Governo constrói infraestrutura nova para a Escola de Ciberdefesa
A Cyber Academia and Innovation Hub (CAIH), localizada na Academia Militar, tem instalações novas, mobiliário de luxo, computadores e equipamentos topo de gama, para a formação de militares e de civis. Porém, o governo quer construir, de raiz, uma nova escola, pois, segundo o Ministério da Defesa Nacional (MDN), os objetivos das duas ciberestruturas são diferentes.
A CAIH arrancou, em 2019, associada a projetos europeus de defesa, com a missão de “estimular a formação, o treino e exercícios, a investigação, o desenvolvimento e a inovação, para alimentar o ecossistema nacional e internacional com o conhecimento e competências necessárias à nova geração de profissionais, bem como para apoiar o desenvolvimento de capacidades de ciberdefesa e cibersegurança”. Para tanto, constitui-se num “Centro de Excelência, de nível internacional, que interligue universidades, centros de investigação, a indústria e outras entidades do setor público e privado”, orientado para a formação, o treino e os exercícios (FT&E); para o apoio à investigação, ao desenvolvimento e à inovação (ID&I); e também para o apoio ao desenvolvimento da indústria (D.IND).
É um projeto estratégico para Portugal, na dimensão nacional e na europeia, que pretende ser um homólogo do Centro de Excelência de Ciberdefesa da NATO (Tallinn, na Estónia).
O local da sua instalação é um antigo edifício degradado da Academia Militar (AM), cujas obras de adaptação e de modernização, executadas nos anos da pandemia (2020 e 2021) custaram cerca de um milhão de euros (projeto e empreitada), conforme é registado no portal dos contratos públicos – verba disponibilizada pela Direção-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN).
O contrato do projeto foi assinado, a 18 de setembro de 2019, pelo então diretor-geral Alberto Coelho; e o da empreitada, pelo responsável máximo da DGRDN, Vasco Hilário, a 28 de abril de 2021. As obras foram concluídas no final desse ano e, através das parcerias com entidades privadas previstas no modelo deste projeto, a CAIH foi equipada e mobilada com material de qualidade e topo de gama, incluindo computadores e ecrãs gigantes, distribuídos por um auditório, e salas de aulas.
Segundo o MDN, está ainda previsto, no âmbito da proposta de Lei de Programação Militar (LPM), que seja contemplada com mais 2,6 milhões euros até 2026, sendo “as despesas de funcionamento […] cobertas pelo orçamento da DGRDN”.
O Grupo de Trabalho, liderado pelo brigadeiro-general Paulo Viegas Nunes e constituído por especialistas com competências na área do ciberespaço, com a missão de implementar a CAIH e de efetivar o modelo de organização e de funcionamento, concluiu o plano no início de 2022, faltando a validação da tutela para a sua oficialização. Assim, a CAIH está pronta, mas sem ainda ter sido utilizada para os fins propostos.
Para o impasse terá contribuído a mudança do titular da pasta da Defesa Nacional. O MDN verificou que o processo relativo à CAIH precisava de ser reiniciado, tendo isso ocorrido em julho de 2022. E, em dezembro, surgiu o projeto de decreto-lei que levará à formalização da CAIH.
Em sede da LPM, preveem-se 12,5 milhões de euros, no projeto da Escola de Ciberdefesa, para a contratualização de formação a entidades formadoras e para a criação ou requalificação das infraestruturas de funcionamento. Esta verba é a autorizada por despacho da ministra da Defesa Nacional, Maria Helena Chaves Carreiras, de agosto de 2022, que prevê cerca de 11,5 milhões para a “contratação de serviços de formação e consultoria especializados em ciberdefesa e na condução de operações militares no, e através do, ciberespaço, para onovénio 2022-2030”. A parte restante será “para infraestrutura onde venha a ser instalada a sede”, cujo local está em estudo, mas que deverá ser uma das infraestruturas do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA).
Esta escola, cuja criação consta da Estratégia Nacional de Ciberdefesa, aprovada em fins de 2022, articula-se com a CAIH, explorando sinergias, pela estreita articulação com outras iniciativas de capacitação de recursos humanos na área da cibersegurança, nacionais e internacionais, e “contribuindo, com os seus conhecimentos específicos, para a capacitação tecnológica dos recursos humanos das entidades com responsabilidade na segurança do ciberespaço”.
O MDN observa que, apesar das semelhanças de propósitos, não há duplicação de recursos. Com efeito, “as duas estruturasnão têm os mesmos fins”. A Escola de Ciberdefesa tem como objetivo principal “a formação e o treino de militares e de civis afetos a operações militares no ciberespaço”, ao passo que a CAIH “tem uma dimensão de duplo-uso, aprofundando a dimensão civil e militar da segurança do ciberespaço, com o objetivo de alimentar o ecossistema nacional com conhecimento e competências necessários às novas gerações de profissionais”.
A CiberAcademia está “estruturada num modelo inclusivo de inovação aberta, que interliga, num mesmo plano, instituições científicas e tecnológicas, da indústria e da defesa, envolvendo entidades dos setores público e privado”, constituindo-se “num ecossistema orientado para a formação, o treino e os exercícios; o apoio à investigação, ao desenvolvimento e à inovação; e o apoio ao desenvolvimento da indústria”, informa o MDN, que admite a previsibilidade da utilização de meios de ambas as estruturas para audiências de treino, que podem ser diferenciadas.
Adicionalmente, no âmbito da capacitação das Forças Armadas em ciberdefesa, foi celebrado um protocolo entre o EMGFA e o Instituto Politécnico de Beja, que garante, desde março de 2022, a formação de base e complementar aos militares que irão integrar o Comando de Operações de Ciberdefesa e as capacidades de ciberdefesa dos Ramos. Desde então, foram ministrados dois cursos de formação de base a cerca de cinco dezenas de formandos, com duração de 24 semanas, e um curso de formação complementar a cerca de três dezenas de formandos, com duração de seis semanas. A formação inicial implica a realização de um estágio no Comando de Operações de Ciberdefesa, com a duração de cerca de seis meses. E, em março de 2023, teve início o terceiro curso de formação de base, frequentado por cerca de 20 formandos, que terminará no final de julho.
A Escola de Ciberdefesa terá existência formal após a publicação, em Diário da República, dos decretos regulamentares das novas leis orgânicas do EMGFA e dos Ramos, que foram promulgados a 11 de abril, aguardando-se a sua publicação.
A Escola de Ciberdefesa, cujo diretor será um oficial superior com o posto de capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel, estará integrada, como uma das suas subunidades, no futuro Centro de Comunicações e Informação, Ciberespaço e Espaço do EMGFA.
Contudo, altas patentes militares ligadas ao projeto da CAIH, essencialmente do Exército, viram, com surpresa, o anúncio da criação da Escola de Ciberdefesa, a construir de raiz, no edifício do MDN, dizendo que a educação e o treino estão claramente identificados na CAIH, havendo um protocolo com o Centro Nacional de Cibersegurança para partilhar a matriz de competências do CAIH no atinente à formação nacional. Um destes oficiais lamenta as resistências às sinergias e a falta de sentido prático, onerando mais o erário público. E outro oficial sustenta que a CAIH oferece as condições necessárias para a instalação da Escola de Ciberdefesa, podendo os recursos humanos serem partilhados e que, tal como sucede na Estónia, o diretor da CAIH poderia ser também o diretor da Escola de Ciberdefesa.
No entanto, a CAIH – que assume a forma de pessoa coletiva do tipo associativo, sem fins lucrativos, orientada à prossecução do interesse público, que se regerá por decreto-lei e pelos seus estatutos – visa estimular a formação, o treino e exercícios, a investigação, o desenvolvimento e a inovação nos domínios da ciberdefesa e da cibersegurança, com o objetivo fomentar a convergência de interesses das indústrias, do tecido empresarial e das universidades com os organismos da Administração Pública, designadamente do MDN. E assenta num modelo de custos partilhados entre os associados, entidades públicas e privadas, não havendo qualquer retorno financeiro para os participantes.
Relativamente ao MDN, a comparticipação consiste na disponibilização de infraestruturas e de equipamentos; na participação de recursos humanos nas atividades; na disponibilização de conteúdos formativos; e na comparticipação financeira. No âmbito da LPM e segundo o previsto na proposta de Lei, estão contemplados 2,8 milhões de euros, até 2026. As despesas de funcionamento serão cobertas pelo orçamento da DGRDN, que é a entidade coordenadora.
Visando a interligação entre as dimensões militar e civil do ciberespaço, face a outras entidades que desenvolvem atividades neste âmbito, a CAIH carateriza-se pela complementaridade e pela capacidade de estabelecer sinergias, pois assegura a interligação entre a cibersegurança e a ciberdefesa; concorre para a Estratégia Nacional de Segurança do Ciberespaço; está alinhada com a política para a ciberdefesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO), bem como com a estratégia de cibersegurança da União Europeia (UE).
De acordo com a Estratégia Nacional de Ciberdefesa, em concreto o eixo “Intensificar a Cooperação Nacional e Internacional”, a Escola de Ciberdefesa, tendo como objetivo principal a formação e o treino de militares e de civis afetos a operações militares no ciberespaço, articula-se com a CAIH, explorando sinergias, estabelecendo estreita articulação com outras iniciativas de capacitação de recursos humanos na área da cibersegurança, nacionais e internacionais, contribuindo com os seus conhecimentos específicos.
Por seu lado, a CAIH tem uma dimensão de duplo-uso, aprofundando a dimensão civil e militar da segurança do ciberespaço, com o objetivo de alimentar o ecossistema nacional com conhecimento e competências necessários às novas gerações de profissionais. Estruturada num modelo inclusivo de inovação aberta, que interliga, num mesmo plano, instituições científicas e tecnológicas, da indústria e da Defesa, envolvendo entidades dos setores público e privado e constituindo-se num ecossistema orientado para a formação, para o treino e para os exercícios; assim como para o apoio à investigação, ao desenvolvimento e à inovação; e, igualmente, para o apoio ao desenvolvimento da indústria. O vetor “inovação” permite a incubação de ideias indutoras de capacidades de duplo-uso.
A vertente internacional do projeto CAIH materializa-se no projeto da Cooperação Estruturada da União Europeia (PESCO), que promove as competências e as capacidades dos Estados-Membros participantes.
O projeto PESCO “UE-CAIH” regula-se pelas normas de criação deste tipo de projetos cooperativos, cabendo a cada Estado-membro participante uma contribuição para a sua execução, acordada em sede de memorando de entendimento multilateral.
Ainda que os projetos PESCO não beneficiem diretamente de financiamento europeu, podem conduzir ao estabelecimento de consórcios de entidades elegíveis para obtenção de cofinanciamento no âmbito do Fundo Europeu de Defesa.
Portugal, Espanha e a Roménia são os Estados-membros participantes na componente internacional do Projeto PESCO. E constituíram-se como observadores do projeto “UE-CAIH” a Bélgica, a Grécia, a Itália, os Países Baixos, a Polónia, a Eslovénia e a Irlanda.
***
Não vale a pena tapar o sol com a peneira. Há duplicação de meios e o erário público fica mais onerado. Porém, há um benefício: a recuperação de dois edifícios degradados, para o que terão contribuído os fundos comunitários e a comparticipação nacional. Por outro lado, a recente reestruturação das Forças Armadas não podia deixar a coordenação da ciberformação num dos Ramos. Tinha de ser o EMGFA, com o qual dialoga o MDN. Contudo, o Exército, se aproveitar a oportunidade, terá, a partir da AM, a função da componente mais prática e operativa da ciberformação. Quererão a Armada e a Força Aérea ter estruturas similares?
.
01/05/2023