Irene Papas ou o retrato da tragédia grega…

 Irene Papas ou o retrato da tragédia grega…

Irene Papas no filme “Iphigenia”. (mykaleidoscope.ru)

Antígona escoltada por dois guardas. (estadodaarte.estadao.com.br)
(pt.wikipedia.org)

A imagem da tragédia grega!

A minha primeira imagem estará, para sempre, ligada à figura da actriz Irene Papas. Foi ainda pelos anos sessenta (mas já em reposição) que, na minha cidade – a qual, repito muitas vezes, foi um berço para a minha cultura e aprendizagem, a minha Atenas –, vi o filme a preto e branco… Não podia ser a cores, como a versão cinematográfica de Electra, de Eurípides, com realização de Michael Cacoyannis! (*) O filme Elektra participou no Festival de Cannes de 1962, vencendo na categoria de Melhor Adaptação para o Cinema.

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Se, por essa altura, eu já tinha lido muitas das tragédias e muitas das coisas gregas, dado o meu pai ser professor de Filosofia, julgo que foi no momento da minha contracena com o ecrã que compreendi aquilo que era uma tragédia e os seus elementos: o papel do coro, os tempos, as pausas na representação, o valor dos figurinos e adereços…  Também o despido e despojado dos cenários, a par do idioma grego, que me soava como algo que nunca alcançaria a compreender, mas que era um canto nos ouvidos!

Um ano antes, foi a versão cinematográfica de Antígona, de Sófocles, com a qual obteve o Urso de Prata de melhor actriz em Berlim, sob a realização de Yorgos Tzavellis (em 1961).

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E, logo, a lúdica tragicomédia Zorba, o Grego (de 1964), igualmente de Michael Cacoyannis, que entregou a Irene Papas o papel da mulher sacrificada, a viúva, a qual, depois de enviuvar, pertence à aldeia e que nunca mais poderá voltar a pertencer a outro homem… Assim, Irene é o cordeiro degolado, o bode expiatório de uma comunidade que quer e deve manter as regras ancestrais e telúricas que a regem.

Seria cansativo enumerar as múltiplas intervenções desta actriz no cinema e no teatro. Também Manoel de Oliveira se apaixonou pelo seu trabalho, convidando-a participar nos seus filmes.

A actriz grega Irene Papas e o realizador português Manoel de Oliveira. (www.cinema7arte.com)

Como recorda Jorge Mourinha, no jornal Público, a 14 de Setembro de 2022, quando a actriz e cantora grega morre, aos 96 anos, Irene Papas filmou três vezes com Manoel de Oliveira, que lhe chamou “a essência mais profunda da alma feminina” e “a mãe da civilização ocidental”. Foi em Party (de 1996), em Inquietude (de 1998) e em Um Filme Falado (no ano de 2003), tendo este último marcado praticamente o final da sua carreira no cinema.

Escreve ainda Jorge Mourinha: “Capaz de navegar sem problemas entre o cinema e o teatro, Irene Papas interpretou igualmente Helena de Tróia, Ifigénia e Electra no cinema, e em palco, um pouco por todo o mundo, Clitemnestra, Fedra ou Medeia, a par de autores como Dostoievski, Ibsen ou Shakespeare.”

Refira-se também que a sua carreira se estendeu à música. Em 1969, Irene Papas gravou um álbum de canções de um outro artista grego exilado, o compositor Míkis Theodorákis (que tinha escrito a música de Zorba, o Grego).

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Politicamente comprometida, Irene Papas, participou em Dulce País (Sweet Country), filme norte-americano de 1987, realizado por Michael Cacoyannis. Baseado no romance semi-autobiográfico homónimo, da autoria de Caroline Richards, publicado em 1979. O filme narra as vicissitudes de um casal americano que vive no Chile durante os dias sangrentos do golpe militar de 1973. O título do filme é uma referência ao coro do hino nacional chileno, com letra do poeta Eusebio Lillo: “[…] Dulce Patria, recibe los votos / Con que Chile en tus aras juró / Que o la tumba serás de los libres / O el asilo contra la opresión […]”

Basta olhar para o retrato inicial desta crónica para ver a beleza da mulher que encarna, por si própria, o espírito da tragédia, inolvidável no ecrã e na minha vida!

24/11/2022

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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