Páscoa de 2025

(Créditos fotográficos: Clemens van Lay – Unsplash)
São várias as histórias que se contam sobre a tradição de oferecer ovos nesta data. Desde as origens, na Mesopotâmia, passando pelos Egípcios e chegando até nós. Os ovos ficavam guardados durante uma semana e, pintados ou não, eram oferecidos às crianças. Com a introdução do chocolate (ou do cacau, mais tarde na Europa, trazido das Américas, particularmente do México, ao qual se adicionou o leite – refira-se que os Astecas chamavam “xocolatl” a essa bebida feita de cacau, o que significa, literalmente, “água amarga”) a indústria produziu massivamente todos os objectos e formas imagináveis tendo como base este rico produto.

Os ovos subiram e estão mais caros. As panificadoras e confeitarias queixam-se se da gripe das aves nos Estados Unidos da América (EUA). A Língua Azul nos animais (também conhecida como Febre Catarral Ovina) encarece o cabrito tradicional… E, quando escrevia este texto, eu supunha que o Papa, muito doente, não estivesse presente nas cerimónias. No entanto, na manhã de domingo, Francisco ainda participou em alguns momentos da tradicional Missa de Páscoa, no Vaticano, e pediu ao bispo Diego Ravelli que lesse a sua mensagem na bênção Urbi et Orbi, parcialmente alusiva à guerra na Faixa de Gaza. Como informa, por exemplo, o jornal Público (na edição de 21 de Abril), o Papa apelou: “A luz da Páscoa convida-nos a derrubar as barreiras que criam divisão e estão carregadas de consequências políticas e económicas.”
Enfim, eu antevia uma Páscoa mais pobre. Francisco morreria no dia seguinte (segunda-feira), aos 88 anos. De facto, ficamos todos com um grande sentido de perda com o falecimento de Jorge Mario Bergoglio, o “Papa favorito do povo e dos ateus”.

E o que se comeu na Última Ceia, momento sublime da Paixão de Cristo? Nenhum dos evangelistas — Marcos (14:12-25), Mateus (26:17-29), Lucas (22:7-23) e João (13:21-30) — diz nada sobre aquilo que foi servido numa reunião tão importante. Dispomos, apenas, de algumas breves menções ao pão sem fermento, ao vinho e ao cordeiro, alimentos típicos da Páscoa judaica. Mas deveria haver algo mais naquela mesa. Com certeza, não seriam ovos de chocolate. A modesta e frugal mesa deve ter contemplado as frutas da época, os frutos secos e as verduras.
Entre as muitas histórias que se contam sobre os coelhos, uma delas narra que um deles foi testemunha da Ressurreição do Cristo e que, célere como o de “Alice no País das Maravilhas”, correu dando a boa nova!
Mas não pode haver Páscoa sem Bach. Certamente, muitos de nós ouvimos na rádio ou num canal televisivo, a obra desse magnífico músico oriundo do Sacro Império Romano-Germânico (actual Alemanha), que dedicou – não apenas ele (Johann Sebastian Bach), mas também a sua família – à música sacra.

Em Madrid, o actor espanhol Carlos Hipólito interpreta, no palco, o compositor e violoncelista Pau Casals, no momento ou quando este se negou tocar para Adolf Hitler. A peça chama-se “Música para Hitler”. Recorde-se que, no dia 3 de Novembro de 1943, Pau Casals, o grande violoncelista catalão, recebeu na sua casa, em Prades (uma pequena cidade no Sul da França, onde se exilou após a Guerra Civil), a visita de um grupo de oficiais nazis que transmitiu o convite de Hitler para tocar em sua homenagem. Casals, então com 66 anos e sofrendo de depressão grave, recusou o convite perturbador, sem que isso tivesse consequências negativas para ele.

em Madrid. (Créditos fotográficos: Cláudio Álvarez – elpais.com)
Não se sabe o que aconteceu naquela tarde, durante o encontro com os nazis. A partir deste acontecimento real, Yolanda García Ramos e Juan Carlos Rubio entram no território da ficção e da imaginação para escrever “Música para Hitler”, peça que, como escreveu Rocio García no jornal El País (na edição de 11 de Abril), esteve a ser apresentada nos Teatros del Canal (centro de artes cénicas localizado em Madrid), até 20 de Abril (recente domingo), e dirigida pelo próprio Rubio, com o actor Carlos Hipólito, como intérprete.

Grützmacher. (Fundo Pau Casals – revista-liber.org)
O actor lembra, no artigo citado: “Numa gravação musical da Suíte para Violoncelo n.º 1 de Bach, ouve-se soluçar Casals enquanto toca. Era um homem muito empenhado e permeável a tudo o que o rodeava, o que lhe causou inúmeras depressões ao longo da vida. Bach tornou-se, graças a Casals, um símbolo de liberdade [n]as tentativas do regime nazi.”
Num anterior artigo de opinião no jornal sinalAberto (em 11 de Maio de 2023), intitulado “Os três Pablos”, eu já tinha recordado a figura extraordinária de Pau Casals, músico e compositor cujas interpretações de Bach são das mais celebradas e registadas discograficamente.
A propósito, registo o que assinala o musicólogo Fernando Álvarez del Castillo sobre Pau Casals (1876-1973): “Música em defesa da liberdade, a sua luta pela paz, liberdade e direitos humanos através da música. Fundamentais para a memória da música do século XX são a composição de ‘O Presépio’ e a interpretação pelo violoncelista das ‘Seis Suítes Completas para violoncelo solo’ de J. S. Bach. ‘O homem deve viver em liberdade’, exclamou Casals.”


No ano 2005, George Clooney realizou o filme “Boa Noite e Boa Sorte” (“Good Night, And Good Luck”). O título original do filme é uma referência à frase com a qual o jornalista norte-americano Edward (“Ed”) Roscoe Murrow encerrava todos os seus programas. Foi um pioneiro das transmissões de notícias pela televisão, produziu uma série de reportagens televisivas que conduziram à censura do senador Joseph McCarthy e à sua consequente decadência, bem como a reversão de parte das perseguições políticas que provocou, fazendo, em quase uma década (1950/1957), uma das épocas mais negra da História dos EUA. Neste momento, Clooney assume na Broadway, ele próprio, numa versão teatral, a figura do jornalista que levara ao cinema.
No Porto, de 10 a 13 de Abril, subiu ao palco do Teatro Carlos Alberto (Teatro Nacional São João – TNSJ), numa produção da companhia de teatro Os Possessos (de Lisboa e Almada), a peça de Roger Vitrac, “Victor ou as Crianças no Poder”, peça escrita em 1928, e estreada entre guerras, e que se reporta ao período anterior à Grande Guerra.
O Programa de Sala, como sempre no TNSJ, de excelente documentação, publica duas cartas emblemáticas sobre este texto e autor. Uma de Antonin Artaud (o pai da teoria denominada “Teatro da Crueldade”), que encenou a peça em Dezembro de 1928, no Teatro Alfred Jarry (teatro que Artaud fundou com Roger Vitrac e Robert Aron). E outra carta emblemática é o texto “Cher Vitrac”, artigo em forma de carta endereçada a Roger Vitrac, pelo dramaturgo francês Jean Anouilh (1910-1987), publicado no jornal Le Fígaro, em 1 de Outubro de 1962, dois dias antes da estreia da sua decisiva encenação de “Victor ou as Crianças no Poder”, no Théâtre de l’Ambigu-Comique, como esclarece a edição de 5 de Novembro de 1962 de L’Avant-Scène Théâtre (n.º 276), com tradução de Fátima Castro Silva.

A primeira vez que vi esta peça foi, ainda no Chile, pelo Teatro Nacional. Mais próxima da minha juventude, lembro-me da personagem do menino Victor, que, no dia do seu nono aniversário, descobre violentamente todo o Conhecimento e a Morte… Tão perto de um Hamlet em miniatura que vai crescendo no decorrer da acção.
Como dizem os Ingleses: “Last but not least”. Assim, por último, mas não menos importante falo ainda do Centro Democrático D’Instrução Latino Coelho, fundado em 9 de Outubro de 1906 e que recupera, neste ano (2025), a actividade teatral que surgiu no final da década de 70, tendo proporcionado, sobretudo aos Latinistas e às colectividades gaienses, momentos de vivência inesquecível, que decorreram até aos anos 90. Em Setembro de 2024, o associado António Marques teve a ideia empolgante da recriação. E, para isso, convida o encenador e autor David Alves a aceitar o desafio para uma criação cénica. O resultado é “D.ª Maria da Autarquia”, texto humorístico de autoria de David Alves, que retrata o dia-a-dia numa junta de freguesia. No dia 12 de Abril, assisti à representação e constatei o êxito da actuação junto de uma plateia de mais de sessenta associados. Parabéns!
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Na morte de Vargas Llosa (1936-2025)
O início do livro “Conversa na Catedral” é considerado uma das melhores aberturas de um romance. Santiago Zavala, o protagonista, abre o romance fazendo a si mesmo uma pergunta: em que momento o Peru se jodió (sic)? Este romance, publicado em 1969, coloca uma pergunta muito prematura na história do autor e na História do seu país… Basta lembrar que, na última década, o Peru teve quatro presidentes presos por denúncias de corrupção, todos por envolvimento no escândalo do caso da construtora brasileira Odebrecht, que foi investigado pela Operação Lava Jato. Um deles, Alan García, cometeu suicídio após ter sido alvo de mandado de prisão, em 2019. E o ex-presidente peruano Alberto Fujimori foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a Humanidade, tendo recuperado a liberdade, pouco antes de morrer, amparado por um indulto concedido por razões humanitárias, apesar da contestação da justiça interamericana.

Por conseguinte, mais tarde, “tentando encontrar uma resposta para a sua própria pergunta, o autor diria que não houve um momento específico, mas sim que houve vários momentos ao longo da sua história”.
O autor peruano transcendeu a realidade do seu país e da América Latina, transformando-se num autor universal ao qual devemos importantes obras literárias. Não podemos esquecer também a incursão dramática de Vargas Llosa, intitulada “La señorita de Tacna”, publicada pela Editorial Seix Barral, em 1981. É talvez a sua peça mais famosa. Foi estreada em Buenos Aires, no Teatro Blanca Podestá1, então, protagonizada pela famosa actriz argentina Norma Aleandro, com encenação de Emilio Alfaro.
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Nota:
1 – Antigamente, era chamado Teatro Smart, na Avenida Corrientes, em Buenos Aires. Foi aqui que Carlos Gardel e Federico García Lorca se conheceram em 1933. Em 1967, quatro meses após a morte da actriz Blanca Podestá, o teatro mudou o seu nome em sua homenagem. Pela primeira vez na Argentina, um teatro recebeu o nome de uma actriz.

24/04/2025