Na cidade, entre as árvores

 Na cidade, entre as árvores

(© VJS – sinalAberto)

Com a devida vénia a Hemingway (“Na Outra Margem, Entre as Árvores”, uma das suas melhores obras de ficção), o tema é estimulado por boas e por más razões de atualidade. Discute-se em inúmeras cidades, arriscaria dizer em todas, e não se pode, não se deve fugir-lhe, muito menos numa publicação feita a partir da Coimbra do Choupal. Lá iremos.

(Direitos reservados)

Há no ser humano sentimentos contraditórios em relação às árvores: fascínio pela sua imponência e beleza; receio, quando a sua densidade sugere obscuridade; prazer na sombra; aversão, quando produzem escorrimentos sobre o pátio, no passeio ou em cima dos carros; utilitarismo, quando falamos de oxigénio ou de madeira; temor ainda das alergias; gulodice pela fruta e tantos outros sentimentos.

A vida mais urbana, quero dizer em grandes aglomerados, é relativamente recente. E, se recuarmos duas gerações, qualquer família tem os retratos dos seus camponeses, originários de variadas regiões do País e do Mundo. Esses nossos avós ou bisavós que plantavam e cuidavam de árvores, que viviam com elas e que sabiam os seus nomes estão hoje ausentes. E, de facto, muita da sua sabedoria não passou ou, pior, é desvalorizada por bastantes citadinos, como “coisa antiga”, ultrapassada, “parola”. O idiota de sucesso que manda cortar uma árvore da rua só porque lhe caem folhas na piscina é, apenas, um exemplo extremo desse novo-riquismo urbano.

(© VJS – sinalAberto)

Todavia, algo está a mudar, aqui também. São cada vez mais os exemplos de cidades que inscrevem nos seus programas de investimento a plantação de milhares de árvores nas zonas urbanas. E fazem-no já não na lógica do pequeno jardim da praça central, mas, sim, numa escala que abrange largos territórios e corredores verdes, conceito que, há alguns anos, vem ganhando força no planeamento. A consciência ambiental – leia-se dos riscos que o planeta corre e da gravidade do aquecimento global – é, em grande parte, responsável por essa boa alteração de mentalidades.

Centrando-me agora na minha cidade, a tal que eu quero “de todos”, os movimentos da população mais alerta têm andado sempre à frente das políticas urbanas. Foi assim em 2009/2010, aquando da questão de salvaguardar o Choupal de uma travessia rodoviária que se previa danosa. Foi assim, muito mais recentemente, em 2021, no protesto pela absurda terraplanagem da margem do Mondego entre o Rebolim e a Portela. Tem vindo a ser assim, no ano passado e no presente, a propósito do abate de árvores no corredor do metrobus (Metro Mondego).

Terraplanagem na margem direita do rio Mondego, entre a Portela e a praia fluvial do Rebolim. (© VJS – sinalAberto)

Diga-se, em abono da verdade, que a Assembleia Municipal de Coimbra deu, já em 2019, um sinal de grande importância, ao aprovar por unanimidade a exigência à Câmara de um plano de arborização, com metas e calendários verificáveis. Foi um passo importante, mas os frutos são, até ao momento, muito escassos. Porque apresentados em março ou em abril, quando a “época de ouro” para plantações já chegou ao fim, têm-se resumido a planos para os meses de outono, com metas modestíssimas, se atendermos à dimensão do município de Coimbra. Os números falam por si: 1400 árvores em 2021, 1607 em 2022 e 2500 árvores (apresentadas anteontem, mesmo) para o ano em curso. Mais exíguas ainda, se atendermos a que, por exemplo, 700 das árvores propostas para este ano transitam do ano anterior, porque não foram plantadas.

(© VJS – sinalAberto)

Os municípios, em geral – e o de Coimbra não é exceção –, têm vindo a reduzir os seus meios humanos próprios e quase só plantam árvores com recurso a empresas que as fornecem e instalam. A par da fraca ambição de partida que os números espelham, ficam, pois, tolhidos e retardados por procedimentos concursais e pelas suas vicissitudes, além de pagarem muito mais caro por cada árvore plantada. Não tendo jardineiros próprios, ficam também com enormes limitações na manutenção das jovens plantas, sujeitas a longas estiagens, como a do ano passado.

A partilha com os cidadãos e as suas associações – na plantação e na manutenção – é um meio que tem sido usado em muitas cidades europeias, mas que, inexplicavelmente, parece inspirar receio aos autarcas destas bandas. Posam para a foto no Dia Mundial da Árvore (21 de março, também Dia Internacional das Florestas), ao lado de criancinhas e de professores, para logo recolherem às suas unidades orgânicas e gabinetes, longe da população que os poderia ajudar.

(© VJS – sinalAberto)

São precisas novas ambições e novas dinâmicas participativas. É urgente a necessidade de termos cidades mais verdes, com temperaturas mais baixas, com menos ruído, com maior resistência a ventos, com maior retenção de água, com mais biodiversidade e com bem-estar psíquico.

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23/03/2023

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Jorge Gouveia Monteiro

Exerceu funções de direcção política no Partido Comunista Português. Foi vereador da Câmara Municipal de Coimbra, entre 1997 e 2009. Ajudou a fundar e a desenvolver múltiplas associações de moradores e culturais, bem como a Associação Grupo Gatos Urbanos. É coordenador da Direcção do Movimento Cidadãos por Coimbra (CpC) e sócio-gerente do bar e espaço cultural Liquidâmbar.

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