“O Canto do Melro” conta a história do padre que combateu o medo: o maior partido da Madeira
Reencontro-me com o padre Martins Júnior, 34 anos depois. À boleia da apresentação do livro “O Canto do Melro” (Bertrand Editora), de Raquel Varela. O reencontro aconteceu na UNICEPE, a Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, que acaba de celebrar 61 anos de vida.
Em boa verdade, melhor local para o meu reencontro com o padre Martins, um “humanista radical de coragem invulgar, em coerência com o mais puro ideário cristão”, não podia haver. A livraria da UNICEPE é um útero quente que nos aconchega e protege deste mundo em chamas.
“O Canto do Melro” é a biografia romanceada da vida e obra do padre Martins Júnior. Escrita com mestria pela historiadora Raquel Varela1, que se distingue pelo seu contributo para “a história global do trabalho e dos movimentos sociais”.
Raquel Varela faz ouvir “O Canto do Melro” a partir de uma impressionante recolha documental sobre um sacerdote que, da Ribeira Seca, na Madeira, atravessou “a história global, do fim do feudalismo em pleno século XX às lutas anticoloniais, da teologia da libertação à resistência antifascista”. E ao jardinismo, acrescento eu.
Em “O Canto do Melro”, “os tempos não acompanham “nem o Sol nem a Lua, nem os meses do calendário”. Tudo por boa culpa de um padre que combateu “o colonialismo, o despotismo do Estado, a tirania do mercado, que fez da Igreja o espaço e a qualidade dos afectos”.
Foi este padre singular que eu conheci em 1990. Foi com ele que caminhei pelo município de Machico, testemunhando o carinho com que era saudado pelas suas gentes. Falámos durante horas a fio e dessa conversa saiu uma reportagem intitulada: “O medo é o maior partido da Madeira”, que teve chamada de primeira página no Jornal de Notícias, periódico no qual, então, exercia o meu ofício de repórter.
Ciente de que os jornais nascem e morrem todos os dias, em 2004, integrei essa peça jornalística no meu livro “Português Suave – Cuidado com o Cão”, que partilho, agora, com os nossos leitores. Não por vaidade bacoca, mas como testemunho do exemplar combate do padre Martins Júnior ao soba-show que, durante 37 longos anos, fez do medo o maior partido da Madeira.
Nota:
1 – Historiadora, professora universitária e investigadora, Raquel Varela é autora de “A História do PCP na Revolução dos Cravos” (em 2011), de “História do Povo na Revolução Portuguesa – 1974-75” (em 2014), de “Breve História da Europa” (em 2018) e de “Breve História de Portugal – A Era Contemporânea (1807-2020)” (em 2023), entre outras obras. Tem mais de quarenta livros publicados ou editados. É especialista em “História do 25 de Abril” e também em “História das Revoluções no Século XX”. Foi agraciada com vários prémios, entre eles, o Prémio da Associação Ibero-Americana de Comunicação/Universidade de Oviedo, em Espanha, pelo seu contributo para a História Global do Trabalho e dos Movimentos Sociais. Em 2020, foi distinguida com a bolsa de investigação Simone Veil, Project Europe-Universidade de Munique. É presidente do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho.
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Nota do Director:
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12/12/2024