Passo determinante nos direitos cívico-políticos das mulheres nos EUA

As sufragistas femininas desfilam na cidade de Nova Iorque, em 1917, carregando cartazes com as assinaturas de mais de um milhão de mulheres. (pt.wikipedia.org)
Estamos a falar da 19.ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América (EUA), que reconheceu às mulheres a conquista do direito de votar. Isto aconteceu há mais de um século, mas o acesso ao voto nunca foi igual.
No sexagésimo sexto Congresso dos Estados Unidos da América, na Primeira Sessão, iniciada e realizada na cidade de Washington, na segunda-feira, dia dezanove de maio de mil novecentos e dezanove, foi decidida a “Resolução Conjunta” em que se propunha “uma emenda à Constituição estendendo o direito de sufrágio às mulheres”.

Considerando o referido documento, foi resolvido “pelo Senado e pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América reunidos no Congresso (com a concordância de dois terços de cada Câmara), que o seguinte artigo é proposto como uma emenda à Constituição, que será válida para todos os efeitos como parte da Constituição, quando ratificada pela legislatura de três quartos dos vários estados”.
Assim, o “direito dos cidadãos dos Estados Unidos de votar não será negado ou restringido pelos Estados Unidos ou por qualquer estado por conta do sexo”, adiantando-se que o “Congresso terá o poder de fazer cumprir este artigo por meio de legislação apropriada”.
***

Uma única frase transformou os direitos civis das mulheres nos EUA. Foi o artigo I da 19.ª Emenda, que garantia que “o direito dos cidadãos dos Estados Unidos de votar não será negado ou abreviado pelos Estados Unidos ou por qualquer estado por conta do sexo”. Aprovada pelo Congresso, a 4 de junho de 1919, e transformada em lei, a 18 de agosto de 1920, a emenda deu às mulheres poder político, mais de 130 anos depois da fundação da nação. Foi o culminar de um século de agitação pelo sufrágio feminino.
Na década de 1840, as mulheres organizaram-se num esforço coordenado para ganhar o voto. O objetivo parecia quase impossível. Quando a sufragista Elizabeth Cady Stanton organizou, em 1848, a primeira convenção pelos direitos das mulheres, em Seneca Falls, no estado de Nova Iorque, o direito ao voto, era apenas um da litania de direitos barrados às mulheres. Eram desencorajadas de aparecer ou de falar em público.

As suas vidas eram controladas pelos maridos, pelos irmãos e pelos pais, de modo que a maioria das mulheres não podia herdar nem possuir propriedades, nem assinar contratos, nem trabalhar fora de casa e nem receber educação. Porém, mulheres em todos os estados que compõem os EUA lutaram, organizadas, pelo direito de votar. “Nunca haverá igualdade completa, até que as próprias mulheres ajudem a fazer leis e a eleger legisladores”, escreveu a sufragista Susan Brownell Anthony, cujo sentimento foi vivido por gerações de sufragistas, cuja luta pelo voto foi longa e muito difícil.

Algumas votaram ilegalmente e foram presas; outras acorrentaram-se aos portões da Casa Branca e recusaram trabalhar; e outras entraram em desobediência civil não violenta e até violenta.
Os primeiros sucessos ocorreram no Oeste, onde alguns legisladores esperavam que, reconhecendo à mulher o direito de voto, atrairiam mais mulheres para territórios, como Wyoming, Colorado e Utah. Todavia, as vitórias iniciais não resultaram em que os homens viessem a entregar o voto às mulheres; ao invés, elas foram travadas, durante muito tempo.
Apesar de o sufrágio local ter sido aberto, embora lentamente, às mulheres, em muitos estados, as sufragistas continuaram na luta pelos direitos de voto nacional, ao longo do século XIX. Zombadas, presas, espancadas e alimentadas à força, desafiaram os estereótipos sobre a propriedade feminina. E, no início do século XX, as sufragistas focaram-se numa emenda constitucional. Usando táticas, como grandes desfiles e um piquete de anos, na Casa Branca, lentamente inclinaram a opinião pública para o direito de voto para as mulheres.
Foi introduzida uma emenda de sufrágio, pela primeira vez, em 1878, mas o Congresso demorou 41 anos a enviá-la aos estados, para ratificação.

favor do voto feminino. (pt.wikipedia.org)
A 19.ª Emenda abriu para a influência política das mulheres, mas nem todas compartilharam o sufrágio, durante algum tempo. Mulheres negras foram, frequentemente, barradas de pesquisas, em boa parte do século XX; e mulheres nativas americanas e asiático-americanas enfrentaram barreiras de cidadania, durante muitos anos.
A emenda não garantiu, expressamente, diretos iguais; as mulheres ainda enfrentavam disparidades sociais significativas, em comparação com os homens; uma emenda proposta que garantia às mulheres proteção igual, sob a Constituição, ainda não se tornou lei; e, em abril de 2023, uma medida para estender o prazo de ratificação falhou no Senado, com 51 senadores a aprovar tal extensão, quando a medida precisava de 60 votos para entrar em vigor. Contudo, embora as mulheres sejam superadas, em número, em cargos públicos, de três para um, e os EUA não tenham elegido uma mulher presidente, as mulheres votam em maior número do que os homens.
***
Como já foi referido, a Resolução Conjunta do Congresso que propunha uma emenda constitucional a estender o direito de sufrágio às mulheres foi aprovada, a 4 de junho de 1919, e ratificada, a 18 de agosto de 1920.

(pt.wikipedia.org)
A 19.ª Emenda garante, legalmente, às mulheres americanas o direito de votar. Alcançar esse marco requereu longa e difícil luta e a vitória levou décadas de agitação e de protesto. Várias gerações de apoiantes do sufrágio feminino deram palestras, escreveram, marcharam, fizeram lobby e praticaram a desobediência civil para alcançar o que os norte-americanos consideravam uma mudança radical da Constituição. Poucos apoiantes iniciais viram a vitória final, em 1920.
A partir dos anos 1800, as mulheres organizaram-se, fizeram petições e piquetes, para ganharem o direito de votar, mas levaram décadas a atingi-lo. Entre 1878, quando a emenda foi apresentada, pela primeira vez, no Congresso, e 18 de agosto de 1920, quando foi ratificada, os defensores do direito de voto das mulheres trabalharam, incansavelmente, mas as estratégias para atingir o objetivo variaram. Alguns seguiram a estratégia da aprovação de leis de sufrágio em cada estado, tendo nove estados ocidentais adotado a legislação de sufrágio feminino, em 1912; outros desafiaram as leis de voto exclusivamente masculino nos tribunais; algumas sufragistas usaram táticas mais confrontacionais, como piquetes, vigílias silenciosas e greves de fome. Muitas vezes, os apoiantes encontraram resistência feroz. Os oponentes importunaram-nos, prenderam-nos e, às vezes, abusaram fisicamente deles.


(pt.wikipedia.org)
Em 1916, quase todas as principais organizações de sufrágio estavam unidas em torno do objetivo da emenda constitucional. Quando Nova Iorque adotou o sufrágio feminino, em 1917, e o presidente Wilson mudou a sua posição, para apoiar uma emenda, em 1918, o equilíbrio político começou a mudar. Em 21 de maio de 1919, a Câmara dos Representantes aprovou a emenda e, duas semanas depois, o Senado seguiu-a. Quando o Tennessee se tornou o 36.º estado a ratificar a emenda, a 18 de agosto de 1920, a emenda passou pelo seu obstáculo final, o de obter o acordo de três quartos dos estados. O secretário de Estado, Bainbridge Colby, certificou a ratificação em 26 de agosto de 1920, mudando a face do eleitorado americano para sempre.
Apesar de a campanha pelo sufrágio feminino ter sido longa, difícil e, às vezes, dramática, a ratificação não garantiu a emancipação total. A luta para incluir afro-americanas e outras mulheres de minorias na promessa de direitos de voto continuou durante muito tempo. Muitas ficaram incapazes de votar até ao século XX, por causa de leis eleitorais estaduais discriminatórias.
***
Quando se trata do sufrágio feminino e da 19.ª Emenda, emergem dois mitos concorrentes: o primeiro sustenta que, ao tornar-se lei a emenda, em 1920, todas as mulheres americanas ganharam o voto; o segundo entende que nenhuma mulher negra americana ganhou o voto, então.
Os direitos de voto, na América, que sempre nasceram da luta e das batalhas das mulheres que lutaram, há 100 anos, por um direito constitucional e contra as leis segregacionistas e discriminatórias de Jim Crow, no Sul, ecoaram em 2020, enquanto as mulheres americanas continuavam a trabalhar contra a supressão de eleitores e pelo acesso total às urnas.

Woodrow Wilson, publicada no The Suffragist, em 3 de
outubro de 1917. (pt.wikipedia.org)
Em 26 de agosto de 1920, quando o secretário de Estado dos EUA certificou que a 19.ª Emenda à Constituição havia sido ratificada pelos 36 estados necessários, tornou-se a lei da terra: “O direito dos cidadãos dos Estados Unidos de votar não será negado ou abreviado pelos Estados Unidos ou por qualquer Estado por conta do sexo.”
A letra da 19.ª Emenda, não garantiu o voto a nenhuma mulher, mas as leis que reservavam o voto aos homens tornaram-se inconstitucionais. As mulheres ainda teriam de viajar por um labirinto de leis estaduais – com base na idade, na cidadania, na residência, na competência mental e em muito mais – que poderiam mantê-las longe das urnas. Assim, as mulheres que se foram recensear, para votarem no outono de 1920, enfrentaram muitos obstáculos. O mais significativo foi o racismo. A 15.ª Emenda proibiu, expressamente, os estados de negarem o voto por causa da raça. Porém, em 1920, as legislaturas no Sul e no Oeste estabeleceram leis que tiveram o efeito líquido de privar os negros americanos. Impostos eleitorais, testes de alfabetização e cláusulas de avô impediram muitos homens negros de votarem. E a intimidação descontrolada e a ameaça de linchamento conduziram a um acordo.
Com a aprovação da 19.ª Emenda, as mulheres afro-americanas permaneceram tão privadas de direitos como os seus pais e os seus maridos, em muitos estados.

No outono de 1920, muitas mulheres negras apareceram nas urnas. Os seus números eram “excecionalmente grandes”, em Delaware, no Condado de Kent, de acordo com o Wilmington’s News Journal, mas as autoridades rejeitaram mulheres negras que “não cumpriam os testes constitucionais”. Em Huntsville, no Alabama, “apenas meia dúzia de mulheres negras” estavam entre as 1445 pessoas de todas as raças e géneros que foram recenseadas, como relatou jornal afro-americano Voice of the People, de Birmingham. A explicação era clara: as autoridades aplicaram, “praticamente, as mesmas regras de qualificação para [mulheres] que são aplicadas a homens de cor”.
Em Savannah, na Geórgia, as autoridades impuseram a letra da lei: “Muitas mulheres negras se recensearam aqui, desde que a emenda do sufrágio entrou em vigor”, relatou o Hamilton Evening Journal, de Ohio, mas os juízes eleitorais decidiram que elas não tinham direito ao voto, por causa de uma lei estadual que exige o recenseamento, seis meses antes de uma eleição. Isso significava que nenhuma mulher, no estado da Geórgia, poderia votar (muito pouco tempo se havia passado entre a ratificação da 19.ª Emenda e o dia da eleição, em 1920). Essa era a leitura da lei destinada a suprimir os votos das mulheres negras, pois “nenhuma mulher branca se apresentou nas urnas”, conforme observou o jornal.
No entanto, muitas mulheres negras conseguiram votar, em 1920. Algumas já vinham a exercer esse direito, durante vários anos, em estados, como a Califórnia, Illinois e Nova Iorque, onde o sufrágio feminino se tornou lei, antes da ratificação da 19.ª Emenda. E ainda mais se recensearam e votaram após a sua aprovação.

A disputa política de 1920 começou para as mulheres negras, meses antes da eleição de novembro. Se esperavam votar, teriam de colocar os seus nomes nas listas. Quando os recenseadores abriram os livros para as mulheres, naquele outono, muitas mulheres negras, mobilizando a sua coragem e a sua esperteza, insistiram no direito que a 19.ª Emenda consagrava.

Black YWCA da cidade, a Filial Phillis Wheatley.
(en.wikipedia.org)
Em St. Louis, no Missouri, em Fannie Williams, uma professora que passou a organizadora, criou uma “escola de sufrágio” na Black YWCA da cidade, a Filial Phillis Wheatley, assim designada em homenagem à poetisa escravizada do século XVIII. Lá, mulheres negras preparavam-se para o ensejo de se recensearem, ensinando umas às outras como pagar impostos eleitorais e como passar em testes de alfabetização administrados por autoridades relutantes. Os jornais relataram que quase todas as mulheres da cidade, negras ou brancas, se recensearam naquela temporada.
Mary McLeod Bethune, educadora da Flórida e líder do clube feminino, viajou pelo seu estado, em 1920, a encorajar outras mulheres negras a recensearem-se, apenas para ser confrontada por uma oposição brutal, a cada passo, ao longo do caminho. Mulheres negras conseguiram juntar-se às listas de eleitores, mas a intimidação continuou. Na véspera do dia da eleição, membros da organização Ku Klux Klan, vestidos de branco, marcharam para o terreno da escola para meninas de Bethune, em Daytona, para espantarem as mulheres negras para longe das urnas. Quando as mulheres iam votar, de qualquer maneira, usaram a sua coragem de líderes, como Bethune, umas das outras.

Atualmente, a 19.ª Emenda continua a proibir os estados de negarem o voto com base no sexo, tal como a 15.ª Emenda proíbe os estados de usarem a raça, ao determinarem os direitos de voto. Contudo, muitas mulheres americanas não têm o direito irrestrito de votar.
Como era verdade em 1920, o acesso da mulher às urnas é determinado pela residência. Ora, isso, devido à longa História de segregação habitacional dos EUA, muitas vezes, correlaciona-se com a sua raça. O ressurgimento das leis de identificação de eleitores, o fechamento de certos locais de votação e o expurgo de listas de eleitores, em alguns estados, após decisão do Supremo Tribunal, de 2013, que revogou disposições do Voting Rights Act (lei dos direitos de voto) de 1965 (um tribunal superior revoga uma lei!), privaram do direito de votar homens e mulheres de cor.

Especialmente, durante a pandemia de covid-19, as políticas dos oficiais de votação, alguns dos quais sugeriram restringir as seções eleitorais ou limitar o voto pelo correio, podem significar que menos mulheres americanas votaram no outono de 2020.
A História da 19.ª Emenda tem muito que se lhe diga: os EUA ainda não têm como irreversível e generalizado o direito de voto universal, mas têm eleições e pretendem dar lições de democracia a todo o Mundo, bem como se arvoram em paladinos dos direitos humanos. Para onde caminham os EUA, com Donald Trump?
.
13/03/2025