Os Taveiras do “Cerco”

 Os Taveiras do “Cerco”

Porto (Créditos fotográficos: Tiago M. –pt.foursquare.com)

O senhor Taveira exerceu a profissão de carteiro na segunda metade do século XX. Entregando cartas e encomendas a habitantes do Bairro da Sé do Porto, do Bonfim e das Fontainhas. Em dias de canícula e em dias de bater o dente. Meão de altura e entroncado, o carteiro Taveira foi cidadão respeitado pelos proletários da Sé e pelos burgueses das casas apalaçadas da Avenida Camilo e da Avenida Rodrigues de Freitas.

Bairro da Sé, no Porto. (Créditos fotográficos: Rita Almeida – ulpinfomedia.pt)

A família do senhor Taveira vivia numa pequeníssima casa de uma “ilha” da Rua das Fontainhas. Sem as mínimas condições de habitabilidade. A humidade escorria pela suas paredes de saibro e apenas havia uma “latrina” para todos os habitantes da “ilha”. Os “Taveiras”, tal como todos os outros habitantes das “ilhas” da cidade, eram gente pobre. Condenada a viver em condições precárias e insalubres.

Fontainhas, no Porto. (Créditos fotográficos: Nuno Morão – pt.wikipedia.org)

Um dia a Câmara Municipal obrigou-os a deixar a sua “ilha”, os vizinhos e amigos de uma vida. E, num abrir e fechar de olhos, viram-se num dos 804 fogos do recém-construído Bairro do Cerco do Porto. Corria o ano de 1963. A senhora Ana e o senhor Taveira entristeceram de morte. E os miúdos deixaram de ter por perto as amigas e os amigos das “Fontainhas”, com quem partilhavam brincadeiras e sonhos.

O Bairro do Cerco do Porto transformou-se, rapidamente, num gueto multiétnico. E os seus habitantes olhados como marginais. Os netos do senhor Taveira também foram vítimas desse preconceito. Ao longo das suas vidas, raros foram aqueles que lhes deram trabalho certo e com direitos. Tal qual aconteceu a muitos dos seus vizinhos. Lamentavelmente, 50 anos depois do “25 de Abril”, há milhares de cidadãos sem direito a ter uma vida justa. E sem justiça não há paz! 

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Nota final:

A fracassada “manif” do Chega não foi para apoiar a Polícia. O seu objectivo foi outro: servir-se da Polícia. E para Ventura e o deputado Pinto dizerem-se ameaçados pelas leis de um Estado que, fazendo tábua rasa da sua Constituição, lhes permite odiar migrantes, portugueses negros e de etnia cigana.

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28/10/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

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