma reunião extraordinária dos chefes da diplomacia dos 57 Estados-membros da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) na cidade saudita de Jeddah.

O Irão, que prometeu vingança contra Israel, após a confirmação da morte de Haniyeh, solicitou uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU, esperando que o ataque que atribui a Telavive fosse condenado. No entanto, os EUA, o Reino Unido e a França denunciaram o “apoio iraniano aos atores desestabilizadores da região”, aludindo aos movimentos islâmicos Hamas, Hezbollah e aos Huthis do Iémen, que constituem o “Eixo da Resistência”, uma aliança informal anti-israelita, liderada por Teerão. E o Irão condenou esta atitude dos países ocidentais e prometeu que dará uma resposta dura a Israel.

A República Islâmica tem criticado a inação de organizações internacionais, face ao que considera um “genocídio” na Faixa de Gaza, bem como o apoio dos EUA a Israel. De facto, Teerão chegou a aplaudir a “Operação Tempestade al-Aqsa”, perpetrada pelo Hamas e pela Jihad Islâmica Palestina contra o território israelita a 7 de outubro de 2023, que causou cerca de 1200 mortes e permitiu o sequestro de 250 pessoas, e que desencadeou o conflito em Gaza. Em resposta, Israel desenvolveu uma campanha de bombardeamentos contra a Faixa de Gaza, com mais de 39600 mortos, com repercussões a nível regional e com o envolvimento do Hezbollah e dos Huthis. E, após as mortes dos líderes do Hezbollah e do Hamas, aumentaram os receios de uma escalada da guerra a nível regional.

Na fotografia, datada de fevereiro de 2024, observamos crianças a caminhar entre os escombros das suas casas destruídas na cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Então, centenas de milhares de pessoas foram deslocadas depois de perderem as suas casas como resultado da escalada bélica na Faixa de Gaza. (Créditos fotográficos: Unicef / Eyad El Baba – news.un.org)

O Irão, que denunciou a violação da sua soberania e integridade territorial por parte de Israel, no ataque contra Haniyeh, ameaçou retaliar firmemente contra Israel, especulando-se que Teerão e o “Eixo da Resistência” lançassem um ataque conjunto contra o Estado judeu. Por seu turno, Israel afirma-se preparado para se defender, enquanto os EUA reforçaram a presença militar na região, para ajudar o seu principal aliado.

O Irão fez um ataque direto e sem precedentes contra o território israelita, em meados de abril, em retaliação pelo atentado bombista ao consulado iraniano em Damasco, na Síria, a 1 desse mês, que matou sete membros da Guarda Revolucionária Iraniana, incluindo dois generais.

A República Islâmica tem criticado a inação de organizações internacionais, face ao que considera um “genocídio” na Faixa de Gaza, bem como o apoio dos EUA a Israel

O Irão considera que tem o “direito legal” de punir Israel pelo assassinato do líder do Hamas, em Teerão, e defende que a República Islâmica não é responsável pela escalada na região. “Consideramos indiscutível o nosso direito de defender a nossa segurança nacional, a nossa soberania e a nossa integridade territorial”, afirmou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, Nasser Kanani, numa conferência de imprensa, acrescentando: “O Irão tem o direito legal de punir [Israel]. O Irão atua no quadro da Carta das Nações Unidas e do direito internacional e toma medidas sérias para proteger a sua segurança nacional com o objetivo de punir o agressor, criar dissuasão e defender a sua segurança.”

Porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, Nasser
Kanani. (iranpress.com)

O Irão, o movimento islamista palestiniano Hamas e o seu aliado libanês Hezbollah responsabilizaram Israel pelo assassinato de Haniyeh na capital iraniana, mas Telavive não confirma publicamente o alegado envolvimento na morte do líder político.

A morte de Haniyeh ocorreu poucas horas depois de um ataque reivindicado por Israel ter matado o chefe militar do movimento libanês Hezbollah, Fuad Shukr, perto de Beirute.

A República Islâmica e Israel, velhos inimigos, competem pela hegemonia regional, mantendo, há décadas, uma guerra através de ataques cibernéticos, de assassinatos e de atos de sabotagem.

Manifestação na Tunísia, a favor da causa palestiniana.
(Créditos fotográficos: Latrach Med Jamil – Unsplash)

As preocupações sobre uma possível escalada militar no Médio Oriente estão a aumentar depois de o Irão e os seus aliados terem intensificado, nos últimos dias, as ameaças contra Israel, que o regime iraniano diz ser “a fonte da escalada” no Médio Oriente. “Se os governos da região e a comunidade internacional tivessem cumprido o seu dever legal, exercendo pressão sobre o regime sionista, provavelmente não teríamos assistido a um nível tão elevado de desordem e a uma escalada do risco de conflito na região”, frisou Kanani, segundo o qual o terror é a essência do regime sionista [Israel], “a sobrevivência deste regime depende da continuação do terrorismo organizado e patrocinado pelo Estado” e a experiência demonstrou que Israel não é só ameaça para a Palestina, mas também perigo real para a estabilidade e segurança de todos os Palestinianos.

Israel diz que o país está num “nível muito elevado” de preparação para qualquer cenário, “tanto defensivo como ofensivo”, tal como referiu o primeiro-ministro, Benjamim Netanyahu.

O principal aliado de Israel, os EUA, que chegou a pedir moderação a Israel e mesmo um cessar-fogo, anunciou o aumento da sua presença militar no Médio Oriente, nomeadamente para “reforçar o apoio à defesa de Israel”.

A República Islâmica e Israel, velhos inimigos, competem pela hegemonia regional, mantendo, há décadas, uma guerra através de ataques cibernéticos, de assassinatos e de atos de sabotagem

Sergei Shoigu, ex-ministro da Defesa russo. (pt.wikipedia.org)

Entretanto, Sergei Shoigu, ex-ministro da Defesa russo, agora secretário-geral do Conselho de Segurança da Rússia, veio a Teerão, para uma visita, com o propósito de aprofundar a cooperação entre a Rússia e o Irão, num momento de fortes receios de uma escalada militar no Médio Oriente. E discutiu o reforço das relações bilaterais, questões económicas e de segurança e a situação regional e mundial, em encontros com o presidente iraniano, Massoud Pezeshkian, com o secretário do Conselho Supremo da Segurança Nacional, Ali Akbar Ahmadian, e com o chefe de Estado-Maior do Exército, Mohammad Bagheri.

A visita surgiu num momento em que se intensificam as manobras diplomáticas para evitar uma escalada militar no Médio Oriente entre o Irão e os seus aliados, por um lado, e Israel, por outro, e num contexto de receio de conflito no Líbano.

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Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
(pt.wikipedia.org)

Entretanto, a 12 de agosto, a tentar evitar uma escalada das tensões a nível regional, os EUA e os aliados europeus apelaram a que o Irão refreasse as suas ameaças, alertando para a possibilidade de, durante a semana, Teerão e os seus seguidores levarem a cabo um “conjunto significativo de ataques” – apelo que o Irão rejeitou, no dia 13. E o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pediu ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e ao presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, “máxima contenção”, para evitar uma escalada no Médio Oriente.

Todavia, só o cessar-fogo entre Israel e o Hamas em Gaza poderá fazer o Irão adiar a retaliação pela morte de Haniyeh, segundo garantiram à Reuters três oficiais seniores iranianos, segundo os quais o Irão e os apoiantes atacariam, se as negociações falhassem ou se percebessem que Israel estivesse a arrastar as conversações. Os EUA diziam-se esperançosos de que Israel e o Hamas retomassem as negociações de cessar-fogo, Benjamin Netanyahu tinha confirmado a participação de Israel e os parceiros do Hamas, no Qatar, e que estavam a trabalhar para garantir a representação do Hamas.

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A instauração dos dois estados implica a divisão do território e o respeito pelas fronteiras definidas, o que é difícil, porque Judeus e Palestinianos reivindicam as mesmas áreas. Os Judeus recuperaram o território e o Estado, 19 séculos após a dispersão pelo Mundo, ocorrida no século I, recuperação apadrinhada pelo Reino Unido e homologada pela ONU (porquê?) e efetuada pela imigração de Judeus e consequentes compra ou confisco de terrenos e expulsão dos ocupantes. Por sua vez, os Palestinianos sentiram-se enganados pelo Reino Unido e pela ONU e nem sempre tiveram um comando unificado e persistente, até à criação do Hamas. Haverá milagre, face a ambições antagónicas, após várias tentativas falhadas e quase dando a História para os dois lados?

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26/08/2024

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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