Obesidade intelectual

 Obesidade intelectual

Créditos fotográficos: Erik Mclean (Unsplash)

Há pouco tempo, uma das minhas sobrinhas perguntou-me como é que, antes da existência dos computadores, as pessoas faziam para encontrar a informação de que necessitavam. Com grande espanto, ouviu-me dizer que, nessa altura, encontrar informação não era imediato e, nalguns casos, poderia até não ser possível, pois a principal fonte de informação eram os livros, jornais ou revistas, em papel, que poderiam não estar ao alcance de todos.

Hoje, pelo contrário, vivemos num mundo inundado de informação, quer em bruto quer tratada, mais ou menos organizada; e gozamos da extraordinária capacidade para lhe podermos aceder, a qualquer momento com um esforço mínimo. Quantidades até aqui inimagináveis de dados estão agora à nossa disposição. Em muitos casos, nem precisamos de os procurar, já que eles nos são apresentados muito antes de pensarmos que gostaríamos de os ter. Noutros casos, quando se trata de dados muito específicos e/ou especializados, facilmente os podemos encontrar, com apenas algumas pesquisas rápidas, que pronto nos sugerem diversas fontes.

Naturalmente, são enormes os benefícios desta situação. Os grandes volumes de dados agora disponíveis estão na base de áreas tão importantes e atuais como a engenharia e a ciência de dados, cujos objetivos são a extração de conhecimento de extensos conjuntos de dados e a aplicação desse conhecimento na resolução de problemas em variados domínios de aplicação. Mas será que, para o não especialista, mais dados e, nalguns casos, mais informação, significam mais conhecimento e melhor análise e compreensão? Mais frequentemente do que seria desejável, a resposta é negativa.  

Créditos fotográficos: Luis Villasmil (Unsplash)

Costuma dizer-se que a necessidade é a mãe do engenho. Quando não temos algo, definimos um objetivo e empenhamo-nos em arranjar uma forma de o alcançar. Procuramos, estudamos, aprendemos, desenvolvemos, inovamos, trabalhamos e, mais tarde ou mais cedo, ultrapassamos os obstáculos e alcançamos o que pretendemos. É esta a essência do progresso, quer seja ele pessoal, profissional ou de relevância para uma comunidade ou para a sociedade, em geral. Se, pelo contrário, a resposta para tudo se obtém com uma simples consulta, todo o incentivo para o progresso desaparece. De repente, não precisamos de procurar, de pensar, de empreender, de raciocinar nem de compreender; e tudo, na vida, passa a resumir-se a uma simples consulta da Internet. Paradoxalmente, a superabundância de dados torna-nos menos ativos intelectualmente.

Por tudo isto, é fundamental que o gigantesco manancial de dados e de informação que as tecnologias da informação e comunicação põem ao nosso dispor seja por nós utilizado de forma cada vez mais inteligente, para nos estimular a ir mais longe, compreender melhor e questionar mais; e não para assumirmos um papel de meros consumidores passivos de dados, que tantas vezes nos são apresentados de forma incorreta, incompleta ou enviesada. Se não o fizermos, abdicaremos da nossa liberdade para pensarmos pelos próprios meios e rapidamente ficaremos intelectualmente “obesos”.

02/01/2023

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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