“Orfeu e Eurídice”

“Orfeu e Eurídice”, Teatro de Marionetas do Porto. (Créditos fotográficos: Susana Neves)
“Tristeza não tem fim / Felicidade sim”1
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O presente artigo está motivado pela estreia, a 27 de Junho, no Teatro de Marionetas do Porto (TMP), do espectáculo n.º 59, “Orfeu e Eurídice”, numa versão muito particular que conjuga os elementos clássicos do mito com elementos de cultura popular.
Confesso que não me lembro quando tomei conhecimento desta figura mitológica, mas tenho a impressão de que foi muito cedo, na infância ainda – ou contada pelo meu pai, professor de Filosofia, ou pesquisada por mim nos livros sobre mitologia que havia em casa.

Mais tarde, seria o filme “Orfeu Negro”, de 1959, do qual tenho uma muito forte recordação. O enredo, que se inspirava na mitologia grega, foi adaptado e ambientado numa favela do Rio de Janeiro, na época do Carnaval. Eurídice vem fugida do sertão nordestino para morar na favela com a sua prima Serafina. Ela tem medo de um homem que a persegue e a quer matar. Ela não sabe o motivo, mas julga que é por ela lhe ser indiferente ou se mostrar desinteressada.
Na cidade, Eurídice apaixona-se perdidamente por Orfeu, que é noivo da bela e sedutora Mira. Eurídice conhece o Carnaval carioca ao lado de Orfeu, mas fica sempre apavorada e corre quando vê que o tal homem está perto. De certa forma, o frenesim do Carnaval feérico transforma-se no Hades grego.

Realizado por Marcel Camus, o argumento foi adaptado por Camus e Jacques Viot, a partir da peça teatral “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes. A canção “A Felicidade”,de Tom Jobim e Luis Bonfás, iria completar o espírito brasileiro emocionante deste filme ítalo-franco-brasileiro.
No ano de 1999, uma nova versão/remake foi realizada com o título “Orfeu”. Nesta versão, a música é de autoria de Caetano Veloso e de Gabriel O Pensador, que apontam2:

Mais tarde, para mim, seria o filme de Jean Cocteau que revisita, novamente, este tema. O filme é de 1950, mas eu vi-o mais tarde que o primeiro aqui mencionado. Orfeu (interpretado por Jean Marais), famoso poeta (trovador da Trácia) em fase entediada, apaixona-se obsessivamente por uma Princesa (pela actriz Maria Casares), a Morte. Esta, ciumenta, arquitecta a morte de Eurídice (encarnada por Marie Déa), desprezada esposa de Orfeu.

nossocinema.com.br)
A respeito do mesmo filme, a página electrónica “nosso cinema.” regista: “A versão cinematográfica de 1950 não é uma repetição do conto [relato mítico] clássico. […] O espírito da tragédia grega é mantido como uma história de sacrifício, um épico que mescla romance com aventura. Porém, o surrealista Jean Cocteau não quer dar à lenda uma simples adaptação audiovisual; seu roteiro é uma adaptação narrativa também. Quando questiona, no começo, onde e em que época a história se passa, faz com que o espectador perceba tratar-se da França pós-guerra. A tranquilidade do café em que Orfeu se encontra é irrompida por uma confusão geral, quando a polícia entra para pacificar o contexto conflituoso. Trata-se de clara alusão à invasão nazista sofrida pela França, que foi tomada pelas tropas de Hitler.”3
No nosso espectáculo são mencionadas duas óperas, a de Christoph Willibald Gluck e a de Jacques Offenbach, versão irreverente do mito que coloca as personagens no centro do cancan (ou cancã) francês – deliciosa versão que não podia deixar de ser recordada.

Tomando como base o mito de Orfeu, que está presente nos versos 1-85 do Livro X de “Metamorfoses”, de Ovídio, construímos um espectáculo de marionetas que segue o percurso do jovem herói, filho de Apolo (em algumas versões, mas noutras é Eagro), assim como o seu casamento com Eurídice, a morte desta e a tentativa de resgate de Orfeu do Reino do Hades (ou mundo inferior).
O espectáculo interpreta o mito através da riqueza e das propriedades linguísticas e literárias presentes no texto latino que, sem dúvida, conferem maior expressividade ao poema sobre um dos mitos mais célebres da mitologia grega, o mito de Orfeu e Eurídice. Trata-se de uma comovente história de amor, recontada pelo grande poeta latino Ovídio.

Depois de “Fausto de Marlowe”, em 2015, encenado por mim, esta versão de Orfeu compõe um díptico de textos clássicos interpretados pelas marionetas do TMP.

“Orfeu e Eurídice” é também encenado por mim e conta com a minha responsabilidade dramatúrgica, tendo Mário Moutinho na qualidade de assistente de encenação.
O respectivo texto a partir do poema “Metamorfoses”, de Ovídio, é acompanhado pelas marionetas (de Hugo Flores). A cenografia é de Filipe Azevedo, Hugo Flores e João Pedro Trindade. A música original é de João Loio, enquanto o desenho de luz e a sonoplastia ficam a cargo de Filipe Azevedo.
Por sua vez, os figurinos são assinados por Inês Mariana Moitas. Já a personagem da sereia tem mão de Joaquim Pires. A interpretação cabe a

Mário Moutinho, a Micaela Soares, a Flora Miranda e a Vítor Gomes.
Produzido por Sofia Carvalho, este espectáculo é enriquecido pela
construção de marionetas e de adereços por parte de João Pedro Trindade e de Catarina Falcão. Filipe Azevedo orienta a operação de luz e de som.
O espectáculo “Orfeu e Eurídice” pode ainda ser apreciado até ao próximo domingo (7 de Julho). De hoje (quinta-feira) a sábado, começa às 19h00; no domingo, tem início às 16h00. Sempre no Teatro de Belomonte, à Rua de Belomonte (n.º 57), na cidade do Porto. Para mais informações, recorra ao telefone 222089175 ou à seguinte ligação electrónica (link):
https://marionetasdoporto.admira.b6.pt/pos/event/list
Notas:
1 – Canção “A Felicidade”, com letra de Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfa.
2 – “História do Carnaval Carioca”, de Caetano Veloso e Gabriel O Pensador.
3 – Filme assistido durante a cobertura da 11.ª edição do My French Film Festival.
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04/07/2024