Os lobos estão na mira dos governos da UE, aumentando a caça e o abate
A União Europeia (UE) deu um passo em frente no sentido de legalizar o abate ou a caça de rotina ao lobo, com os governos a concordarem, a 25 de setembro, em propor alterações a uma convenção internacional sobre a conservação da vida selvagem, o que ecologistas criticam.
Os diplomatas da UE concordaram, à porta fechada, em votar a favor da apresentação da moção para baixar o estatuto dos lobos, ao abrigo da Convenção de Berna de 1979, sobre a conservação da vida selvagem e dos habitats naturais da Europa, uma proposta apresentada pela Comissão Europeia em dezembro de 2023, tendo ficado agendada, para o dia 26 de setembro, a votação formal. De acordo com fontes diplomáticas, apenas a Irlanda e a Espanha tencionam votar contra e alguns Estados-membros mais pequenos tencionam abster-se.
Os defensores da Natureza denunciaram como “vergonhoso” um acordo de bastidores que levou os governos da UE, à exceção de dois, a aceitarem a proposta da Comissão Europeia para aligeirar a proteção das crescentes populações de lobos na Europa. O facto de a balança pender a favor da posição do executivo comunitário parece ter ficado a dever-se, em grande parte, à Alemanha, a voz mais poderosa no âmbito do sistema de votação ponderada utilizado no Conselho da UE.
De acordo com a proposta, o estatuto do lobo passará de “estritamente protegido” para “protegido”, ao abrigo da Convenção de Berna, o que permitirá à UE alterar a sua Diretiva Habitats para facilitar a proteção da espécie que, de acordo com as regras atuais, só pode ser morta com autorização específica, em circunstâncias atenuantes.
Os grupos ecologistas foram unânimes na condenação da decisão dos governos. “Ao dar resposta a campanhas populistas de alarmismo e ao abandonar os factos e as soluções pragmáticas, tanto a UE como o governo alemão estão a minar ainda mais a democracia e a coesão europeias”, afirmou Sophie Ruysschaert, especialista em recuperação da Natureza da BirdLife Europe.
Para Sabien Leemans, responsável sénior pela política de biodiversidade do Gabinete de Política Europeia do WWF (World Wide Fund for Nature), a medida dá um “sinal desastroso e vergonhoso da Europa”, menos de um mês antes de os líderes mundiais se reunirem na Colômbia para a Conferência das Partes (COP16) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. “Como é que podemos pedir a outras regiões que protejam a sua biodiversidade e vivam com espécies como os tigres, os leões ou os elefantes, quando não conseguimos viver em conjunto com o lobo?”, perguntou Leemans.
Em contraponto, o Partido Popular Europeu (PPE) congratulou-se com a decisão de um acordo intergovernamental que atribui a “anos de pressão persistente” do maior grupo do Parlamento Europeu (PE). “Este é um grande avanço na luta contra o aumento acentuado das populações de lobos, que representam uma ameaça crescente para a agricultura pastoril, o turismo e as comunidades rurais em toda a Europa”, afirmou o eurodeputado Herbert Dorfmann, líder da política agrícola do PPE. E Peter Liese, chefe da delegação do PPE na comissão parlamentar do ambiente, fez eco dos comentários de Dorfmann, afirmando que “as pessoas estão preocupadas com o aumento da população de lobos na Europa”.
A Comissão Europeia congratulou-se com o acordo provisório, frisando que os estados-membros da UE serão obrigados a “manter um estatuto de conservação favorável para a espécie, mesmo após a alteração do estatuto”. “No que diz respeito a quaisquer alterações à legislação da UE, também temos sido muito claros quanto ao facto de estarmos a falar do lobo e apenas do lobo”, disse um porta-voz da Comissão aos jornalistas.
O Copa-Cogeca, o mais poderoso grupo de pressão da agricultura convencional em Bruxelas, saudou o sinal da UE. “Estamos satisfeitos por ver que as instituições da União Europeia estão a ouvir as necessidades dos agricultores e dos habitantes das zonas rurais, apesar das muitas pressões daqueles que, muitas vezes, não têm de lidar com as consequências dos ataques”, afirmou num comunicado.
Depois de aprovada pelos ministros, a proposta da UE deverá ser apresentada numa reunião do Comité Permanente da Convenção de Berna, prevista para o início de dezembro.
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Os ecologistas defendem o lobo em nome da biodiversidade, mas os agricultores e os pastores queixam-se da sua índole predatória (chegam a atacar pessoas). Assim, por exemplo, os agricultores belgas, em setembro de 2023, mostravam-se preocupados com o crescimento das populações de lobos, enquanto os ambientalistas pediam proteção. O debate estava aberto.
Os lobos estavam de volta à Bélgica e a sua presença crescente criou tensões com os agricultores. E o INBO-Instituto de Pesquisa Natural e Florestal captava e publicava imagens de vida selvagem.
Na parte oriental do país nem todos estão felizes com a presença dos lobos. O agricultor Heinen Ludwig possuía 320 vacas na sua quinta e três matilhas de lobos estavam próximas, nas montanhas High Freins. Até então os seus animais não tinham corrido perigo, mas ele estava preocupado. “Se os animais são dilacerados por lobos, isso é uma coisa. Mas, se os lobos deixam nervosos os animais que estão livres no campo, não é possível acalmá-los facilmente, de novo. A minha opinião é clara: se um lobo causa problemas, deveríamos ter poder para eliminá-lo, disparar sobre ele”, sustentava.
Em 2023, um bezerro e várias ovelhas foram mortos por lobos. A líder da associação de agricultores locais, Ingrid Mertes, diz que os lobos não pertencem aos seus campos e defende a reabertura do debate europeu sobre a caça aos lobos.
Entretanto, como foi referido, a Comissão Europeia apelava à revisão do estatuto de proteção dos lobos, pois considera que a população crescente representa um perigo para o gado.
Ingrid Mertes também defende limites: “Os agricultores querem ter apenas o número de lobos que sejam capazes de viver na Natureza e alimentar-se lá. Se os lobos estão a deixar o seu habitat para a área agrícola para atacar os animais, então temos demasiados. É por isso que queremos definir um limite.”
Joachim Mergeay, especialista em vida selvagem do INBO, que acompanha a vida quotidiana dos lobos na Bélgica, dizia que esses animais representam danos económicos mínimos. “A questão não é económica. A questão é sobre como a presença dos lobos me faz sentir como agricultor, como ator rural”, vincava.
Mergeay considera que os contactos entre gado e lobos poderiam ser evitados por meio de cercas. Mas mesmo que a UE reduzisse o estatuto de preservação dos lobos, isso não significaria luz verde para a caça e os problemas dos agricultores permaneceriam. “Sob estes níveis de proteção reduzidos, só se pode caçar, se as populações estiverem numa situação saudável, num estado de conservação favorável. Não estamos lá ainda. Alterar este nível de proteção não significaria que se pudessem caçar estes lobos. As populações destes lobos ainda precisam crescer. E não resolveria nenhum dos conflitos que atualmente estão na base destas questões”, especificava.
Enquanto o debate se torna acalorado, a população de lobos da Bélgica, aproximadamente duas dúzias, é dizimada pelo tráfego rodoviário. Um jovem lobo viveu apenas seis meses, antes de ser atropelado por um carro. Em setembro de 2023, já era o quinto lobo morto nas estradas do país.
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Se a Espanha vota contra a alteração do estatuto do lobo, é coerente com o que tem defendido, a nível interno, e observa a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a segunda proferida no mês de julho deste ano, depois de veredito semelhante na Áustria.
A região de Castela e Leão, no Norte de Espanha, não pode autorizar a caça ao lobo enquanto estiver protegido a nível nacional. O acórdão proferido, a 30 de julho de 2024, significa que o governo da maior das 17 comunidades autónomas de Espanha, liderado, desde 1987, pelo conservador Partido Popular (PP), não pode reconhecer o lobo como captura autorizada para os caçadores, a quem foi concedida uma quota de 339 animais, numa área a Norte do rio Duero (Douro), no período de 2019 a 2021.
O governo de esquerda espanhol alargou a proteção rigorosa a todos os lobos em setembro de 2021, por iniciativa da ministra do Ambiente e nomeada para a Comissão Europeia, Teresa Ribera, mas as exceções regionais podiam continuar a aplicar-se em determinadas circunstâncias. Agora, o TJUE decidiu que a medida é contrária à Diretiva Habitats da UE. “Com efeito, o lobo não pode ser designado como espécie cinegética numa parte do território de um estado-membro, quando o seu estado de conservação a nível nacional é desfavorável”, declarou o tribunal com sede no Luxemburgo.
Juan Carlos Suárez-Quiñones, ministro regional do Ambiente de Castela e Leão, reconheceu a decisão, observando que não houve caça, desde que a lei nacional foi introduzida em 2021, de acordo com a imprensa local. Esta decisão vem na sequência de acórdão semelhante, de 11 de julho, em que o TJUE considerou que não podem ser concedidas derrogações à proibição geral de caça ao lobo ao abrigo da diretiva aplicada pelo Estado federal austríaco do Tirol, a menos que o animal se encontre em estado de conservação favorável, tal como definido na lei, que data de 1992.
Ambos os casos foram submetidos ao TJUE pelos tribunais nacionais, em resposta a processos apresentados por grupos de proteção da Natureza. No entanto, o estatuto de proteção rigorosa de que os lobos gozam em toda a UE pode ser posto em causa, pois a Comissão Europeia anunciou, no final de 2023, tencionar promover uma mudança de categoria, ao abrigo da Convenção de Berna, sobre a conservação da vida selvagem e dos habitats naturais da Europa, uma condição prévia necessária para facilitar a proteção ao abrigo da legislação comunitária.
A Comissão aponta para um aumento do número de lobos para cerca de 20 mil em toda a Europa, mas os críticos acusam o executivo comunitário de basear a sua decisão em provas anedóticas ou mesmo de Ursula von der Leyen ter um ressentimento pessoal depois de um pónei de família chamado Dolly ter sido abatido por um lobo selvagem, em 2022. E, no início de julho, a coordenadora da política ambiental do PPE enumerou a flexibilização do estatuto de proteção dos lobos entre as prioridades políticas do grupo para o próximo ciclo legislativo.
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O lobo é animal carnívoro da família dos canídeos e pertencente ao género canis. Quatro espécies recebem tal designação: lobo-cinzento (Canis lupus), lobo-vermelho (Canis rufus), lobo-etíope (Canis simensis) e lobo-dourado (Canis anthus ou Canis lupaster). O lobo-oriental tem classificação discutível de espécie em si (Canis lycaon), uma subespécie do lobo-cinzento, ou um híbrido do lobo e do coiote. Há outros animais referidos como lobos, mas que pertencem outros géneros: lobo-da-terra (uma hiena), lobo-guará (canídeo distinto), lobo-da-tasmânia (um marsupial), lobo-marinho (um pinípede), cão-selvagem-asiático (em certos locais chamado lobo-da-montanha), hiena-malhada (lobo-tigre), chacal-dourado (lobo-da-cana), coiote (lobo do mato) e graxaim-do-mato (chamado variavelmente lobinho, lobete ou só lobo).
Os lobos ostentam porte maior do que as demais espécies de canídeos, além de terem ampla distribuição geográfica. Exibem certas habilidades sociais, tendo um espécime-casal de espécimes reprodutor(es) como líder(es). São, geralmente, predadores de alto nível trófico, sendo apenas o lobo-dourado mesopredador. As espécies variam em porte, sendo a menor delas o lobo-dourado, vivente no continente africano, e a maior o lobo-cinzento, vivendo, maiormente, no Hemisfério Norte e sendo também o maior canino selvagem da atualidade.
Todos os lobos são grandemente comunicativos e sociáveis, com todas as espécies podendo gerar descendência fértil entre si. São bastante aparentados entre si e próximos do cão-doméstico. São presentes no imaginário humano e associados à predação de animais domésticos, mesmo que não sejam os maiores responsáveis pelas perdas.
Enfim, protegê-los, mas com cautela!
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26/09/2024