ONU reduz as probabilidades do fenómeno La Niña até ao final deste ano
A Organização das Nações Unidas (ONU) reduziu, ligeiramente, as probabilidades de ocorrência do La Niña, fenómeno meteorológico que provoca temperaturas mais amenas, até final de 2024.
Aprobabilidade de as atuais condições neutras, que prevalecem, darem lugar a um episódio do fenómeno La Niña “chega a 55%, para o período entre setembro e novembro de 2024; e “aumenta para 60%, no período entre outubro de 2024 a fevereiro de 2025”, sublinhou o último relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), organismo da ONU.
Na sua publicação anterior sobre o fenómeno, em junho, a OMM estimava a probabilidade de 60% para La Niña ocorrer, no período de julho a setembro, e a probabilidade de 70%, entre agosto e novembro. Tal como em junho, a OMM estimou que a probabilidade de o fenómeno El Niño – que leva a temperaturas mais altas – voltar a desenvolver-se, neste período, é insignificante.
La Niña refere-se ao arrefecimento, em grande escala, das temperaturas da superfície oceânica, no Centro e Leste do Pacífico equatorial, associado a alterações na circulação atmosférica tropical: ventos, pressão e precipitação. Os efeitos precisos variam consoante a intensidade, a duração, a época do ano em que o fenómeno ocorre, a interação com outros fenómenos climáticos e a região. Nos trópicos, La Niña produz impactos climáticos opostos aos do El Niño. Todavia, como recordou a OMM, estes eventos climáticos naturais “ocorrem, agora, no contexto das alterações climáticas induzidas pelo homem, que estão a aumentar as temperaturas globais, exacerbando condições meteorológicas e climáticas extremas e impactando a precipitação sazonal e os padrões de temperatura”.
Apesar das atuais condições neutras, “observamos uma generalização das condições meteorológicas extremas, incluindo ondas de calor intensas e precipitações devastadoras”, afirmou Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, que encontra nisto razão adicional para tornar o projeto “Alertas Antecipados para Todos”, uma “prioridade máxima para a OMM”. Até ao final de 2027, o objetivo é fornecer a todos os países do Mundo ferramentas adequadas para alertas meteorológicos precoces e eficazes.
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O termo “La Niña” é espanhol e significa “a menina”, em alusão ao antónimo “El Niño” (“o Menino”, em referência ao Menino Jesus). Outros nomes como “El Viejo” ou “anti-El Niño” também foram usados para se referir ao resfriamento, mas La Niña ganhou mais popularidade.
La Niña é um fenómenos natural que, oposto ao El Niño, consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental. Assim como com o El Niño, a sua ocorrência gera uma série de mudanças significativas nos padrões de precipitação e de temperatura ao redor da Terra. As últimas ocorrências com forte intensidade foram registadas em 1988-1989, em 1998-2001, em 2007-2008, em 2010-2012 e em 2020-2023.
Em geral, um episódio La Niña começa a desenvolver-se num certo ano, atinge a intensidade máxima no final desse ano, vindo a dissipar-se em meados do ano seguinte.
Os ventos ascendentes, no Pacífico Central e Ocidental, descendentes, no Oeste da América do Sul, alísios (de Leste para Oeste) próximos da superfície e de Oeste para Leste, em altos níveis da troposfera correspondem à Célula de Walker ou Circulação de Walker, área de constante evaporação que regula o padrão de circulação da convecção originada sobre o oceano.
A circulação geral de larga escala do ar na troposfera é originada pelo desigual aquecimento da superfície do solo. As diferenças de temperatura dos polos e do equador, da terra e do mar originam movimentos do ar muito importantes no tempo meteorológico. À latitude 35º graus norte e sul, a superfície da Terra recebe maior radiação do que a que perde. Já nos polos, a quantidade de radiação absorvida é menor do que a que se perde. Se o calor, não fosse transportado do equador para os polos, o equador tornar-se-ia cada vez mais quente. Se o frio não fosse transportado dos polos para o equador, os polos tornar-se-iam mais frios. A atmosfera é grande agente de transporte de calor, vindo, a seguir, o oceano, que transporta grande parte do calor terrestre.
Entre as mais importantes células de circulação global atmosféricas encontram-se: a Célula de Hadley, circulação no plano vertical-meridional (Sul-Norte); e a Célula de Walker, circulação no plano vertical-zonal (Oeste-Leste). Essas células podem ser observadas nos campos médios anuais e as suas posições médias determinadas a partir de médias temporais de longos períodos (isto é, de vários anos e tipicamente para períodos de 30 anos).
A circulação de Hadley é originada pelo transporte de calor das zonas equatoriais até às latitudes médias, onde a quantidade de radiação solar incidente é, normalmente, muito menor. As células de Hadley estendem-se do equador a latitudes de aproximadamente 30º, em ambos os hemisférios. Este calor é transportado em movimento celular, com o ar a ascender por convecção nas regiões equatoriais e a deslocar-se até às latitudes superiores, pelas camadas atmosféricas mais altas. A subida do ar quente no equador é acompanhada da formação frequente de tempestades convectivas na Zona de Convergência Intertropical. Em situações normais, as águas mais quentes do Pacífico Equatorial Oeste são represadas pela intensificação dos ventos alísios. Com o La Niña, o afloramento aumenta e a termoclina torna-se mais rasa a Leste do Pacífico, enquanto as águas quentes são represadas mais a Oeste do que o normal, alongando a Célula de Walker.
Constante estudada em Oceanografia, a termoclina ou metalímnio é a camada (ou estrato) intermédia da coluna de água, situada abaixo do epilímnio (camada das águas mais quentes e oxigenadas) e acima do hipolímnio (camada que concentra as águas estagnadas, que estão às temperaturas constantes mais baixas da coluna de água), caraterizando-se por variações de temperatura tanto mais acentuadas, quanto maior for a profundidade. Com efeito, à medida que a profundidade aumenta, mais baixam as temperaturas das águas deste estrato.
Em baixas e médias latitudes, abaixo da camada superficial dos oceanos, encontra-se uma camada com máximo decréscimo de temperatura por unidade de profundidade, sendo este gradiente brusco de temperatura denominado de termoclina. As regiões de alta latitude como as regiões polares não apresentam estratificação térmica, observando-se homotermia fria na coluna de água em todo o ano, o que permite a fácil mistura entre as águas superficiais e as águas profundas. A termoclina separa as águas superficiais da camada de mistura das massas de água da zona profunda. Ocorre, tipicamente, entre 300 e mil metros abaixo da superfície. A camada de mistura tem temperatura relativamente uniforme, devido às correntes superficiais, às ondas e às marés.
As águas profundas, mais frias e mais densas, estendem-se abaixo da termoclina até ao assoalho oceânico. Dependendo da latitude, da estação do ano e turbulência causada pelo vento, podem as termoclinas ser permanentes no corpo de água ou temporárias, em resposta ao fenómeno de aquecimento da superfície do mar pela radiação solar e pelo posterior resfriamento, no ciclo nictemeral (dia e noite). A termoclina tem importância na distribuição dos organismos aquáticos, funcionando como barreira para estes, já que as mudanças de temperatura da água acarretam alterações na densidade, na viscosidade, na pressão, na solubilidade no oxigénio, que podem influenciar na flutuabilidade, na locomoção e na respiração dos organismos.
Geralmente, a termoclina coincide com a picnoclina, a camada do oceano em que a densidade aumenta rapidamente com o aumento da profundidade, pois a densidade da água é governada pela temperatura e salinidade. No oceano aberto, a termoclina também é caraterizada por um gradiente negativo de velocidade do som, tornando-a importante em questões submarinas, pois reflete sinais acústicos. Tecnicamente, o efeito é resultado da descontinuidade na impedância acústica da água causada pela súbita mudança de densidade.
A velocidade dos ventos aumenta a intensidade da Célula de Walker, provocando mais chuva no Sudeste Asiático e no Norte da Oceânia e secas na costa oeste da América do Sul, pois impede a convecção do ar. Entre os meses de dezembro e fevereiro, regista-se: o aumento das chuvas e das enchentes na Região Nordeste do Brasil, principalmente no setor norte, à qual correspondem os estados do Maranhão, do Piauí, do Ceará e do Rio Grande do Norte; temperaturas abaixo do normal para o verão, na Região Sudeste do Brasil; o aumento do frio na costa Oeste dos Estados Unidos da América (EUA); o aumento das chuvas na costa Leste da Ásia; e o aumento do frio no Japão. Já entre os meses de junho e agosto, regista-se: inverno árido nas regiões Sul e Sudeste do Brasil; aumento do frio na costa Oeste da América do Sul; frio e chuvas na região do Caribe (América Central); aumento das temperaturas na região Leste da Austrália; e aumento das temperaturas e chuvas na região leste da Ásia.
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Há no Atlântico um fenómeno paralelo. Segundo o Expresso das Ilhas (Cabo Verde), n.º 1189, de 11 de setembro, a época chuvosa deste ano, em Cabo Verde, vai a meio e as previsões não se concretizaram. O país registou uma precipitação média de 47 milímetros de chuva, quando o normal, para a época seriam 244. Porto Novo, São Vicente, Maio, Praia, São Salvador do Mundo, São Lourenço dos Órgãos e Santa Catarina do Fogo são os municípios onde choveu menos.
As primeiras previsões para a época de chuvas deste ano eram animadoras. O Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG) previa, para julho, agosto e setembro, chuvas precoces, com dias sem chuva, curtos e com forte probabilidade de as chuvas serem dentro do normal para a época climatológica, com maior incidência no Sotavento. As primeiras chuvas confirmavam as previsões e, a partir de 8 de julho, houve acumulação de 20 milímetros de chuva.
O que não aconteceu foram as curtas sequências de dias sem chuva. Já em termos das sequências secas, de dias sem chuva, previsivelmente curtas, foram mais longas do que o previsto. Depois do dia 8 de julho, já só voltou a chover, em algumas localidades, talvez um mês depois. Então, as sequências secas foram muito longas, situação que tem afetado todo o país. Mesmo com a chuva que se tem verificado em alguns concelhos, Cabo Verde está muito aquém do previsto. De facto, a média ronda os 244 milímetros, quando a média do território está em 47 milímetros. Olhando para os primeiros dez dias de setembro, já foi possível observar alguma precipitação e de forma mais generalizada.
A 11 de setembro, o INMG emitiu um comunicado sobre uma onda tropical, que passaria pelo arquipélago, levando à ocorrência de precipitação, principalmente, na zona do Sul do arquipélago e em Barlavento Ocidental. Já a previsão para o final de setembro apontava para a redução da humidade e o INMG sustentava não haver “muita precisão na previsão” de que ocorreria chuva. E, em outubro, o país estará, em termos de previsão sazonal, em situação neutra, ou seja, de grande imprevisibilidade no que vai acontecer em outubro.
Uma das explicações para a escassez de chuva está num fenómeno novo, que os especialistas, em todo o Mundo, já designam como La Niña Atlântica, que se desenvolve na zona equatorial e está a arrefecer as águas superficiais do oceano, inibindo “uma convecção mais profunda e mais forte”, favorável à ocorrência de chuva em Cabo Verde. Normalmente, o fenómeno La Niña acontece no Pacífico, mas, neste ano, observa-se “na zona equatorial aqui no oceano Atlântico”, como verifica Denise de Pina, meteorologista e administradora executiva do INMG.
Denise de Pina refere, igualmente, que se estão a verificar “outras condições atmosféricas” que fazem com que as previsões iniciais não se concretizem. Predominam ventos norte e de leste, da costa africana, há ventos secos nos níveis superiores. Observa-se alguma humidade. Sente-se muito calor, o desconforto térmico é muito elevado. Porém, no nível superior, o ar está seco, pelo que não permite o desenvolvimento convectivo forte que favorece a queda de precipitação. Essa é outra das razões por que o ano está a ser anormal.
La Niña Atlântica é a fase fria de um padrão climático natural, modo zonal do Atlântico, que, tal como o ENSO (El Niño-Southern Oscilation), oscila entre fases frias e quentes de poucos, em poucos anos. Normalmente, as temperaturas da superfície oceânica no Atlântico equatorial oriental têm um ciclo sazonal surpreendente. As águas mais quentes do ano ocorrem na primavera, enquanto as mais frias do ano – abaixo dos 25 graus Celsius (25ºC) – ocorrem de julho a agosto. A Terra tem uma faixa de precipitação, em todo o ano, à volta dos trópicos. Impulsionada pelo forte aquecimento solar, esta faixa migra para Norte, no verão no Hemisfério Norte. As tempestades regulares atraem o ar de Sudeste sobre o Atlântico equatorial.
Estes ventos constantes de Sudeste são suficientemente fortes para arrastar as águas superficiais para longe do equador, o que traz para a superfície água fria das camadas oceânicas profundas. Este processo, a ressurgência equatorial, forma uma língua de água fria, ao longo do Atlântico equatorial, nos meses de verão.
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Enfim, mantêm-se os fundamentos de tudo, mas mudam-se os tempos e a Natureza também se muda, por si e por intervenção humana (nem sempre da forma correta). La Niña já não é exclusiva do Grande Oceano; o Atlântico também a quer. Não digam, daqui a 100 anos, que houve colonização de La Niña.
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19/09/2024