Há 25 anos: Timor-Leste foi a referendo para a independência
Passados quase cinco séculos de colonização portuguesa, terminada em 1975, e 24 anos de ocupação indonésia, contrariada por forte resistência liderada por ativistas políticos e guerrilheiros, o povo timorense foi chamado, no dia 30 de agosto de 1999, a votar se queria livrar-se dos ocupantes ou manter-se sob a sua governação, embora com autonomia.
A determinação do povo e a ajuda da comunidade internacional ajudou Timor-Leste a tornar-se, a 20 de maio de 2022, um país independente, com estruturas democráticas de governação e de administração da Justiça. Todavia, 25 anos depois, ainda há muito para fazer.
“Timor-Leste ganhou a batalha da independência. Timor-Leste ganhou a batalha da democracia”, mas “tem agora de ganhar a batalha do desenvolvimento”, foi com estas palavras que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) se dirigiu aos jornalistas, depois do encontro com o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, no Palácio do Governo.
António Guterres foi um dos convidados a participar nas celebrações dos 25 anos da consulta popular que conseguiu libertar Timor-Leste das “garras” da Indonésia, que anexara Timor-Leste, a 7 de dezembro de 1975, mercê da alegada perspetiva de se instalar, a partir de 1975, um regime pró-comunista perto do imenso país situado entre o Sudoeste Asiático e a Austrália.
Aliás, segundo referiu, há anos, Ana Gomes, que foi embaixadora de Portugal em Jacarta, até Durão Barroso assumir a pasta dos Negócios Estrangeiros, não havia, no Palácio das Necessidades, qualquer preocupação com o país anexado pela Indonésia. A independência fora proclamada pela FRETILIN, a 28 de setembro de 1975, tendo assumido o cargo de Presidente da República Xavier do Amaral e o de primeiro-ministro Nicolau Lobato, que seria o primeiro líder da Resistência Armada. Com a proclamação da Independência tem também início a guerra civil.
Os governantes portugueses tinham por arrumada a questão timorense. Entretanto, conversações na Presidência da República Portuguesa com Ximenes Belo, Ramos Horta e outros, tendo Xanana Gusmão sido feito prisioneiro pela Indonésia – espicaçadas pelo massacre de Santa Cruz, em Díli, a 12 de novembro de 1991 (as pessoas choravam e rezavam ou cantavam em língua portuguesa) – fizeram mudar a posição das nossas autoridades e, por consequência, a das autoridades internacionais. Ana Gomes teve aí um papel fundamental no diálogo com Ali Alatas, ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, bem como, depois, Durão Barroso, Mário Soares, Jorge Sampaio e António Guterres, que pressionaram a ONU e os Estados Unidos da América (EUA).
Ana Gomes sublinha a dureza da conversa de António Guterres com Bill Clinton, ameaçando retirar as forças armadas de Portugal da guerra do Kosovo.
Agora, Guterres, já não como primeiro-ministro de Portugal, mas na pele de secretário-geral da ONU, considerou: “Como secretário-geral das Nações Unidas, estou naturalmente orgulhoso pelo facto de as Nações Unidas terem estado ao lado do povo de Timor-Leste na luta pela independência e na consolidação da democracia. Mas Timor-Leste tem, agora, de ganhar a batalha do desenvolvimento. E quero dizer que as Nações Unidas, na sua capacidade limitada, mas com total empenhamento, estão inteiramente ao lado do governo de Timor-Leste, para apoiar a vitória na batalha do desenvolvimento de acordo com as estratégias do governo de Timor-Leste.”
É de vincar que, apesar da insegurança que se vivia, a 30 de agosto de 1999, milhares de pessoas se dirigiram às mesas de voto, para decidirem o futuro do país. Ninguém, nem o próprio presidente indonésio, que aceitou o referendo, após longa batalha diplomática entre Portugal, Indonésia e a ONU, esperava tamanha afluência às urnas. Em apenas 22 dias, recensearam-se, para votarem no referendo, 446666 pessoas (433576, em Timor-Leste; e 13090, nos centros no estrangeiro); e mais de 95% dos recenseados votaram efetivamente.
O resultado, anunciado, em simultâneo, pelo chefe da missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET), Ian Martin, e pelo secretário-geral Kofi Annan, em Nova Iorque, deu uns expressivos 78,5% contra a proposta de simples autonomia (344580 pessoas) e 21,5% a favor. Timor-Leste votava a favor da independência.
A luta pela sobrevivência e a vontade pela autodeterminação do povo prevaleceu e, com a ajuda da comunidade internacional, Timor-Leste conseguiu livrar-se da Indonésia, mas sem antes viver momentos de terror e de violência causados pelas milícias, apoiadas pela Indonésia, o que levou à entrada de uma força militar internacional (INTERFET), liderada pela Austrália, para restabelecer a paz no território. A ONU geriu a crise até à restauração da independência, em maio de 2002, e permaneceu no país como força de gestão e manutenção de paz, até 2012.
Neste dia 30 de agosto de 2024, o secretário-geral das Nações Unidas foi distinguido com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste e com a concessão da nacionalidade timorense, em reconhecimento do seu papel nos esforços diplomáticos que conduziram à realização do referendo, enquanto primeiro-ministro de Portugal em 1999.
“A partir de agora, há um secretário-geral da ONU que é, simultaneamente, português e timorense”, realçou António Guterres, depois de lhe ter sido atribuída, por unanimidade dos deputados, a nacionalidade timorense na sessão solene do Parlamento Nacional de Timor-Leste, para comemorar os 25 anos do referendo que levou à restauração da independência do país.
“Sinto um profundo orgulho e um profundo reconhecimento. A causa de Timor-Leste foi uma causa fundamental da minha vida política, durante muitos anos, e tenho pelo povo timorense, pela resistência timorense uma enorme admiração e isto é uma honra”, disse o novel timorense.
Guterres recordou os seus esforços para a causa timorense, enquanto primeiro-ministro de Portugal, junto da comunidade internacional, “que ainda foi possível mobilizar”, para que interviesse; e, assim, “a paz e a segurança prevaleceram em Timor-Leste”. “A autodeterminação do povo timorense era a prioridade central da política externa do meu governo e foi, na verdade, uma constante da política externa do meu país”, vincou.
Sobre a sua visita a Timor-Leste, em 2002, para a restauração da independência, disse que sentiu “a enorme coragem e a determinação incansável do povo timorense”, de “fazer prevalecer o Direito e de rejeitar a lei do mais forte”. E recordou o papel da ONU no país com as diferentes missões, referindo que Timor-Leste “deu um forte impulso” na capacidade de mediação da ONU em crises internacionais.
No seu discurso, o secretário-geral da ONU reiterou que o Mundo se depara, hoje, “com uma acentuada erosão da confiança”, sendo necessárias “medidas para revitalizar o “obsoleto sistema multilateral”, pois “décadas de progresso contra a pobreza e a fome estão a ser revertidas”, colocando “em perigo” os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O secretário-geral destacou também a necessidade de combater as alterações climáticas, referindo que Timor-Leste, “tal como outros pequenos estados insulares, está a sentir os piores efeitos, apesar de pouco ter feito para provocar esta crise”. No entanto, lamentou a falta de financiamento nesta área, defendendo que “os países desenvolvidos devem duplicar o financiamento da adaptação para, pelo menos, 40 mil milhões de dólares [36,1 mil milhões de euros] por ano até 2025 – tal como prometido na última COP”. E, sobre a capacidade de resposta às emergências globais, frisou que é preciso criar mecanismos para responder às crises que, inevitavelmente, vão surgir no futuro, dando o exemplo da pandemia da covid-19. “Se hoje tivéssemos outra covid, estaríamos tão impreparados como estávamos na primeira”, lamentou.
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Entretanto, a presidente do Parlamento Nacional timorense, na dita sessão, considerou que, ao fim de 25 anos como nação livre e democrática, Timor-Leste tem um longo caminho para percorrer, pois os obstáculos são imensos, desde a gestão sustentável do fundo petrolífero ao desenvolvimento da indústria e do turismo; e que é preciso ultrapassar as lacunas no sistema de saúde, melhorar a educação e fomentar o emprego, sobretudo entre os mais jovens.
“A pobreza ainda aflige muitos cidadãos, ainda há falta de oportunidades e emprego para os jovens, continuamos a ter desafios na educação académica e profissional, desafios no acesso universal aos cuidados de saúde”, afirmou Fernanda Lay, vincando que o país precisa de reduzir as importações e passar a produzir mais. Por outro lado, frisou o papel das mulheres, que podem contribuir para a produção interna do país, e reconheceu que não será missão fácil, mas lembrou que a conquista da independência “aconteceu contra todas as probabilidades”, disse a presidente do parlamento, citada pela agência de notícias Lusa.
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Atualmente, Timor-Leste é um país democrático e tolerante, “realiza eleições livres, com alternância de poder” e tem “uma sociedade civil muito ativa e liberdade de expressão”, disse o ex-chefe da UNAMET à Lusa. Contudo, a jovem nação continua a demonstrar pouca alternância no atinente aos seus líderes. Nos últimos 25 anos, o líder da resistência Xanana Gusmão tem assumido vários papéis. Foi presidente da primeira República (em 2002) e primeiro-ministro por duas vezes (em 2007 e em 2012), embora não consecutivas. Atualmente, volta a liderar o governo. O mesmo tem sucedido com José Ramos-Horta, que foi presidente, em 2007, e assumiu a presidência da República pela segunda vez (em 2022), também não consecutiva. É preciso “encontrar alternativas aos líderes históricos”, considera Ian Martin, depositando confiança de que isso vai acontecer, disse à Lusa em Díli.
O país também precisa de encontrar alternativas ao petróleo, o principal financiador do Estado, sendo este (Estado), um dos maiores empregadores do país, e combater importantes lacunas, como a do sistema de saúde, onde o seu hospital central em Díli tem registado alegadas falhas no fornecimento de medicamentos e de profissionais de saúde. Porém, o governo já reafirmou, após uma inspeção, em julho passado, que o fornecimento está assegurado até 2025. “Os medicamentos disponíveis no armazém do INFPM são suficientes para atender às necessidades nacionais, até janeiro ou fevereiro de 2025”, lê-se no portal do governo timorense.
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O secretário-geral da ONU chegou a Díli, a 28 de agosto, para uma visita de três dias, para as comemorações dos 25 anos do referendo que levou à restauração da independência do país.
Foi recebido, no aeroporto Nicolau Lobato, pelo presidente e pelo primeiro-ministro timorenses, José Ramos-Horta e Xanana Gusmão, respetivamente. Ao longo da avenida Nicolau Lobato, que liga o aeroporto ao centro da capital, centenas de crianças vestidas com cores diferentes consoante as escolas deram as boas-vindas ao secretário-geral da ONU, enquanto agitavam pequenas bandeiras e gritavam: “Timor-Leste!”
Guterres foi condecorado pelo chefe de Estado timorense com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste, a mais alta distinção do país. No decreto presidencial da condecoração, José Ramos-Horta destacou o papel de Guterres, que, enquanto primeiro-ministro de Portugal, entre 1995 e 2002, foi um defensor proeminente do direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação e independência, desempenhando papel fundamental na resolução da questão. Além disso, sempre foi “amigo de Timor-Leste” e o seu “trabalho incansável” permitiu que este país lusófono “gozasse das liberdades que tem atualmente”.
Em Timor-Leste, Guterres teve encontros com o Presidente e com o primeiro-ministro e discursou no Parlamento Nacional e no Estádio Municipal de Díli, no âmbito das comemorações. E visitou o Arquivo e Museu da Resistência Timorense, bem como a exposição sobre mulheres da resistência e participou no programa Horta Show, com Xanana Gusmão.
Também o governo de Portugal saudou o povo timorense e fez-se representar nas cerimónias do 25.º aniversário do referendo por Nuno Sampaio, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. E Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, no quadro deste ciclo de comemorações, visitará oficialmente Timor-Leste, entre 12 e 14 de setembro, associando-se a este momento, para aprofundar e potenciar o excelente relacionamento bilateral.
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05/09/2024