Gigantes do azeite usam Alqueva para dominar o cultivo em Portugal

Barragem de Alqueva, vista da margem direita do Guadiana, em território da antiga freguesia de Alqueva. (pt.wikipedia.org)
Atualmente, sobretudo, no Alentejo, contrapõe-se à cultura tradicional do olival a monocultura intensiva, que, tal como qualquer cultura deste género, desequilibra o ecossistema e prejudica o ambiente. E os ambientalistas já condenaram a expansão descontrolada das monoculturas.
Marta Vidal, em artigo intitulado “Um ecocídio: Como os gigantes do azeite estão a usar uma mega barragem para dominar a região de cultivo de Portugal”, publicado pela Euronews, a 13 de abril, relata o caso de um olivicultor tradicional, que, “de pé”, sob uma enorme e velha oliveira, “acaricia, suavemente, o seu tronco nodoso”, porque, em seu entender, “tem mais de mil anos, talvez mais velha do que Cristo”.
A velha árvore integra um olival de 30 hectares que “faz parte de um mosaico de carvalhos e árvores de fruto, de pastagens e terrenos agrícolas – perto de Serpa, nas suaves colinas do Alentejo, no Sudeste de Portugal –, que tem sido transmitido ao longo de gerações. Trata-se de um largo trecho da “paisagem tradicional do montado, um sistema agro-silvo-pastoril que combina produção e conservação da Natureza”.

“Muitas destas árvores têm milhares de anos, mas ainda estão a dar frutos. É um museu vivo”, diz o olivicultor, com orgulho, assegurando que, “todos os anos, os visitantes vêm maravilhar-se com as árvores monumentais e estudar as 17 variedades diferentes de azeitonas locais do olival”.
O olivicultor tradicional, que “preservou uma paisagem diversificada” alerta que isso é cada vez mais raro, no Alentejo, “à medida que os olivais de monocultura superintensiva se expandem, substituindo os pomares tradicionais”. O contraste é enorme: enquanto o olival tradicional é alimentando pela água das chuvas e é dotado de “árvores que têm raízes profundas e uma longa vida útil”, pois estão suficientemente espaçadas, ao invés, as plantações de cultura superintensiva estendem-se, com grande proximidade entre si, por largas zonas de regadio, alimentando-se de água de barragens, “podem ter até 2500 árvores, por hectare”, “são plantadas em linhas uniformes e duram apenas algumas décadas”.

Pelos vistos, “a única coisa que têm em comum é o facto de serem da mesma espécie”, considera o olivicultor, descansando à sombra de uma oliveira antiga, que resistiu a séculos de secas, de tempestades e de catástrofes naturais, confiante de que, ao invés das plantações de regadio, o seu olival, regado pela chuva continuará a dar frutos, durante as gerações vindouras.
Seja como for, as plantações superintensivas de oliveira tomaram conta da região. Com efeito, estas monoculturas utilizam variedades anãs altamente produtivas e adaptáveis à mecanização, obtendo rendimentos muito elevados. Porém, dependem da irrigação, de maquinaria pesada e de agroquímicos, que originam a erosão dos solos e a perda de biodiversidade.
As plantações de regadio do Alentejo expandiram-se, rapidamente, nas últimas duas décadas, com o abastecimento de água da albufeira do Alqueva, o maior lago artificial da Europa Ocidental. Por conseguinte, na região, estendem-se a perder de vista as sebes uniformes de oliveiras, a ponto de poder afirmar-se que o Alqueva é o lago artificial que alimenta o império do azeite, em Portugal.

A barragem do Alqueva, concebida para trazer crescimento económico a uma das regiões mais pobres e secas do continente, foi construída com fundos públicos. Todavia, a irrigação tem beneficiado, principalmente, os grandes grupos económicos que lucram com as plantações superintensivas de olival. Na verdade, o pequeno proprietário tem poucas possibilidades de investir em maquinaria pesada, em condutas de água e em largo volume de químicos, bem como de assegurar uma cultura intensiva e extensiva.
De acordo com a EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, SA, a empresa pública que gere a albufeira de Alqueva, mais de 80% da sua água é utilizada para irrigar plantações intensivas de oliveiras e de amendoeiras. Só em 2024, a EDIA forneceu água a 74059 hectares de olivais, na sua maior parte, sebes superintensivas. Algumas grandes empresas como a Elaia, a De Prado e a Aggraria – alguns dos maiores produtores de azeite do Mundo – controlam a maior parte das terras irrigadas da região.
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O Alqueva é uma barragem em arco situada no rio Guadiana, perto da localidade de Alqueva (que lhe deu o nome) da atual União das Freguesias de Amieira e Alqueva, do município de Portel, ligando-a, na margem oposta, à freguesia de Moura (Santo Agostinho e São João Batista) e Santo Amador, do município de Moura, na região do Alentejo. Começou a ser planeada a partir da segunda metade do século XX, nos anos 50, durante o período do Estado Novo, liderado, na prática, por António de Oliveira Salazar, de forma a mitigar os problemas de falta de água na região e, assim, desenvolver a produção agrícola.

No entanto, só começou a ser construída após a Revolução do 25 de Abril, embora as obras tenham parado, em 1978, devido aos elevados custos, que puseram em causa a sua viabilidade, do ponto de vista económico. Esta situação provocou protestos no Alentejo e no Algarve, as regiões que mais iriam ser beneficiadas pela barragem, mas só em 1995 é que os trabalhos foram reiniciados. Em 8 de fevereiro de 2002, foram oficialmente fechadas as comportas na barragem, em cerimónia que contou com a presença do primeiro-ministro, António Guterres, e, a 5 de maio de 2004, foi inaugurada a central elétrica da barragem.
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A construção da barragem inundou 25 mil hectares de terra, destruindo ecossistemas e submergindo a antiga Aldeia da Luz, bem como dezenas de sítios arqueológicos. Mais de um milhão de árvores foram abatidas. Algumas árvores foram transplantadas, antes da inundação e adornam jardins e praças em todo o Alentejo, constituindo os últimos vestígios da paisagem desaparecida.


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Para Susana Oliveira Sassetti, diretora da Olivum, associação que representa os produtores de azeitona com cerca de 50 mil hectares de olival, foi graças à barragem do Alqueva que Portugal se tornou um dos maiores exportadores mundiais de azeite. Efetivamente, desde que a barragem entrou em funcionamento, em 2002, as exportações de azeite aumentaram 12 vezes, em volume, e 18 vezes, em valor, atingindo cerca de 900 milhões de euros, por ano. De facto, a intensificação da produção de azeite foi impulsionada pelos incentivos da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE) e por um aumento global da procura de azeite. De 2007 a 2020, o setor olivícola português recebeu mais de mil milhões de euros em subsídios agrícolas.
José Pedro Salema, presidente da EDIA, afirma que a barragem tem um importante papel estratégico na garantia do abastecimento de água à região, tendo criado emprego e atraído investimento, mas as plantações intensivas altamente mecanizadas dependem, maioritariamente, de mão-de-obra migrante sazonal e mal paga.

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Por outro lado, a barragem não travou o despovoamento rural. Entre 2011 e 2021, o Alentejo perdeu mais de 52 mil habitantes, o maior declínio populacional em Portugal. Compreende-se o facto, pois, se a barragem possibilitou a irrigação de extensas zonas, os pequenos agricultores, que têm dificuldade em aceder aos meios que viabilizam a intensa monocultura, não se sentem motivados a permanecer ali; e os trabalhadores rurais em regime de permanência, em regra geral, são dispensados, devido à utilização da maquinaria, incluindo os robôs. E o trabalho sazonal, mercê do êxodo populacional, é assegurado por mão-de-obra migrante sazonal e mal paga.
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Embora o sistema de irrigação do Alqueva e as plantações intensivas de olival tenham sido muito rentáveis, para os investidores, a curto prazo, são crescentes as preocupações sobre os custos ambientais. Nestes termos, cientistas e ambientalistas alertam para o facto de a olivicultura intensiva, no Sul do país, estar a transformar uma paisagem outrora diversificada em monótonas fileiras de plantações intensivas, danificando os ecossistemas e contaminando a água e o solo com agroquímicos.

De acordo com Teresa Pinto Correia, professora catedrática da Universidade de Évora – especialista em paisagens rurais, diretora do MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura Ambiente e Desenvolvimento, coordenadora do Laboratório Associado CHANGE – Instituto para a Mudança Global e Sustentabilidade, e vice-presidente da Mission Board on Soil Health and Food, do Horizon Europe – os investimentos públicos na barragem de Alqueva beneficiaram, sobretudo, um pequeno grupo de grandes empresas e investidores estrangeiros, do que resultou uma concentração fundiária e a uma distribuição desigual da água a preços artificialmente baixos.

Évora. (med.uevora.pt)
“O preço da água deveria ter em conta as infraestruturas, que incluem, não só os custos de construção da barragem, mas também os canais de irrigação, o transporte da água e a eletricidade necessária para bombear a água a longas distâncias e para altitudes mais elevadas, o que é muito caro”, explica a especialista, frisando que isso não se reflete no preço pago pelos utilizadores.
A barragem representa o maior investimento público feito na agricultura na História Moderna de Portugal, com o custo de 2,5 mil milhões de euros. A EDIA pretende expandir o regadio para mais 470 quilómetros quadrados, projeto financiado também com fundos públicos. “Muitas das empresas [que utilizam a água de Alqueva] são fundos de investimento focados no lucro e completamente desligados do território. Não estão a pensar em passar um futuro sustentável para as próximas gerações”, considera a também eurocientista, preocupada com o facto de estes lucros estarem a ser obtidos à custa dos recursos naturais, com pouca fiscalização e regulamentação.

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A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, uma das principais organizações ambientais em Portugal, condenou a expansão descontrolada das monoculturas no Alentejo.
Pedro Horta, responsável político da ZERO, documentou muitas violações e infrações ambientais, incluindo a destruição de redes de água vitais, danos em áreas protegidas e habitats prioritários, bem como práticas agrícolas prejudiciais causadoras da erosão e da degradação dos solos. “Dada a escala da transformação da paisagem, podemos chamar a isto um ecocídio”, sustenta o ambientalista, salientando que as plantações superintensivas levaram a uma perda significativa de biodiversidade e à destruição do ambiente.

Um relatório da EDIA concluiu que as plantações intensivas de sebes suportam só metade do número de espécies encontradas nos olivais tradicionais. E um estudo de uma equipa de investigadores de diferentes universidades portuguesas, mostra como a expansão de sistemas agrícolas superintensivas está a reduzir, drasticamente, a diversidade e a diminuir as comunidades de aves nos olivais mediterrânicos.
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Tudo isto é concomitante com o efeito das alterações climáticas, que estão a agravar o stresse hídrico. Para muitos, a atual trajetória é insustentável, numa região cada vez mais afetada por secas e por fenómenos meteorológicos extremos. Um estudo da empresa de consultoria Agrogés prevê que as alterações climáticas aumentarão a procura de água para os olivais irrigados, entre 5% e 21%, enquanto as entradas médias anuais na albufeira de Alqueva deverão diminuir entre 5% e 10%, até 2050. Assim, como prevê Teresa Pinto Correia, “não vamos ter água suficiente”.

Depois, é de ter em conta que a simplificação dos ecossistemas em paisagens homogéneas torna a região ainda mais vulnerável, em relação às alterações climáticas.
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Em todo o caso, segundo a empresa espanhola Deoleo, um dos períodos mais difíceis para o setor do azeite está a acabar e fará com que os preços desçam para metade do seu máximo histórico. Na verdade, em meados de novembro de 2024, o maior produtor mundial de azeite previa um alívio dos preços, para os meses subsequentes, depois de o setor haver registado valores recorde, no início desse ano, devido ao impacto da seca relacionada com as alterações climáticas, na fase da colheita, e às elevadas taxas de juro e inflação, na cadeia de valor.

Na UE, os preços do azeite haviam subido 50%, em janeiro de 2024, em termos anuais; e, no Reino Unido, aumentaram 150%, em comparação com o final de 2021. Em Espanha, onde se encontra quase metade da produção mundial de azeite, dois anos consecutivos de seca haviam limitado as colheitas de azeitona, provocando aumento dos preços, a nível mundial.

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A Deoleo, fabricante de marcas de azeite domésticas como Bertolli e Carbonell, esperava, neste ano, uma colheita muito melhor. “As perspetivas são positivas, para os próximos meses, pois o mercado deve começar a estabilizar e a normalidade deve ser restaurada, à medida que a nova safra avança e a oferta aumenta”, dizia Miguel Ángel Guzmán, diretor de vendas da Deoleo, à CNBC, acrescentando que a crise não acabou, totalmente, pois ainda havia tensão em alguns preços do azeite de alta qualidade, como o extra virgem.
A empresa esperava que os preços caíssem para metade dos níveis históricos registados, no início de 2024. “O abrandamento dos preços, na origem, deverá começar entre novembro, dezembro e janeiro, desde que as condições climatéricas e de colheita se mantenham estáveis, nas próximas semanas”, apontava Guzmán, citado pela CNBC.
Entretanto, outros países mediterrânicos enfrentavam perspetivas mistas. A Grécia estava a braços com uma seca prolongada, o que afastava as esperanças de uma colheita robusta. A Turquia, que se tornou o segundo maior produtor de azeite do Mundo, em 2023, estimava uma colheita recorde de 475 mil toneladas de azeite.


Em Portugal, passa-se algo inexplicável, à primeira vista, depois de o preço ter disparado e ter vindo a recuar, desde maio de 2024, o preço do azeite virgem extra voltou a subir. A DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) dizia que uma garrafa de 75 centilitros estava, novamente, acima dos nove euros, quando, há três anos, a mesma garrafa custava menos de cinco euros.
De 31 de março a 6 de abril, prosseguiu a campanha de comercialização de azeite 2024/25 nas áreas de mercado – Alentejo, Ribatejo, Beira Interior, Beira Litoral e Trás-os-Montes – com subida da cotação média de azeite virgem engarrafado. Registaram-se cotações de azeite virgem e virgem extra a granel, no Alentejo Sul e no Alentejo Norte. Na área de comercialização de Trás-os-Montes, as transações de azeite virgem e virgem extra voltaram a diminuir. O mercado apresenta uma oferta de média a alta, para uma procura de baixa a média. Nesta campanha, o azeite carateriza-se como médio a bom, em relação à sua qualidade. De acordo com as últimas estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE), perspetiva-se um aumento na produção de azeite em 10%, em relação à campanha anterior, atingindo cerca de 177 mil toneladas.
Como se explica o preço a subir, a par do aumento de produção? Só pela captura da produção pelo império dos fundos de investimento focados no lucro, desligados do território.
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Nota da Redação:
A leitura do presente artigo de opinião de Abílio Louro de Carvalho pode ser complementada com a releitura do artigo “Produção de azeite do maior fornecedor do Mundo cairá para metade”, publicado na edição de 02/09/2024.
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17/04/2025