Não haverá reforma da Justiça sem funcionários judiciais
A Comissão Europeia publicou, a 24 de julho, o quinto relatório anual sobre o Estado de direito, o Relatório sobre o Estado de Direito de 2023, que examina, de forma sistemática e objetiva, a evolução do Estado de direito nos estados-membros, numa base de igualdade. Em comparação com a primeira edição, em 2020, os estados-membros e a União Europeia (UE) no seu conjunto estão mais bem preparados para detetar, prevenir e enfrentar os desafios emergentes. Isto contribui para a resiliência das nossas democracias europeias, para a confiança mútua na UE e para o bom funcionamento do mercado único, tal como beneficia um ambiente empresarial que promove a competitividade e o crescimento sustentável.
O relatório tornou-se o motor de reformas positivas: dois terços (68%) das recomendações emitidas em 2023 foram, total ou parcialmente, cumpridas. Contudo, em alguns estados-membros subsistem preocupações sistemáticas e a situação deteriorou-se mais. Estas preocupações são abordadas nas recomendações. Não há recomendações para os países do alargamento, porque as recomendações para estes países são emitidas no contexto do pacote anual do alargamento.
Este relatório inclui, pela primeira vez, quatro capítulos nacionais sobre a evolução da situação na Albânia, no Montenegro, na Macedónia do Norte e na Sérvia. A inclusão destes países significa o apoio aos seus esforços de reforma, a ajuda às autoridades a realizarem mais progressos no processo de adesão e a prepararem-se para a continuação do trabalho sobre o Estado de direito como futuro estado membro.
Mais de sete em cada 10 cidadãos da UE concordam que a UE desempenha papel importante na ajuda à defesa do Estado de direito no seu país, de acordo com um inquérito do Eurobarómetro Especial publicado agora. Perto de nove, em cada 10 cidadãos da UE, consideram importante que todos os estados-membros da UE respeitem os valores fundamentais da UE, opinião estável desde 2019. Além disso, a sensação de estar informado sobre os valores fundamentais da UE melhorou em muitos países: em geral, 51% dos cidadãos da UE sente-se bem informado sobre os valores fundamentais da UE e o Estado de direito, em comparação com 43%, em 2019.
O relatório de 2024, como todos os anos, inclui uma comunicação que analisa a situação na UE no seu conjunto e 27 capítulos, por país, que analisam desenvolvimentos significativos em cada estado-membro, bem como uma avaliação das recomendações do ano anterior. E, nessa base, apresenta recomendações específicas dirigidas a todos os estados-membros.
O relatório abrange quatro pilares: sistemas judiciais nacionais, quadros anticorrupção, liberdade e pluralismo dos meios de comunicação social, bem como outros mecanismos de controlo e de equilíbrio institucionais.
A Comissão Europeia convida, agora, o Parlamento Europeu (PE) e o Conselho a prosseguirem os debates gerais e específicos, por país, com base neste relatório, utilizando também as recomendações para examinar, mais aprofundadamente, como podem ser obtidos progressos concretos. Apela aos parlamentos nacionais, à sociedade civil e a outras partes interessadas e intervenientes importantes, para que prossigam o diálogo nacional sobre o Estado de direito, bem como a nível europeu, com maior envolvimento dos cidadãos. E convida os estados-membros a aproveitarem, eficazmente, as oportunidades e os desafios identificados no relatório, pois está pronto a ajudá-los nos seus esforços para continuar a implementação das recomendações.
Tal como anunciou a presidente Ursula von der Leyen, nas Orientações Políticas para 2024-2029, a Comissão Europeia continuará a melhorar o acompanhamento e apresentação de relatórios e a reforçar os controlos e equilíbrios, nomeadamente, pelo acompanhamento da implementação das recomendações.
Para garantir que o relatório aborde todas as questões em toda a Europa, será acrescentada ao relatório a dimensão de Mercado Único, a abordar questões do Estado de direito que afetam as empresas, especialmente as pequenas e médias empresas (PME), que operam além-fronteiras. E, no caso dos países do alargamento, a Comissão Europeia continuará a acompanhar as questões identificadas, inclusive nos seus próximos relatórios anuais sobre o alargamento. Outros países do alargamento serão incluídos no Relatório sobre o Estado de Direito, à medida que estiverem prontos.
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No caso português, sobressai a recomendação do aumento dos funcionários judiciais e todos os recursos humanos necessários e da melhoria da eficácia, sobretudo, dos tribunais administrativos.
De acordo o relatório divulgado pelo executivo comunitário, que a analisa o ano de 2023, quando o governo de António Costa ainda estava em funções, Portugal “fez alguns progressos” na adequação dos recursos humanos ao sistema judicial, mas ainda não são suficientes. Por isso, a Comissão Europeia recomenda que o país aumente os funcionários judiciais e todos os recursos humanos necessários e continue a “melhorar a eficácia, particularmente dos tribunais administrativos”, bem como a eficácia dos procedimentos, em especial, no combate à corrupção.
O país tem, necessariamente, de avançar com medidas que assegurem a adequação dos procedimentos legislativos criminais, para lidar, eficazmente, com os processos criminais complexos, e também de “prosseguir os esforços envidados para garantir recursos suficientes para prevenir, investigar e reprimir a corrupção, nomeadamente para o novo Mecanismo Anticorrupção”, mecanismo já substituído pela Agenda Anticorrupção, do atual governo, apresentada pela ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, em junho.
O executivo de Ursula von der Leyen quer também que Portugal melhore as leis penais para os megaprocessos serem mais eficientes e que assegure a “monitorização e verificação” dos mecanismos para a Entidade da Transparência.
Globalmente, no atinente às recomendações do Relatório sobre o Estado de Direito de 2023, Portugal tem feito progressos “nos esforços contínuos, para garantir recursos humanos adequados [no sistema] da justiça, em especial, no que diz respeito ao pessoal não judiciário, [a] alguns progressos adicionais na melhoria da sua eficiência, nomeadamente dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, e na garantia de recursos suficientes para “prevenir, investigar e processar a corrupção”.
No entanto, o relatório recomenda que Portugal:
- intensifique esforços para garantir recursos humanos adequados do sistema de justiça, em particular no respeitante aos funcionários judiciais, e para prosseguir os esforços na melhoria da sua eficiência, em particular nos Tribunais Administrativos e Fiscais;
- tome medidas para garantir a adequação da legislação geral de Processo Penal, para lidar eficientemente com processos criminais complexos;
- continue os esforços feitos para garantir recursos suficientes para prevenir, investigar e punir a corrupção, inclusive para o novo Mecanismo Anticorrupção;
- garanta a monitorização e verificação eficazes das declarações de património pela Entidade da Transparência; e
- finalize as reformas para melhorar a transparência do processo legislativo, especialmente na implementação de ferramentas de avaliação de impacto.
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O Ministério da Justiça (MJ) reagiu, considerando que o diagnóstico da Comissão Europeia sobre o nosso sistema de justiça coincide com o do governo, nos “primeiros três meses em funções”.
Fonte oficial do MJ referiu à agência Lusa que o programa do governo apresenta respostas que são entendidas como “eficazes para os problemas identificados” e que o ministério liderado por Rita Alarcão Júdice “está, desde o primeiro dia, a trabalhar na sua resolução”. E aponta, a título de exemplo, os acordos já materializados para a valorização das carreiras dos oficiais de justiça e dos guardas prisionais, a aprovação da Agenda Anticorrupção, atualmente em consulta pública, e “a simplificação de procedimentos com o desenvolvimento de novas ferramentas de tecnologias de comunicação e de informação na Justiça e a definição do respetivo enquadramento legal”, designadamente “o processo legislativo em curso, para que as citações e as notificações de pessoas coletivas e a tramitação da fase de inquérito passem, por regra, a ser feitas por via eletrónica”.
Em matéria de condições de trabalho, o MJ assinala o concurso publico para a obra do Palácio de Justiça de Portalegre (lançado em maio) ou o concurso para o Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores, com propostas já recebidas em junho. “Além disso, estão a ser feitos diversos levantamentos das necessidades de edificado para que se possa, com eficiência e racionalidade, lançar uma série de investimentos na Justiça”, concluem as declarações do MJ.
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O Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ) e o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) têm vindo a contestar o défice de profissionais da classe, que podem levar à rutura nos serviços dos tribunais e secretarias do Ministério Público (MP). Em fevereiro, faziam-se contas que apontavam para a falta de 1800 funcionários judiciais e dizia-se que a situação piorava de mês para mês.
Há comarcas em risco de rutura, como Leiria ou Lisboa Oeste, onde Sintra e Cascais não captaram qualquer interessado para o recente recrutamento excecional. De acordo com dados do SFJ enviados à Lusa, o destacamento excecional aberto pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) para os núcleos de Sintra e Cascais fechou “sem interessados”. O procedimento extraordinário para colocar, naqueles serviços, dezenas de oficiais de justiça pretendia ser “resposta urgente” a “situação de rutura extremamente delicada”.
Há funcionários a entrar nos tribunais a ganhar menos de 800 euros. Ora, baixos salários e, mais recentemente, o valor das rendas levou ao desinteresse pelo ingresso nesta carreira, sobretudo, em lugares dos grandes centros urbanos, onde o preço da habitação pode ser superior, em centenas de euros, ao ordenado de entrada na profissão.
O SFJ alertou a DGAJ e a própria ministra da Justiça, ao tempo, Catarina Sarmento e Castro, para o problema, tendo sugerido, em março de 2023, um subsídio de renda em algumas comarcas, para obviar aos custos de residência, acusando a tutela de nada fazer. E chegou a pedir uma reunião do Conselho de Estado sobre a falta de funcionários.
O concurso aberto em janeiro de 2023, para integrar até 200 novos funcionários judiciais estipulava, no aviso de abertura, o vencimento base de 854 euros, menos de 100 euros acima dos 760 euros de salário mínimo nacional que vigorava em 2024. Indecente!
Melhores salários, integração do suplemento de recuperação processual no vencimento, classificação da carreira num nível de complexidade superior, melhores condições de trabalho e contratação de, pelo menos, mil novos funcionários judiciais, regime especial de aposentação e um subsídio de risco são as reivindicações da classe, que exige a equiparação a técnicos superiores, dada a complexidade das suas funções.
As greves às diligências, às horas extraordinárias, as greves parciais e as greves totais levaram ao adiamento de milhares de diligências judiciais, a adiamentos de sessões de julgamento e atrasado o andamento de milhares de processos, consequências que levaram a ministra da Justiça a acusar os sindicatos, logo nos primeiros meses de greve, em 2023, de estar a “arrasar a Justiça”.
Os dois sindicatos convocaram greves prolongadas que ditaram o adiamento de muitas diligências e sessões de julgamento, tendo o problema ficado parcialmente resolvido pelo acordo alcançado pela nova ministra da Justiça com o SFJ, sobre o suplemento de recuperação processual.
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O funcionamento e a reforma da Justiça dependem dos juízes, do Ministério Público e das polícias de investigação criminal. Porém, não se pode ignorar o papel dos funcionários judiciais. São os palmilhadores do terreno, dos papéis, dos ficheiros, das atas, das relações públicas, etc. Sem eles, não há diligências, não há julgamentos; e os magistrados teriam de se ocupar de tarefas administrativas que não lhes dizem respeito e para as quais não têm de estar preparados.
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05/08/2024