Isabel Zambujal fala da necessidade “de dar maior visibilidade às obras de autoras portuguesas”

“Gosto de biografias e também de aliar factos com narrativas imaginadas”, diz Isabel Zambujal. (Direitos reservados)
Isabel Zambujal nasceu em Lisboa, em 1965. É licenciada em Marketing e Publicidade pela Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia (IADE). Em criança, sonhava ser educadora de infância e viver rodeada de muitos meninos, para lhes poder contar histórias. Desejo que, em parte, realizou quando, em 2001, lançou o seu primeiro livro infantil, depois de, durante anos, ter trabalhado como copywriter, em várias agências de publicidade. Atualmente, é autora de dezenas de livros infantojuvenis, muitos deles recomendados pelo Plano Nacional de Leitura. Tem coleções publicadas em Espanha, na Bélgica, na Colômbia e no Brasil. Participa em inúmeras atividades literárias em Portugal e também no estrangeiro.

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sinalAberto – Pode dizer-se que da publicidade à literatura foi “Um Saltinho a…” (título da coleção com que, em 2001, se estreou na escrita para crianças). No contexto daqueles que eram os seus objetivos na altura, foi realmente um saltinho ou foi antes uma passada gigante?
Isabel Zambujal – A coleção “Um saltinho a…” foi um salto para um mundo desconhecido: o da literatura infantojuvenil, como autora. Em criança e jovem, queria ser educadora de infância para contar histórias aos miúdos. Acabei por ir contar histórias para as marcas, como redatora publicitária, pois estava convencida de que iria ter os seis filhos que desejava. Só tive a Maria, que vale por seis. Quando cheguei ao mundo da literatura infantojuvenil, instalei-me. Senti-me logo em casa.
sA – A coleção nasceu da junção de três coisas que, segundo a Isabel Zambujal, mais gosta: “viagens, crianças e escrever”. Estes três itens definem-na enquanto escritora e realizam-na enquanto pessoa?

comum”, repara a escritora Isabel Zambujal, que possui obras em
coautoria com outros escritores. (Direitos reservados)
IZ – Realizam-me enquanto pessoa, mas só me definem como escritora, se pensarmos em viagens da imaginação. Viagens em que encontramos um Pai Natal que oferece memórias; uma nódoa que se deslumbra ao ser transportada num vestido ou um menino-lupa que aumenta os defeitos dos outros, mas vê com pouca nitidez os seus próprios defeitos.
sA – Algumas coleções da sua autoria estão traduzidas em diferentes línguas e os livros publicados noutros países. O que sente ao saber que aquilo que escreve chega a tantas nacionalidades e culturas? Ocorre-lhe pensar que o seu trabalho tem o mérito de levar a língua e a cultura portuguesas a variadas partes do Mundo?
IZ – Nessa área, destaco os manuais escolares “Salpicos”, num projeto assinado pelo Instituto Camões, destinado a crianças e adolescentes portugueses que residem no estrangeiro. Uma década depois do lançamento, penso que também têm como público-alvo os muitos estrangeiros que se mudaram para o nosso país. Fui convidada, pela Maria João Lopo de Carvalho, para integrar este projeto de aprendizagem da Língua Portuguesa. Estou-lhe grata por isso.

em diferentes línguas e os livros publicados noutros países.
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sA – Para além da vertente lúdica, quase todas as suas coleções têm uma forte componente pedagógica, seja por dar a conhecer lugares, monumentos, artistas ou compositores, por exemplo, seja pelos valores que transmite e incute. Acreditamos que é um trabalho exigente de pesquisa, aliado à imaginação. Fale-nos do seu processo criativo.
IZ – Gosto de biografias e também de aliar factos com narrativas imaginadas. Nas três coleções mencionadas – “Um Saltinho a…”, “Grandes Pintores” e “Grandes Compositores” –, a realidade tem um peso muito maior do que a ficção. Na coleção que vou lançar este ano, o cruzamento entre esses dois mundos é mais forte. Primeiro criei a personagem, uma menina-árbitra com superpoderes e o propósito da sua existência. Tive a felicidade de ser uma das contempladas com uma Bolsa Literária da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) na área Infantojuvenil. Estudei o poder deste fenómeno nas mais diversas áreas e lancei-me de cabeça para a fantasia. Vamos lá ver se marco golo!

sA – Possui obras em coautoria com outros escritores, nomeadamente com Alice Vieira, Rita Ferro, Maria do Rosário Pedreira, Leonor Xavier e Catarina Fonseca em “Chocolate – Histórias para ler e chorar por mais” (também publicado na Itália), Pedro d’Aguiar em “101 coisas e ½”, Mafalda Agante em “Receitas Mágicas” e Maria João Lopo de Carvalho em “Salpicos” – manual de Português para crianças estrangeiras, do Instituto Camões. Como funciona o trabalho de equipa, sobretudo quando os parceiros de escrita têm ideias, métodos, estilos e personalidades distintas? É um desafio difícil ou uma partilha enriquecedora?
IZ – Sempre trabalhei em dupla nas agências de publicidade (com redator e diretor de arte). É desafiante e enriquecedor. Quando não há competição, os talentos unem-se para um bem comum.
sA – Nos livros para crianças e para jovens, a figura do ilustrador é quase indissociável da do escritor. Rachel Caiano, Sebastião Peixoto, João Fazenda, Inês Fonseca ou João Bacelar são, apenas, alguns dos nomes que consigo têm colaborado. Como se processa a sua escolha quanto aos ilustradores?

IZ – Em Portugal, há excelentes ilustradores. Escolho-os pensando num traço que pode acrescentar, surpreender e não se limitar a retratar. Por vezes, a escolha não é minha, como foi o caso do Bernardo Carvalho para o título “A Melhor Amiga da Menina República”. Número um da “Missão: Democracia”, a extraordinária coleção lançada pela Assembleia da República para celebrar os 50 anos do 25 de abril. Com o Bernardo, ficámos todas a ganhar: eu, a República e a sua melhor amiga: a Democracia.
sA – Proveniente de uma área como é a da publicidade, tem um olhar mais analítico sobre a ilustração e o design gráfico nos livros?
IZ – Penso que sim. Na área de publicidade, a preocupação estética é uma constante. Penso que há escritores, mesmo da área infantojuvenil, que não se preocupam com o tipo de letra nem com as decisões de paginação.

sA – “Napoleão Benjamim Pirueta (o menino-lupa)” foi nomeado pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), em 2020, para o Prémio de Melhor Livro de Literatura Infantojuvenil. É uma obra que fala da incapacidade de olharmos para nós próprios e da intolerância que temos para com os outros. Numa sociedade cada vez mais conotada com a crise de valores, qual a importância da mensagem deste livro versus a nomeação pela SPA?
IZ – “Napoleão Benjamim Pirueta”, com ilustrações únicas da Rachel Caiano, aborda a falta de capacidade que temos em olhar para nós próprios. Analisa temas estruturantes como o autoconhecimento, a empatia, o bullying, a saúde mental e, ainda, a sustentabilidade. O lançamento e a nomeação deste livro pela Sociedade Portuguesa de Autores aconteceram durante a pandemia. Acabou por ser um livro um pouco esquecido. Felizmente, hoje está presente nalguns manuais escolares e é um título trabalhado na sala de aula.

sA – Grande parte do seu trabalho passa pela promoção e pelo incentivo à leitura em escolas e em bibliotecas de todo o país e, igualmente, no estrangeiro, junto das comunidades portuguesas ou em países lusófonos. Que significado têm para si essas atividades em Língua Portuguesa, sendo que, cada vez mais, nas escolas de todo Mundo, existem crianças de outros países, numa amálgama de culturas e de saberes?
IZ – Os encontros nas escolas enchem-me sempre de alegria por estar rodeada de crianças, realizando, de alguma forma, o meu desejo de infância de ser educadora e de ter meia-dúzia de filhos. É uma oportunidade também para presenciar o esforço e o empenho das inúmeras pessoas ligadas às entidades que se dedicam a promover os hábitos de leitura: as escolas, as redes de bibliotecas e o Plano Nacional de Leitura. Com o convite do Instituto Camões, fui mais longe. Tive o privilégio de visitar escolas frequentadas por portugueses, em países como o Estados Unidos da América, o Canadá e a Bélgica. E de conhecer por dentro o seu trabalho nas mais diversas áreas, na promoção da nossa Língua: no ensino, na cultura, na investigação e nas bibliotecas. Uma experiência inesquecível.

sA – O seu conto “A menina que sorria a dormir” estará brevemente pronto para passar ao ecrã em formato de animação, numa coprodução entre Portugal e o Brasil. Pode levantar um pouco do véu acerca deste projeto luso-brasileiro, no qual, ao que parece, as suas histórias também constroem pontes noutras artes de Língua Portuguesa?

IZ – “A menina que sorria a dormir”, o meu primeiro conto, tem-me dado muitas alegrias. Chegou à décima quarta edição, um excerto foi selecionado para uma prova de aferição do quarto ano e, neste ano de 2025, ao celebrar o seu décimo oitavo aniversário, está a ser adaptado para uma novela gráfica e para uma série de animação de treze episódios. A série é uma coprodução entre a produtora portuguesa Ready to Shoot, com o apoio do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), e a brasileira “Origem”, suportada também por um financiamento da área da cultura do país irmão. Escrevi os treze argumentos que deram origem aos treze roteiros. Os brasileiros são mestres da criatividade e, pela dimensão do país, têm uma experiência na produção de conteúdos que é difícil de igualarmos. Estou a aprender muito. Haverá melhor, no ano em que faço sessenta?

sA – Assinala-se este mês o “Dia Internacional da Mulher”. É uma data que continua a fazer sentido comemorar? Presentemente, qual é o papel que a Mulher ocupa na Literatura em Portugal?
No ponto onde nos encontramos, não escolheria a palavra “comemorar”. Há ainda um longo caminho a percorrer. E, mais do que fazer sentido, é fundamental assinalar, informando, debatendo, conquistando. Não só no “Dia Internacional da Mulher” (a 8 de março), mas também no “Dia Internacional da Igualdade Salarial” (a 18 de setembro) e no “Dia Internacional da Igualdade Feminina” (a 26 de agosto). Na área da Literatura, em Portugal, o “Clube das Mulheres Escritoras” nasceu da necessidade “de dar maior visibilidade às obras de autoras portuguesas nos meios de comunicação social e literários, indiscutivelmente dominados pelos homens e pela literatura estrangeira”. O clube está de parabéns, tem desenvolvido um excelente trabalho. Não sei as razões para as escritoras de literatura infantojuvenil não fazerem parte, mas sei que assinalar o “Dia Internacional do Livro Infantil” (a 2 de abril) continua a ser fundamental para a sua valorização.
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03/03/2025