Liberdade ou escravidão?

 Liberdade ou escravidão?

(Imagem de domínio público gerada por IA)

Já não concebemos a sociedade e o Mundo sem as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) e, por isso, podemos escolher uma de duas grandes opções: aceitar essas tecnologias sem as questionar, tirando o máximo partido delas, ou meditarmos um pouco e interrogarmo-nos sobre o seu efeito em cada um de nós, na nossa comunidade, nos países e no Mundo. Considerando a loucura dos tempos em que vivemos, talvez não fosse mau optarmos pela segunda opção, embora eu possa compreender que haja quem prefira ficar-se pela primeira.

Ninguém questiona a utilidade – e, até, a indispensabilidade – das modernas tecnologias. No campo profissional, estão na base de uma elevada produtividade, da automatização de grande número e variedade de tarefas, de um melhor controlo de processos, da possibilidade de realizar trabalho a qualquer hora e em qualquer lugar, entre muitas outras vantagens. Hoje, as TIC, nas quais incluo a Inteligência Artificial (IA), são indispensáveis na educação, na medicina, na investigação científica, em todos os ramos do comércio e da indústria, nos transportes, em todos os serviços básicos, na segurança e na defesa. De facto, será pouco provável encontrar uma área de atividade que não beneficie com a tecnologia. Também no campo pessoal é já difícil, se não impossível, passar sem as TIC, que fornecem comunicação instantânea e fácil entre pessoas, independentemente da distância física, que suportam múltiplos tipos de interações nas redes sociais e que colocam ao nosso dispor grandes volumes de informação, com diferentes níveis de (pré)processamento.

(Imagem de domínio público gerada por IA)

Mas o reverso da medalha não é de menosprezar. Muito se fala da dependência excessiva da tecnologia, que pode levar à alienação, à perda de competências fundamentais, à desumanização das relações interpessoais, à necessidade de estar sempre “online” para nada perder e justificar a existência, bem como a muitos outros problemas que, como é típico, sempre reconhecemos nos outros, já que nós próprios estamos num patamar intocável.

Muitas profissões caem na obsolescência (mas outras surgem, é certo), esvaem-se as interações presenciais, substituídas por efémeros e superficiais encontros de avatares, perde-se a capacidade para dialogar, escutar e compreender os outros, sempre limitada à superficialidade das redes sociais e à redução do diálogo a uma triste sequência de emojis gerados em resposta a frases sintéticas e sem pontuação.

No entanto, o problema assume outra dimensão e gravidade quando as TIC são utilizadas como arma de poder e de manipulação política.

Quase sem se dar por isso, as tecnologias reduzem as pessoas a números, simples alvos de sofisticados algoritmos, sujeitos passivos de vigilância massiva. Hoje, é praticamente impossível não deixar um rastro digital, que facilmente pode ser utilizado para reconstruir por onde andamos, o que compramos, o que fazemos e como pensamos. Por exemplo, ficamos muito agradados por existirem as declarações automáticas de rendimento e não paramos sequer para pensar no que isso significa em termos de controlo dos cidadãos. Cada vez mais estamos reduzidos a um número numa gigantesca base de dados, que tudo regista.

(Imagem de domínio público gerada por IA)

Mas ainda mais ameaçador é o poder dos líderes mais ou menos despóticos das grandes corporações tecnológicas, de âmbito mundial, que detêm um poder imenso sobre a informação, censurando conteúdos, alterando opiniões, moldando eleições e influenciando decisões políticas. A desinformação digital, as notícias falsas e a polarização política alimentam as redes sociais e comprometem a democracia, levando a que muitas pessoas tomem decisões baseadas em informação manipulada. Mas nem só as pessoas são alvo desta loucura. Países inteiros são postos em causa e ameaçados!

É quase um lugar-comum afirmar que o futuro está nas nossas mãos, mas a realidade é bem diferente. Cada um de nós pode – e deve – utilizar as tecnologias de forma responsável, informada e crítica, mas atingimos um ponto em que isso já não é suficiente, porque quer as utilizações quer a informação que nos é oferecida são determinadas pelos novos “donos do Mundo”, que muitos ouvem, seguem, admiram e idolatram, e que determinam destinos de povos e de nações. Uma coisa é certa: nunca como agora a tecnologia teve um efeito tão devastador, tão perigoso e tão ambíguo, camuflando como liberdade uma realidade que, cada vez mais, se assemelha ao despotismo e à escravidão.

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03/02/2025

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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