Pedro Nuno Santos disse

Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS. (ps.pt)
Uma das declarações políticas mais relevantes feitas até ao momento foi a de Pedro Nuno Santos, ao afirmar que a política de saúde deve estar associada à política de segurança social. Sendo o âmbito em que tal declaração foi proferida de campanha pré-eleitoral, deve ser registada e exigida contas dela, caso o Partido Socialista (PS) saia vencedor das eleições de 18 de Maio. Já lá vai o tempo em que os líderes partidários faziam promessas à-toa se pressentissem que isso poderia contribuir para saírem vencedores de uma disputa eleitoral. Porém, o grau de exigência dos eleitores agora é outro, o que sai da boca de um dirigente político é tido cada vez mais em conta, sendo obrigado a concretizar as promessas que fez, caso passe a ser primeiro-ministro, sob pena de ser penalizado na primeira ocasião.

Certamente, Pedro Nuno Santos se documentou sobre a medida que agora defende, enquanto modelo de prestação de cuidados de saúde que melhor sirva a população. Está provado que a actual organização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) caiu em desuso, vejam-se as queixas das pessoas e as notícias que diariamente ocupam os órgãos de informação. O que os serviços fazem, porque assim estão orientados, é, de uma síntese (com a pessoa no seu contexto), criar uma dicotomia – o doente e o seu contexto, ficando este de fora. A pessoa, tornada doente por exposição a riscos para a sua saúde, é isolada da sua circunstância, tomada como um caso clínico, e procurada uma solução para as manifestações da doença que lhe é diagnosticada.
Esse é o processo habitual, que tem promovido o aumento da esperança de vida, a maior parte da qual, sobretudo a partir dos 65 anos, com múltiplas doenças crónicas. Daí que, a partir daquela idade, só à volta de 30% seja de esperança de vida saudável. No entanto, deve-se ter presente que a doença é uma síntese resultante da combinação da exposição a vários riscos, os quais – com excepção das alterações genéticas, que quando se manifestam é sob a forma de doenças crónicas, deficiências ou incapacidades – podem ser evitados mediante alterações favoráveis dos ambientes sociais.

Pode-se afirmar que a Biomedicina tem sido o ramo das Ciências da Saúde que descontextualiza a pessoa no pressuposto de que melhor pode tratar a doença. Tem sido, aliás, neste pressuposto que a doença e tudo quanto contribui para a tratar têm prosperado, embora, por outro lado, tenha a seu crédito o que de melhor se faz e produz em investigação científica. A ela se deve o prolongamento da vida para além dos 80 anos, em situações, por vezes, de só quase sobrevivência.
Sendo isto indiscutível, é discutível que a política de saúde se fique por aqui, que a sua axiomática se tenha desenvolvido para dar resposta à pessoa doente. Uma vez que representamos a síntese mais perfeita entre biologia e meio ambiente, a que melhor foi capaz de aproveitar as circunstâncias para evoluir e ser o que é. Qualquer sistema de saúde construído à imagem das disfuncionalidades biológicas é um sistema alienado do meio ambiente, dependente do que os laboratórios de investigação científica produzem, quem sabe, da “molécula de Deus”, aquela que tudo curasse. Porventura, não terão sido estas as referências de Pedro Nuno Santos para ter apresentado o que poderá ser a proposta mais inovadora desta disputa eleitoral, considerando o seu alcance individual e colectivo.

Sendo o rendimento individual e as habilitações literárias os aspectos mais vulneráveis da população portuguesa, é a partir dos seus défices que a doença se instala e progride, dada a sua causalidade no aparecimento de riscos para a saúde; seria, por isso, desconforme com os objectivos que se querem alcançar se estas duas áreas fossem alienadas da solução. Nesta medida, o rendimento disponível há-de figurar como o principal recurso de primeira necessidade, a par com o aumento dos anos de escolaridade, que actualmente está fixado em nove anos, em média, 64% do melhor valor europeu, que é de 14 anos (Alemanha) (Eurostat). Sabendo que a escolaridade permite fazer as escolhas mais informadas e tomar as decisões mais úteis para o bem-estar, é o rendimento disponível que permite adquirir os bens com aqueles qualificativos, ou mais próximo deles. Se, como Pedro Nuno Santos dá a entender, adoptarmos uma visão salutógenea do SNS, aquelas duas áreas hão-de estar dentro do perímetro da solução que se pretende adoptar.

Para tanto, nem seria necessário proceder a alterações legislativas substanciais, o enquadramento jurídico está em grande medida previsto na Lei de Bases da Saúde. A ideia de Pedro Nuno Santos poderia ser concretizada de três maneiras: a primeira, a tradicional, seria criar um ministério que abarcasse os conteúdos agora enunciados pelo dirigente do PS, e esperar que as orientações aí produzidas fizessem o seu caminho, percorrendo as várias instâncias da governação até chegarem ao lugar onde podem ser concretizadas, as comunidades locais, com o inconveniente da degradação que ia sofrendo nesse caminho e também das interpretações que lhe fossem dadas no ponto de chegada. A segunda maneira seria partir do que já está enunciado na Lei de Bases da Saúde, os Sistemas Locais de Saúde, expandir as suas competências de maneira a tornar-se o dispositivo de coordenação dos agentes sociais que localmente influenciam o estado de saúde da colectividade e, assim, organizar e ordenar o SNS a partir da melhor evidência sócio-sanitária local. A terceira maneira seria a combinação das duas: uma direcção de topo e uma coordenação local; potencialmente, esta seguiria uma linha lógica, em que se combinariam as especificidades locais com as necessidades gerais do país, embora seja, também, aquela em que teriam de se realizar mais transacções, para as quais teriam de ser acautelados os aspectos geradores de disfuncionalidades organizacionais. O keep it simple poderia ter aqui a sua melhor aplicação, se considerarmos que o método incremental é, por enquanto, aquele que melhores resultados consegue obter em organizações complexas, como é o caso do SNS.
.
………………………….
.
Nota do Director:
O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.
.
03/04/2025