José António Pereira Silva: “Projetos de arte comunitária ajudam a criar um senso de pertencimento”

 José António Pereira Silva: “Projetos de arte comunitária ajudam a criar um senso de pertencimento”

José António Pereira Silva é ativista cultural, membro fundador e presidente da Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa. (Direitos reservados)

José António Pereira Silva é graduado em Serviço Social e trabalha como assistente social no estado de Minas Gerais, no Brasil. Paralelamente, é ativista cultural, membro fundador e presidente da Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa, em que se insere, com particular destaque, a Rádio Internacional em Português (RIEP Lusofonia).

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sinalAberto – Desenvolve atividade profissional como assistente social na área da saúde mental no estado de Minas Gerais. Esta é uma vertente da saúde sensível e cheia de desafios, com enorme impacto na sociedade. Fale-nos um pouco dessa realidade num país como o Brasil, cujas assimetrias são imensas.

José António Pereira Silva – No Brasil, ocorreu o que entendo ser o repensar do modelo assistencial em saúde mental. Tal aconteceu através do movimento de trabalhadores da saúde mental e familiares de usuários, através da sua intensa mobilização até à chegada da reforma psiquiátrica brasileira, que culminou com a criação da Lei 10216. Lei essa que proporcionou o rearranjo do cuidado em saúde mental. Ou seja, o cuidado passa a ser em liberdade e no território, ao contrário do que ocorria, em que as pessoas eram institucionalizadas, sendo, em muitos casos, malcuidadas, sem grande respeito pela sua dignidade. Ainda há falta de recursos e de interesse político, associados à constante tentativa de imposição do movimento privatista que existe no país. Apesar de tudo, existe um sistema de saúde pública e universal no Brasil, com leis e portarias que garantem uma política especifica de saúde mental com a criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A realidade da saúde mental no Brasil é bastante complexa. A população enfrenta desigualdades socioeconómicas, desemprego, subemprego e diversas questões que afetam e dificultam profundamente o acesso a serviços de saúde de qualidade e isso se reflete na saúde mental da população. Em Minas Gerais, trabalhamos com diversas comunidades vulneráveis, onde a falta de meios e de apoio pode causar sofrimento e daí surgirem problemas como depressão e ansiedade. Nosso papel é tentar reduzir essas barreiras e oferecer suporte, atendimento humanizado e integral, apesar de ainda haver muito a fazer para atender a todos adequadamente.

“As nossas atividades buscam tanto divulgar e preservar a rica diversidade
cultural da lusofonia quanto usar a cultura como ferramenta para a inclusão
social e o desenvolvimento comunitário”, observa o ativista José António
Pereira Silva, que é o presidente da Associação Arte e Cultura em Língua
Portuguesa. (Direitos reservados)

sA – Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, motivados pelos mais diversos fatores, a depressão e a ansiedade, por exemplo, aumentaram exponencialmente nos últimos anos, no Mundo. A cultura e as artes, em geral, podem ser terapêuticas?

JAPS – Sem dúvida, a cultura e as artes são terapêuticas. Entendo-as como ponto chave, pois têm um papel fundamental na promoção da saúde mental. As atividades culturais podem proporcionar um meio de expressão emocional e de alívio do estresse. Estresse esse, presente em públicos diversos, desde crianças a adultos e a idosos. Projetos de arte comunitária, por exemplo, ajudam a criar um senso de pertencimento e de comunidade, o que é crucial para a saúde mental. Temos observado que o ato de estar e de ser participativo em atividades culturais e que o envolvimento em ações de cunho cultural e social produz sensações, um encontro com o próprio eu, que possibilita a redução significativa dos sintomas de depressão e de ansiedade.

“As atividades culturais podem proporcionar um meio de expressão
emocional e de alívio do estresse”, considera o assistente social e ativista
cultural José António Pereira Silva.

sA – A Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa, onde se engloba a Rádio Internacional em Português (RIEP Lusofonia), resultou do sonho de implementar um projeto social ligado à cultura. De que forma se cruzam e se complementam, aí, ambas as áreas?

JAPS – A associação foi criada com o objetivo de promover a cultura dos países lusófonos, mas também com um forte viés social. Acreditamos que a cultura é um vetor de transformação social. As nossas atividades buscam tanto divulgar e preservar a rica diversidade cultural da lusofonia quanto usar a cultura como ferramenta para a inclusão social e o desenvolvimento comunitário. A rádio, por exemplo, permite-nos alcançar um público vasto, levando informações e cultura a lugares, muitas vezes, negligenciados.

“A associação foi criada com o objetivo de promover a cultura dos países lusófonos”, afirma José António Pereira Silva, a propósito da Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa. (Direitos reservados)

sA – A ideia de criar uma rádio advém do desejo que, desde muito jovem, o José António acalentava de ser locutor e de poder trabalhar numa emissora. Apesar de a rádio apenas ter iniciado a sua atividade em julho de 2020, a realidade corresponde ao sonho?

JAPS – A realidade superou as minhas expectativas. A rádio não só concretizou o meu sonho pessoal de ser locutor, mas também se tornou um importante canal de comunicação e de integração entre os países de língua portuguesa. Temos conseguido alcançar ouvintes em diversas partes do Mundo e criar um espaço de partilha cultural e de informação. É gratificante ver o impacto positivo que estamos tendo.

A rádio não só concretizou o meu sonho pessoal de ser locutor, mas também se tornou um importante canal de comunicação e de integração entre os países de língua portuguesa”, expressa José António Pereira Silva, enquanto ativista cultural, membro fundador e presidente da Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa. (Direitos reservados)

sA – Embora seja uma rádio online (https://radioiep.com/) e, portanto, possível de se ouvir em qualquer lugar do Mundo, está sediada em Mirabela, no estado de Minas Gerais, dependendo da logística humana e técnica do lugar de onde emite. Mediante as características e a dimensão cultural do município, tem sido fácil essa logística? 

A logística em Mirabela apresenta desafios, como a limitação de recursos
técnicos e humanos. No entanto, a comunidade local tem sido
extremamente solidária e os nossos voluntários são dedicados e
apaixonados pelo projeto”, salienta José António Pereira Silva.
(Direitos reservados)

JAPS – A logística em Mirabela apresenta desafios, como a limitação de recursos técnicos e humanos. No entanto, a comunidade local tem sido extremamente solidária e os nossos voluntários são dedicados e apaixonados pelo projeto. Apesar das dificuldades, conseguimos manter a rádio operando e crescendo, graças ao esforço coletivo e à vontade de promover a nossa cultura.

sA – Inicialmente, a Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa começou com uma parceria entre o Brasil e Angola, mas rapidamente se estendeu aos restantes países lusófonos, assumindo-se como um coletivo dedicado a divulgar a cultura dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Como foi essa evolução e qual a recetividade ao projeto por parte de autores e de artistas com os quais contacta?

JAPS – A evolução foi natural, pois a Língua Portuguesa nos une de maneira profunda. A recetividade tem sido maravilhosa. Autores e artistas dos países lusófonos têm mostrado grande interesse em participar e em colaborar nos nossos projetos. Eles veem na nossa associação uma oportunidade de divulgar o seu trabalho e de fortalecer os laços culturais entre os países.

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sA – O projeto desenvolve-se, essencialmente, por via digital, seja através do próprio site, seja por via das redes e das plataformas de social media. Tratando-se de um coletivo, a vertente humana é fundamental. Como funciona esse aspeto e até que ponto as pessoas e o voluntariado são importantes, uma vez que se trata de uma organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos?

JAPS – O voluntariado é o coração da nossa associação. Contamos com pessoas de diferentes nacionalidades que se dedicam a divulgar notícias, histórias e tradições culturais. Essa colaboração humana é fundamental para o sucesso do projeto. O voluntariado nos permite expandir o nosso alcance e impacto. E cada voluntário traz uma perspetiva única, que muito enriquece o nosso trabalho.

“O voluntariado é o coração da nossa associação”, sublinha o presidente da Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa. (Direitos reservados)

sA – Conta com uma rede de voluntários de nacionalidades distintas, onde se inserem jornalistas, escritores, contadores de histórias, ativistas, coordenadores de outras ONG e etc. Em que medida é essencial o trabalho destas pessoas na divulgação de notícias de caráter cultural, social e até mesmo desportivo, e também no conhecimento e na preservação dos usos e costumes relativos aos vários povos que falam em Português?

JAPS – O trabalho desses voluntários é vital. Eles trazem consigo uma riqueza de conhecimentos e de experiências que contribuem para a preservação e para a divulgação da cultura lusófona. A diversidade da nossa equipe nos permite abordar uma ampla gama de temas e oferecer conteúdo relevante e diversificado aos nossos ouvintes. Eles são os verdadeiros embaixadores da nossa missão.

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sA – Além da rádio, a Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa desenvolve, obviamente, outras atividades de natureza cultural e social no Brasil, mas também noutros países da Lusofonia. Enquadradas nos principais objetivos da associação, que atividades destaca?

A Associação Arte e Cultura em Língua Portuguesa foi nomeada para o
Prémio Ibero-americano de Arte e Cultura pela Paz Brasil 2021.
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JAPS – Além da rádio, promovemos eventos culturais, como festivais de música e de literatura, workshops e exposições de arte. Também realizamos projetos de formação e de capacitação em áreas como a produção cultural e a comunicação. No Brasil e em outros países lusófonos, desenvolvemos parcerias com escolas e outras ONG para fomentar a educação e a inclusão social através da cultura.

sA – A associação foi nomeada para o Prémio Ibero-americano de Arte e Cultura pela Paz Brasil 2021, recebeu o título de Embaixadora Humanitária pela ONG “Sou Perifas”, do estado de São Paulo, e ainda o título de Utilidade Pública Municipal, reconhecida pela Câmara de Vereadores de Mirabela (no estado de Minas Gerais), em 2023. Vê, com certeza, estas distinções como reconhecimento pelo sentido de missão no trabalho desenvolvido. O que gostaria ainda de poder fazer para se sentir plenamente realizado?

No Brasil e em outros países lusófonos, desenvolvemos parcerias com escolas e outras ONG para fomentar a educação e a inclusão social através da cultura”, relembra o ativista José António Pereira Silva. (Direitos reservados)

JAPS – Essas distinções são uma honra e um reconhecimento do trabalho árduo de toda a equipe. No entanto, acredito que ainda há muito a ser feito. Gostaria de expandir os nossos projetos para alcançarmos ainda mais comunidades, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade. Também sonho em criar um centro cultural físico, com biblioteca, com salas interativas, com espaço de oficina e estrutura que acolha o trabalho da rádio. E que possa servir como um ponto de encontro e de aprendizado para pessoas de todas as idades. Isso nos permitiria ampliar ainda mais o impacto da nossa missão.

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02/12/2024

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Lurdes Breda

http://www.lurdesbreda.wordpress.com/

Lurdes Breda escreve, sobretudo, para crianças e jovens. É autora de dezenas de obras, algumas das quais integram o Plano Nacional de Leitura e estão editadas em Portugal, no Brasil e em Moçambique. Em 2005, foi distinguida com o Prémio “Mulheres de Valor” e, em 2014, recebeu a Medalha de Mérito Municipal Cultural, em Montemor-o-Velho. Em Maio de 2024, recebeu a “Comenda Dom Pedro II – por honra e mérito do seu trabalho, ligado à educação, cultura e bem-estar social”, atribuído pela Literarte – Associação Internacional de Escritores e Artistas, do Brasil. Em 2021, foi uma das mulheres contempladas no projecto “As Mulheres na Cultura e na Salvaguarda do Património Imaterial da Região Centro”, desenvolvido pela Direcção Regional de Cultura do Centro. Participa em actividades inclusivas e de cidadania, bem como na promoção do livro e da leitura, principalmente, em escolas e em bibliotecas de todo o país.

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