Habitação social em Coimbra

 Habitação social em Coimbra

Alta de Coimbra vista a partir do Terreiro da Erva. (© VJS – sinalAberto)

Este tema está na ordem do dia na cidade e no concelho. Em 12 de Julho, ele foi discutido em mais uma sessão aberta, promovida pelo grupo de reflexão  “Questão Coimbrã”. O local escolhido para esta discussão foi o emblemático Terreiro da Erva.  Na mesa, estiveram Bruno Paixão (moderador), Jorge Gouveia Monteiro (coordenador do movimento Cidadãos por Coimbra – CpC), José António Bandeirinha (professor da Faculdade de Arquitectura de Coimbra) e Marisa Matias (deputada do Bloco de Esquerda).

Sessão aberta, no Terreira da Erva, promovida pelo grupo de reflexão “Questão Coimbrã”. (Créditos fotográficos: Clara Moura)

Como não podia deixar de ser, veio à liça, logo no início da conversa, um projecto da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) que determinou a aquisição de 30 lotes de terreno na Quinta das Bicas (na União de Freguesias de Taveiro, Ameal e Arzila). Foi um investimento de quatro milhões de euros, decisão aprovada pelo executivo, em reunião camarária de 18 de Setembro. Estes lotes serão destinados à construção de habitações a custos controlados no âmbito do 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação e o montante para a aquisição será totalmente financiado através de uma candidatura do município ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que já foi aprovada. 

O poder político que ocupa a cadeira na Praça 8 de Maio pensa que esta aquisição será um excelente contributo para resolver o problema da falta de habitação social na cidade e no concelho. Em artigo recente, assinado pelo presidente da edilidade, José Manuel Silva, e pela vereadora Ana Cortez Vaz, o elogio ao trabalho feito não deixa dúvidas e os autores defendem que “uma das prioridades do a[c]tual executivo é resolver a enorme falta de habitação municipal em Coimbra” e que, “para isso, os serviços têm trabalhado com o máximo empenho!» Enfim, diremos que, salvo outra opinião, cheira a elogio em boca própria.

O local escolhido para esta discussão foi o emblemático Terreiro da Erva, em Coimbra. (Créditos fotográficos: Clara Moura)

Vozes críticas, como as quatro que estiveram nesta mesa do Terreira da Erva, dirão que não é assim e que outros caminhos poderiam ser seguidos para resolver este problema da habitação social em Coimbra.

Jorge Gouveia Monteiro foi claro quando referiu que “o que temos, aqui, é apenas uma maneira de emprateleirar, o mais longe possível do centro da cidade, os pobres, como se fez outrora noutros bairros da cidade, onde se destacam o Ingote e o Bairro da Rosa”. Ou, como disse José António Bandeirinha, “construir 268 fogos é um cenário inimaginável”. Porque, na sua opinião, “fazer bairros isolados não tem qualquer sentido”.

É importante considerarmos que, segundo dados compilados pela base de dados estatísticos Pordata, que se baseiam nos números dos Censos 2021, há em Coimbra 15854 casas vagas. Parece, pois, legítima a pergunta: se há todas estas casas vazias em Coimbra, porquê investir então nestes trinta lotes de terreno, que apenas levarão ao aparecimento de 268 habitações a custos controlados? Porquê gastar este quatro milhões de euros? Quantos problemas de habitação social continuarão por resolver na cidade e no concelho de Coimbra? Existirão, assim, tantos motivos de euforia, se a maioria do problema continua por resolver?

Hoje, torna-se evidente que o mercado não consegue resolver o problema
da habitação das pessoas – sobretudo, as mais carenciadas
economicamente. (© VJS – sinalAberto)

O problema da habitação, seja em Coimbra, seja em qualquer outra parte do Mundo, não pode ser resolvido como se fosse um problema de caridade. Hoje, torna-se evidente que o mercado não consegue resolver o problema da habitação das pessoas – sobretudo, as mais carenciadas economicamente. A ilusão parece estar no facto de alguns acreditarem que a nova construção é, em geral, muito mais simples e mais rendível do que a reabilitação dos velhos edifícios. Acresce a tudo isto que, no caso de Coimbra, há um mercado de alojamento muito virada para a população estudantil e outro, mais recente, virado para o turismo. E tal mercado conhece frutos que dão lucro.

Só boas políticas públicas, contrárias ao que se se tem feito, podem combater tudo isto. Uma forma inteligente de ajudar a resolver o problema seria negociar com os construtores que fazem loteamentos e trocar taxas urbanísticas pela cedência de alguns apartamentos à CMC, que os cederia, depois, como habitação social. O que até nem seria novo, pois já se fez com algumas habitações no passado, na Quinta da Cheira, como recordou Jorge Gouveia Monteiro.

Temos de dizer “Não!”, definitivamente, às políticas de segregação. Não podemos continuar a contribuir para que se olhe para os centros das cidades como postais turísticos. (Créditos fotográficos: Clara Moura)

Outra medida importante poderia ser reverter alguns terrenos do Estado, como, por exemplo, outrora, o CpC já propôs, relativamente aos terrenos da Frente Ribeirinha. E, se estivermos atentos, vemos também que, noutros concelhos do país, os edifícios do Estado são usados para dinamizar a habitação social. Podemos, igualmente, defender outra medida: incentivar as cooperativas de habitação. Ainda recentemente, em Coimbra, a Cooperativa Mondego pediu à CMC terrenos para construção e teve uma resposta negativa.

Há quem defenda também a reabilitação coerciva, obrigando os proprietários a reabilitarem o seu património. Coimbra, a partir de 2003, até usou esta medida, antes usada na Câmara Municipal de Lisboa, a qual deu frutos positivos. De facto, com esta medida, foram reabilitadas, em Coimbra, 300 e tal habitações. Significa, portanto, que a medida – que, entretanto, caiu em desuso – funcionou. Há que restaurar, pois, esta experiência! Se Coimbra tem, no seu centro, tanta casa devoluta, porquê criar mais manchas de segregação? Uma cidade digna de tal nome é uma cidade onde as pessoas se misturam e não uma zona urbana em que as pessoas se segregam, em resultado da construção de bairros para ricos e para pobres. E, já gora, seria também importante olhar para o Plano Director Municipal (PDM) e para as exigências feitas a respeito do loteamento dos terrenos, como recordou José António Bandeirinha.

Pela voz da deputada Marisa Matias, ficou claro que este problema da habitação é uma questão transversal em muitos países europeus e que a especulação imobiliária não é exclusiva de Coimbra. E Marisa Matias citou alguns casos de cidades europeias onde já de deram passos significativos, como os casos de Berlim e de Helsínquia, cidades em que “se arrepiou caminho”, quando se entendeu que se estava a criar cidades segregadas. Sabemos que uma cidade não se faz só de casas. E temos o exemplo da população de Barcelona que, ainda recentemente, se revoltou contra o facto de se estar a privilegiar, exageradamente, o investimento no turismo. Há que inverter hábitos como se fez em Bruxelas, onde se cultivam hortas no cimo dos altos prédios. Ou como se fez no Luxemburgo, que investiu nos transportes gratuitos.

Se Coimbra tem, no seu centro, tanta casa devoluta, porquê criar mais manchas de segregação? (© VJS – sinalAberto)

Temos de dizer “Não!”, definitivamente, às políticas de segregação. Não podemos continuar a contribuir para que se olhe para os centros das cidades como postais turísticos. A todo o custo, temos de dizer “não” à construção de novos guetos nas cidades. Este conceito de gueto é muito antigo e esteve sempre ligado à realidade urbana. Na Península Ibérica, por exemplo, os guetos existiram durante toda a Idade Média. Foram os casos das judiarias e das mourarias ou, ainda, o que aconteceu com as ruas de certos artífices. Se, outrora, se construíram guetos, devido à diferenciação por etnias ou por profissões, hoje, isso não tem qualquer sentido. Até porque os novos guetos, construídos nas periferias das cidades, são ditados por outras razões, já explicitadas anteriormente.  E nem precisamos de falar da política de guetização feita pelo nazismo. Em boa verdade, os motivos da guetização actual, feita em muitas cidades europeias, não tem nada a ver com as razões nazis.

A todo o custo, temos de dizer “não” à construção de novos guetos nas
cidades. (© VJS – sinalAberto)

Em tempos ainda recentes, o presidente da CMC, José Manuel Silva, declarou querer deslocalizar, para fora do centro da cidade, as associações com sede na Baixa e que prestam apoio social aos mais carenciados. Mas, como escreveu Jorge Gouveia Monteiro, em artigo no jornal Campeão das Províncias (em 24 de Maio de 2024), “já não restam dúvidas de que se trata mesmo de uma linha política”. “A actual maioria quer que a Cidade consolidada, o centro, os centros, sejam habitados pelos mais ricos. Compra autocarros para que as empregadas venham de manhã para essas zonas in e possam voltar à tardinha para casas bem longe. Esta estratégia de fundo vai acelerar o definhamento da Cidade”, observava o articulista.

Mais adiante, Jorge Gouveia Monteiro manifestava: “O sacrossanto mercado não tem soluções. A multifuncionalidade das Cidades, com gente de todas as classes sociais, filhos de empregados e operários brincando com os filhos dos doutores e engenheiros, exige políticas públicas esclarecidas, modernas, generosas. Ainda é tempo. Devemos impedir a segregação da Cidade de Coimbra. Para que ela viva.”

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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15/07/2024

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José Vieira Lourenço

José Vieira Lourenço é da colheita de Agosto de 1952. Estudou Teologia e fez a licenciatura e o mestrado em Filosofia Contemporânea, na Universidade de Coimbra. Professor aposentado do Ensino Secundário, ensinou Português, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Teatro e Oficina de Expressão Dramática. Foi, igualmente, professor do Ensino Superior, na Universidade Católica de Leiria e no Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra. Foi ainda coordenador do Centro da Área Educativa de Coimbra (1998-2002) e só então conheceu verdadeiramente a classe docente. Descobriu bem cedo a sua paixão pela poesia, pela literatura, pela música e pelo Teatro. Foi Menino Jesus aos quatro meses no presépio vivo da sua freguesia. Hoje, como voluntário, dirige o Grupo de Teatro O Rebuliço da Associação Cavalo Azul e também o Grupo de Teatro de Assafarge. Canta no Coro D. Pedro de Cristo, em Coimbra. Apaixonado pela Natureza, gosta de passear a pé pelos trilhos da Abrunheira, na companhia do seu cão. Dedicado às causas da cidadania, é dirigente do Movimento Cidadãos por Coimbra, que insiste em fazer propostas para criar uma cidade diferente. Casado, tem duas filhas e uma neta, a quem gosta de contar histórias.

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