O dia em que o rei fez anos

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Certamente, muitos de vós lembram-se da música e da canção do grupo Green Windows e de José Cid intitulada “No dia em que o rei fez anos”, que foi concorrente ao XI Grande Prémio TV da Canção, no ano de 1974, que tem os seguintes versos:

Não sei se houve foguetes no ar, nem sei se na época já havia foguetes1, não sei se houve fanfarra, nem sei ainda se José Cid se referia a D. Manuel I. Sei é que, a 31 de Maio de 1515, o rei D. Manuel I fez 46 anos e este dia fez história.
No dia de aniversário, era tradição o rei, que só se mostrava ao povo uma vez por ano, organizar uma procissão pelas ruas de Lisboa.

Neste ano, particularmente, o rei encontrava-se muito entusiasmado em mostrar aos seus súbditos um animal que tinha sido oferecido a Afonso de Albuquerque (governador das Índias Portuguesas) pelo rei Modofar (senhor de Diu) ou sultão de Cambaia2. Todavia, como era impossível manter o animal em Goa, Afonso de Albuquerque decidiu enviar o rinoceronte ao rei D. Manuel I, como presente, anota o jornal Mundo Português.
Era um rinoceronte branco3, quase desconhecido no velho continente, dado que o último de que há registo na Europa data da era romana, mais propriamente do século III.
O problema é que Maio era um mês chuvoso e as ruas da capital se encontravam frequentemente enlameadas. O rei queria mostrar-se ao povo ao pé da jaula do rinoceronte, trajando as suas novas e ricas vestes, mas não as queria ver sujas de lama.
Então, alguém sugeriu empedrar a rua por onde passava o cortejo. Assim se fez e a rua foi empedrada com pedras brancas de calcário e enfeitada com desenhos, a negro, com pedras de basalto.

O dia é histórico por dois motivos. O primeiro porque consta que foi nesse dia que nasceu a calçada à portuguesa. O segundo porque a existência deste animal exótico deu brado por toda a Europa, tendo sido produzida uma xilogravura4 gravada pelo famoso artista alemão Albrecht Dürer. Este artista produziu o seu desenho com base em descrições que lhe foram feitas e, por isso, a representação deste animal ficou muito fantasiosa.

Em Portugal, a visualização do “Ganda” – nome que se atribuía ao rinoceronte, na antiga Índia Portuguesa – também deu brado e ficou registada em pedra numa das guaritas do lado exterior da Torre de Belém, virada para o Tejo. Existe uma outra pequena estátua, menos conhecida, no Mosteiro de Alcobaça.
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Notas da Redacção:
1 – Diz-nos a Wikipédia que os primeiros foguetes foram usados como sistemas de propulsão para flechas, e que podem ter aparecido já no século X na dinastia Song, na China. Porém, segundo evidências documentais mais sólidas não aparecem até o século XIII.
2 – O Sultanato de Guzarate, conhecido como Reino de Cambaia pelos Portugueses, foi um reino independente fundado, no início do século XV (1407-1573), em Guzarate (território integrado na actual Índia), como esclarece a Wikipédia.
3 – No fim do ano, como regista a Wikipédia, o então rei de Portugal, Manuel I, enviou o animal como presente ao Papa Leão X, porém, ele morreu quando o barco em que era transportado naufragou, próximo da costa de Itália (ao largo de Génova, perto de La Spezia), em princípios de 1516.
4 – “Rinoceronte de Dürer” é, segundo a Wikipédia, uma xilogravura gravada pelo artista alemão Albrecht Dürer, no ano de 1515. A imagem foi baseada numa descrição escrita e num esboço, ambos de autoria anónima, de um rinoceronte-indiano que chegou a Lisboa no início daquele ano.
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18/05/2023