ONU aprova envio de ajuda humanitária para Gaza em grande escala

 ONU aprova envio de ajuda humanitária para Gaza em grande escala

Nesta foto, datada de 21 de outubro de 2023, observamos voluntários que participam nas tarefas de embalar a ajuda para a Faixa de Gaza, num centro de doações criado pelo Crescente Vermelho dos Emirados, no Dubai. (voaportugues.com)

Após uma semana de intensas negociações e adiamentos sucessivos, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, a 22 de dezembro, uma resolução que exige o envio de ajuda humanitária “em grande escala” para a Faixa de Gaza.

A resolução, com caráter jurídico vinculativo, apresentada pelos Emirados Árabes Unidos (EAU), teve de ser reescrita várias vezes, ao longo da semana, devido a objeções dos Estados Unidos da América (EUA), que têm poder de veto no organismo e que o exerceram em anteriores votações.

Desta vez, Washington absteve-se, tal como a Rússia (que também tem poder de veto), permitindo a passagem, com 13 votos favoráveis (em 15), da resolução que, ao contrário das primeiras versões, não apela a um cessar-fogo imediato.

No texto, pede-se ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que designe um coordenador especial para monitorizar e verificar o envio de ajuda humanitária ao enclave palestiniano, alvo de constantes bombardeamentos desde o início da guerra, a 7 de outubro, entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas.

A resolução foi aprovada num dia de confrontos violentos na região de Jabalia, com os aviões israelitas a atacar a casa da família Khalla, que acolhia um grande número de deslocados, em Jabaliya al-Nazla, a norte da Faixa de Gaza. O prédio foi destruído pelos aviões. Foram recuperados dos escombros os corpos de 30 palestinianos.

Aviões israelitas atacaram campo de refugiados de Jabaliya. (pt.euronews.com)

Ao mesmo tempo, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu ao líder da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, que continuará a ajuda humanitária à Faixa de Gaza e voltou a pedir que “termine rapidamente o derramamento de sangue”. “A Rússia continuará a fornecer bens essenciais à Faixa de Gaza, incluindo medicamentos e equipamento médico”, afirmou a presidência, num comunicado divulgado após uma conversa telefónica entre os dois líderes.

Na conversa com o homólogo palestiniano, o líder russo deu conta das medidas tomadas pelo Kremlin, para atenuar o conflito entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas, informou o Kremlin. “Tendo em conta os contactos com os líderes dos Estados do Médio Oriente, Vladimir Putin informou sobre as medidas tomadas pela parte russa, para facilitar o desanuviamento do conflito e assegurar a entrega ininterrupta de ajuda humanitária aos necessitados”, declarou a presidência russa.

Por seu turno, o exército israelita avisou os refugiados que vivem no campo de Bureij, no centro da Faixa de Gaza, que se devem deslocar para Deir al-Balah, mais a sul, referindo-se à expansão das operações militares na zona.

Avichai Adrai, porta-voz do exército israelita. (Créditos fotográficos: AFP
2023 / Gil Cohen-Magen – sputniknewsbr.com.br)

Avichai Adrai, porta-voz do exército israelita afirmou, num comunicado, em Árabe, publicado na rede social X, que “as Forças de Defesa de Israel (FDI) estão a agir com força contra o Hamas e [contra] as organizações terroristas”, no âmbito da ofensiva lançada após os atentados de 7 de outubro. Assim, os palestinianos que se encontram no campo de refugiados de Bureij e os habitantes de Badr, Al Nuzha, Al Zahra, Al Buraq, Al Rauda e Al Safa, no sul do vale de Gaza, devem deslocar-se, imediatamente, para os abrigos de Deir al-Balah”, zona que também está a ser bombardeada pelo exército israelita.

Adrai afirmou que vai verificar-se “uma suspensão temporária, local e tática das atividades militares para fins humanitários, no bairro ocidental de Rafah, para que os residentes na zona possam abastecer-se”, perante a escassez de alimentos, de medicamentos e de água. Além disso, frisou que “os combates e o avanço militar do Exército na zona de Khan Yunis [sul] não permitem a circulação de civis através da via Saladino – que liga Gaza de norte a sul – nas secções norte e leste da cidade de Khan Yunis”, pois este eixo “é um campo de batalha”.

Num primeiro momento, a União Europeia (UE) afirmou estar “profundamente chocada” com a situação de fome em Gaza, onde decorre a iniciativa IPC, apoiada pela ONU, relatando que quase toda a população está em insegurança alimentar e que um quarto enfrenta uma situação catastrófica.

Comissário europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarčič.
(portugal.representation.ec.europa.eu)

Num comunicado conjunto, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, e o comissário europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarčič, salientam que esta é uma “situação sem precedentes”, vincando que “nunca nenhuma análise do IPC [Classificação das Fases de Insegurança Alimentar] registou tais níveis de insegurança alimentar em qualquer parte do Mundo”.

Para a UE, a avaliação do IPC, divulgada a 21 de dezembro, denuncia “um acontecimento grave que deve constituir um sinal de alerta para que o Mundo inteiro atue agora para evitar uma catástrofe humana devastadora”.

Para evitar que as pessoas em Gaza morram de fome, sublinham os representantes comunitários, deve ser assegurada a proteção de civis e o acesso de ajuda humanitária e de profissionais de saúde, bem como a distribuição de alimentos em quantidade suficiente.

Também a Comissão Europeia anunciou um pacote de assistência financeira de 118,4 milhões de euros para apoiar a Autoridade Palestiniana, integrado na dotação anual para a Palestina, revista em alta, devido à guerra em Gaza.

Em comunicado, o executivo comunitário indica que a verba irá contribuir para pagamentos de salários e de pensões de funcionários públicos, na Cisjordânia, e de subsídios sociais para as famílias vulneráveis, através do programa de transferência de dinheiro na Cisjordânia e em Gaza. O montante também deverá ser canalizado para o pagamento das transferências de pacientes para os hospitais de Jerusalém Oriental e para o apoio técnico e administrativo às instituições da Autoridade Palestiniana.

A UE é o maior doador de ajuda externa aos palestinianos, num montante de quase 1,2 mil milhões de euros no período 2021-2024, tendo já sido disponibilizados 809,4 milhões.

Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
(consilium.europa.eu)

Mais tarde, a UE saudou o apelo do Conselho de Segurança para a ajuda a Gaza sem obstáculos.  Efetivamente, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, saudou a resolução que apela para a entrada segura e sem entraves de ajuda na Faixa de Gaza. “Acolho com satisfação a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU de uma resolução que apela urgentemente para o fornecimento seguro e sem obstáculos de ajuda à população de Gaza”, escreveu na rede social X (antigo Twitter).

O político belga sublinhou que “era isto que a União Europeia estava a pedir, em consonância com o direito internacional humanitário”. E congratulou-se por “se insistir na necessidade de criar as condições para um cessar-fogo sustentável”.

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Quem não se mostrou inteiramente satisfeito, pouco depois da aprovação da resolução do Conselho de Segurança da ONU, foi o secretário-geral, António Guterres, para quem o “verdadeiro problema” do envio de ajuda humanitária para a Faixa de Gaza é a “forma como Israel conduz a ofensiva” neste enclave palestiniano.

Secretário-geral da ONU, António Guterres. (pt.euronews.com)

“Muitas pessoas medem a eficácia das operações humanitárias em Gaza com base no número de camiões do Crescente Vermelho egípcio, da ONU e dos nossos parceiros que estão autorizados a atravessar a fronteira. É um erro”, declarou Guterres à imprensa em Nova Iorque. “O verdadeiro problema é a forma como Israel conduz a sua ofensiva, que cria obstáculos maciços à distribuição da ajuda humanitária para Gaza”, vincou, adiantando: “Um cessar-fogo humanitário é a única maneira de começar a responder às necessidades desesperadas da população de Gaza e pôr fim ao pesadelo que ela vive.”

A ONU adianta que, desde o início das hostilidades entre o Hamas e Israel, 90% da população da Faixa de Gaza foi deslocada e alerta para o facto de, agora, o mau tempo exacerbar “as preocupações com a propagação de doenças, agravando as condições já de si terríveis”.

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Há resoluções do Conselho de Segurança da ONU respeitadas e implementadas a par de outras sistematicamente ignoradas, dependendo muito do país destinatário. Há quem diga que esta é “uma chamada de atenção” e quem entenda que Israel a cumprirá, por sentir uma maior pressão para o seu cumprimento. 

Se há região que tem sido alvo de resoluções do Conselho de Segurança, essa é o Médio Oriente. São exemplos: o Plano de Partilha de 1947, a resolução que exigia a Israel o fim imediato da política de colonatos nos territórios palestinianos ou a mais recente que pedia pausas humanitárias na Faixa de Gaza. Desta vez, a resolução dá o sim a mais ajuda humanitária à Faixa de Gaza.

Esta resolução apela a pausas humanitárias urgentes e prolongadas e a corredores em toda a Faixa de Gaza, durante um número suficiente de dias, para permitir o acesso humanitário completo, rápido, seguro e sem entraves. A proposta foi aprovada com 13 votos a favor, nenhum contra e duas abstenções: os EUA e a Rússia, embora por razões diferentes. O não ter havido votos contra nem vetos é significativo.

(Créditos de imagem: Yasmin Ayumi / Mundo Estranho – super.abril.com.br)

O Conselho de Segurança desempenha papel crucial na defesa da paz e segurança internacional, papel que lhe é atribuído pela Carta das Nações Unidas. É certo que muitas resoluções, apesar de vinculativas, não são efetivamente aplicadas (basta ter havido veto) e algumas são ignoradas. Porém, as aprovadas devem ser cumpridas pelo país destinatário. Alguns exemplos de resoluções efetivamente implementadas são a resolução relativa à missão de paz na Libéria, a resolução de independência de Timor-Leste, que pôs em funcionamento a administração da região, a resolução de independência da Namíbia e a resolução de paz na Serra Leoa. 

A responsabilidade pelo cumprimento das resoluções recai sobre quem trabalha para a missão da ONU, que tem a responsabilidade de implementar e de prestar contas, e sobre o Conselho de Segurança. No entanto, muitas vezes, as resoluções são tão amplas, em termos objetivos, que quem tem de as implementar estabelece prioridades e acaba por não as realizar na totalidade. Nesses casos (este é um deles), deve ser preparado um plano que define quando é desenvolvido cada objetivo no tempo. E, se o país destinatário ignorar as resoluções, cabe ao Conselho de Segurança decidir obrigar à implementação, modificar a resolução ou ignorar que a resolução não está a ser incrementada e deixar que a missão faça o que puder.

Cessar-fogo traz alívio e ajuda humanitária às populações da Faixa de Gaza. (pt.euronews.com)

Esta resolução que pede ajuda humanitária à Faixa de Gaza é extremamente imprecisa. É mais apelo do que resolução. É uma chamada de atenção para a necessidade de se encontrar resposta para a gravíssima crise humanitária. No entanto, o facto de impor um conjunto de obrigações, como permitir e facilitar a passagem de combustível e de bens essenciais, incluindo a abertura da passagem fronteiriça Karem Abu Salem, pode levar a que Israel venha a cumprir.

Esta resolução reafirma a de 15 de novembro, que pedia pausas humanitárias, e obriga à nomeação de um Coordenador Humanitário e de Reconstrução da ONU que a implemente.

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A resolução em causa constitui um avanço, em relação ao passado (não houve veto da parte dos países que têm o direito de opor), mas um avanço tímido. Com efeito, que adianta uma ajuda em “grande escala”, se os operacionais da ajuda estão permanentemente condicionados pelos bombardeamentos e pela surpresa de outro tipo de ataques, bem como pela necessidade de andarem ao sabor do fluxo de deslocações dos destinatários impostas por Israel?

Sejamos claros: o cessar-fogo nesta época de Natal era o mínimo. Com Israel e, provavelmente, os EUA a garantirem, direta ou indiretamente, os ataques, a resolução do Conselho de Segurança de pouco valerá. Os que morrem, os feridos e os estropiados, os famintos, os doentes, os idosos, as crianças, enfim os que sofrem merecem mais e melhor, que não lhes é dado. Vivem e morrem em condições penosas, a todos os níveis. E é isto a Terra Santa, a Terra de Jesus Cristo!

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28/12/2023

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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