O desejo de ler nas férias

 O desejo de ler nas férias

(Créditos fotográficos: Ben White – Unsplash)

A leitura requer tempo e uma disponibilidade de concentração total. Uma difícil opção no rodopio com que organizamos (ou nos organizam) a nossa vidinha (na versão do mestre Alexandre O’Neill).

Alexandre O’Neill (alexandreoneill.bnportugal.gov.pt)

E lá vamos fazendo leituras quotidianas, aqui e acolá, apenas do que nos colocam à frente: painéis de publicidade, notícias em rede, legendas na televisão. Enfim, leituras de viés e apressadas que nada têm de escolha pessoal, esperando as férias para exercermos de leitores e para marcarmos encontros com os autores de livros que desejamos ler.

Sabemos que a leitura não vai mudar o Mundo que nos espera após as desejadas férias. Não pode mudar, pois a sua natureza é de espaço de encontro entre quem escreveu frases, palavras, histórias que fixam os séculos, códigos e equações por resolver. E nós, meros leitores curiosos, com apetência para o conhecimento e com desejos de viagem.

E podemos até substituir, durante o resto do ano, a leitura pelo contador de histórias. Podemos escolher livros mais “acessíveis” que se lêem com um olho na página e o outro na televisão ou no vizinho. Escolher – porque não? – um livro que foi escrito e publicado com, apenas, a missão de agradar ao maior número de pessoas. Podemos até consumir um livro-produto que em nada se diferencia de um novo gelado ou de um iogurte misto, para ter conversa informada na comunidade de leitores onde marcamos o ponto enquanto representação de uma actividade social.

António Ramos Rosa (e-cultura.pt)

Sejamos sérios. Muitos dos livros que se publicam, até os que as bibliotecas públicas adquirem com gáudio e publicidade de novidades, não são um relicário de liberdade nem um serviço público de excelência cultural, mas um acto feliz de consumo.

Muitos não passam de um suporte comercial utilizado pelas ideologias dominantes para definir comportamentos e entreter o tempo livre de trabalhadores e funcionários cansados (como bem escreveu António Ramos Rosa).

O mercado (também o dos livros) não tem como função educar, formar ou questionar os problemas do Mundo; mas, sim, vender e transformar em lucro um produto que, apesar de tudo, mantém uma áurea de valor social importante.

Numa comunidade em que o cidadão devia ser mais importante que o consumidor, afinal, o nosso tempo é todo organizado pelo sistema produtivo do lucro traduzido em moeda. E até o lazer e as férias estão transformados em mercado de produtos consumíveis, a cargo de agências especializadíssimas para as quais o “tempo livre” deve ser ocupado por diversões gastronómicas ou por festivais de música, com o apoio incondicional dos municípios.

Livraria Lello, no Porto. (Créditos fotográficos: Ivo Rainha – Unsplash)

Ler como acto de escolha individual, como informação histórica e cultural de cada um – realizado por leitores que utilizam o seu tempo livre para frequentar bibliotecas ou livrarias – é, cada vez mais, uma “resistência à corrente” da formatação global.

(patriciaportela.pt)

Ler livros que a História da Literatura vai preservando do esquecimento, diferencia e alarga o nosso território individual de opinião e de intervenção cívica.

É por isso que a resistência também se organiza perante a escolha dos livros que se levam para férias; como escolhas pessoais que revelam, acima de tudo, a identidade de um(a) cidadã(o) leitor(a).

Perante o que escrevi, só me resta apresentar os livros que me acompanharão nas férias do Verão de 2024:

  • “Dias Úteis”, de Patrícia Portela; e “A República dos Corvos”, de José Cardoso Pires, como releituras imprescindíveis para reforçar a minha resistência à corrente;
Maratona de Leitura, na Sertã.
(maratonadeleitura.pt)
  • “Uma Carta à Posteridade – Jorge de Sena e Alexandre O’Neill”, de Joana Meirim (Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura 2022, em Ensaio), para conhecer melhor dois autores nucleares da Literatura Portuguesa; e “Sempre!”, de Rita Taborda Duarte (com ilustração de Madalena Matoso), da colecção “Missão: Democracia” das Edições Assembleia da República;
  • colecção de 12 títulos dirigida às crianças, com títulos entregues a bons autores e a excelentes ilustradores, que foram apresentados na recente Maratona de Leitura, na Sertã.

A obra “Sempre!” fala do 25 de Abril, Revolução que Rita Taborda Duarte recebeu através da mãe e do pai (o escritor Mário de Carvalho) e que, por meio da escrita, nos conta, agora, uma história familiar que é também uma celebração da Liberdade.

(Direitos reservados)

E para concluir com liberdade, se quiserem conhecer por dentro (e com detalhe) a narrativa histórica (relativa a Novembro de 1975) do “Cerco ao Parlamento – Quando a Assembleia Constituinte e a Democracia Foram Tomadas de Assalto”, de Isabel Nery. Eu empresto o livro a quem o quiser ler.

Bela forma de acabar com a narrativa de que os livros são caros e de que o seu preço comercial constitui um impedimento à leitura.

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01/08/2024

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Elsa Ligeiro

Editora e divulgadora cultural.

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