Os Yanomami

 Os Yanomami

(survivalbrasil.org)

As imagens que circulam do povo Yanomami, abandonado à própria sorte na sua terra invadida por garimpeiros ilegais, causam comoção nas redes. E elas são mesmo indignantes. Mas, há que dizer, o grito indígena não é de hoje.

(Créditos fotográficos: Ricardo Stucker)

Desde o primeiro dia de governo de Jair Bolsonaro, em 2019, ele elegeu os povos originários para inimigo principal. Um de seus primeiros atos foi tirar a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) do Ministério da Justiça e depois, sistematicamente, foi destruindo todos os órgãos de cuidado com os indígenas. Havia prometido aos seus apoiadores – mineradores, fazendeiros, grileiros – que as terras originárias seriam exploradas e os indígenas expulsos, para formarem exército de reserva nas periferias das cidades. “Índio tem de trabalhar”, dizia o ex-presidente.

E assim foi durante quatro anos. Cada ataque, cada avanço do garimpo, dos latifundiários, dos bandidos armados, era denunciado pelas entidades indígenas. Nenhum eco nas grandes redes de TV. E o tema só circulava em pequenos círculos de apoiadores. Assassinatos, estupros, desaparecimentos, violências, tudo acontecendo sem repercussão.

Nem mesmo durante os dois desastrosos anos da pandemia do coronavírus os povos originários conseguiram dar visibilidade aos seus dramas. Perdidos no meio da floresta ou nas comunidades, eles resistiram como puderam. Não sem luta. Não sem luta… Quase todos os dias, uma denúncia, mas nenhum meio de comunicação de massa lhes ouviu o grito.

Perdidos no meio da floresta ou nas comunidades, eles resistiram como puderam. (Créditos fotográficos: Fiona Watson/Survival)

Como sempre acontece, fizeram marchas, acampamentos, diversos atos. E nada! Então, lá foram eles para o estrangeiro, buscar apoio, porque aqui dentro era pouco e insuficiente. Viajaram para a Europa, para os Estados Unidos, tentando encontrar aliados para fazer parar a máquina de morte montada contra eles. Chegaram – ingenuamente ou não – a pedir ajuda ao presidente Joe Biden, que, de certa forma também ignorou, porque Bolsonaro tampouco lhe dava bola. E assim foram caindo os indígenas nos cantões do Brasil.

Agora, com o novo governo, o grito escapou da floresta. De repente, como o presidente da nação (Lula da Silva) decidiu ele mesmo ir ver de perto o horror, os meios de comunicação de massa, que são concessões públicas, decidiram ver. E as imagens aparecem, mostrando crianças desnutridas, velhinhos em último estágio de magreza. Aparecem também os números dos mortos: centenas… Pessoas envenenadas pelo mercúrio do garimpo ilegal, pessoas famintas, crianças mortas.

Os Yanomami são uma comunidade de mais de 30 mil almas que vive na maior área de terra indígena do Brasil.
(Créditos fotográficos: Fiona Watson/Survival)

Os Yanomami são uma comunidade de mais de 30 mil almas que vive na maior área de terra indígena do país. Uma área cobiçada, desejada e que foi aberta para os ladrões. Invasores protegidos pelo Estado, que abandonou a fiscalização deliberadamente. Então, tudo isso que se vê hoje poderia ter sido evitado. Se a imprensa tivesse escutado o grito. Se os governantes tivessem escutado o grito. Se deputados e senadores tivessem escutado o grito. Se a sociedade organizada tivesse escutado o grito.

Yanomamis exibem sinais de desnutrição e de doenças como verminoses. (www1.folha.uol.com.br)

Com a chegada das equipas do Sistema Único de Saúde (SUS), o estado da comunidade Yanomami veio à tona. E o governo agiu com rapidez. É fato que os mortos, caídos nos últimos quatro anos, não voltarão. Mas, os que já estavam na beira da grande travessia poderão escapar. Já chegaram os médicos, a comida, o apoio necessário. Isso é bom. Ocorre que o garimpo segue lá, em outros espaços da floresta, em outras terras indígenas, matando, estuprando, violentando. Sendo assim, há que fazer mais. Há que parar os invasores, os grileiros, bem como os assassinos e bandidos que continuam sugando a terra e a vida dos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Há que ir a todas essas comunidades, porque, lá, eles sabem o nome e o sobrenome dos algozes. E essa gente precisa de ser parada.

Assim como não aceitamos anistia para os governantes que permitiram esses crimes, também não pode haver condescendência para os que seguem burlando a lei e destruindo vidas.

23/01/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

Outros artigos

Share
Instagram