Pensamento do governo e dos sindicatos sobre as questões docentes
A Educação foi um dos temas em destaque na entrevista de António Costa à RTP1, transmitida a 30 de janeiro, assinalando o aniversário do acto eleitoral que deu a maioria absoluta ao seu partido. Falou-se do descongelamento do tempo de serviço, de melhorias no regime de vinculação e de menos entraves à progressão na carreira. O entrevistado assumiu o ónus da parte do governo.
O primeiro-ministro disse “compreender a frustração acumulada ao longo dos últimos 20 anos por muitos docentes”, pelas alterações na idade da reforma ou aposentação, pela “elevada precariedade”, que dificulta o acesso à carreira e pelos “muitos anos em que o relógio esteve parado na contagem do tempo de serviço”. Com efeito, um professor com 20 anos de exercício de profissão teve quase metade da carreira congelada. E garantiu que as negociações em curso servem para dar melhores condições de fixação, de aproximação à residência e de vinculação aos professores, acabando com a carreira da “casa às costas”.
Os sindicatos discordam e apresentaram omissões e erros no discurso.
António Costa anotou que “nunca tivemos cinco anos consecutivos como temos tido com o relógio a contar, sem congelamento na carreira”. Porém, o dirigente da Federação Nacional dos Professores (FENPROF) Vítor Godinho, que tem acompanhado as questões dos concursos e da carreira docente, contrapõe que isso não corresponde à verdade. Efetivamente, a atual carreira docente foi criada em 1990 e, até ao congelamento, decretado pelo governo de José Sócrates, a 30 agosto de 2005, decorreram 15 anos sem congelamento.
Esse primeiro congelamento durou pouco mais de dois anos (até 31 de dezembro de 2007), seguindo-se outro, determinado no segundo governo de Sócrates e que vigorou de 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2017. Em 2018, já por decisão de António Costa, as carreiras foram descongeladas e o tempo de serviço prestado pelos professores parcialmente contado (num total dois anos e nove meses e 18 dias). Ou seja, desde que a carreira docente foi criada, houve um período de 15 anos sem congelamento, bem mais duradouro do que os cinco anos que o invocado pelo primeiro-ministro e já antes referido pelo ministro da Educação.
O primeiro-ministro observou: “Os professores que estavam numa fase muito precoce da carreira foram os mais atingidos pelo congelamento do tempo de serviço e dificilmente podem recuperar, se nada for feito.” E prometeu, como “coisa muito importante”, “alargar as quotas de passagem para o 5.º e o 7.º escalão, explicitando: “Já assumimos agora o compromisso de, até ao final desta legislatura, manter as quotas de passagem ao 5.º escalão em 75% e as de passagem ao 7.º escalão em 58%, de forma a permitir que mais pessoas possam progredir.”
Ora, esta proposta do Ministério da Educação (ME) gera uma grande dúvida: O Governo está a prometer mais ou está a prometer o que já existe? No documento entregue pelo ME aos sindicatos lê-se que “serão fixados os contingentes de acesso aos 5.º e 7.º escalões, correspondendo a 75% e a 58%, respetivamente”, aos docentes que estejam nos escalões imediatamente anteriores e que tenham cumprido o tempo de serviço suficiente para progredirem para o seguinte.
Ora, a quem é avaliado com Muito Bom e com Excelente garante-se a passagem automática. Todavia, estas menções estão sujeitas a quotas, como sucede na Administração Pública: em cada grupo de avaliados, é atribuível o máximo de 5% de Excelente e de 20% de Muito Bom. E, para os professores que ficam com a menção de Bom, é aberto um número limitado de vagas de acesso àqueles dois escalões. Assim, desde 2018, com ligeiras variações, as vagas têm permitido que 50% dos docentes (dos que não acedem às menções máximas referidas) passem, todos os anos, do 4.º para o 5.º escalão (cumprido o tempo de permanência no anterior) e que 33% passem do 6.º para o 7.º”. Os demais são remetidos para melhor ocasião, alguns para as calendas gregas.
Nestes termos, a dúvida dos sindicatos é se o governo permitirá que, em vez de ficarem presos nos 4.º e 6.º escalões, metade e dois terços dos professores, por insuficiência de classificação, vão avançar 75% e 58% todos os anos, acrescendo a estes os de Muito Bom e de Excelente.
Apesar de os sindicatos serem contra a existência de estrangulamentos à progressão da carreira (quotas e vagas), a ser esta a proposta do governo, isso seria um avanço. Porém, o que está em cima da mesa são as mesmas percentagens máximas já atingíveis.
Também António Costa abordou as negociações com vista à resolução de um problema estrutural, que passa pela alteração do modelo de fixação de professores à escola, para acabar com a carreira ‘da casa às costas’; pelo aumento de 10 para 63 do número de quadros de zona pedagógica (QZP), reduzindo as distâncias para o máximo de 50/60 quilómetros; e pela vinculação para combater a precariedade, de modo que quem tenha 1095 dias de serviço (três anos de contratos a termo) e horário completo vincule, o que leva à entrada imediata nos quadros de 10.500 contratados.
Não sendo este um “número de desprezar”, Mário Nogueira, líder da FENPROF, aponta o problema de a vinculação só se verificar, se o contratado tiver um horário completo, o que pode fazer com que alguém entre nos quadros com quatro anos de serviço e alguém que tenha 10, 15 ou 20 anos continue de fora, pelo “azar” de ter uma hora a menos. Além disso, a vinculação em lugares de quadro escola pode levar um professor a deixar de andar com a casa às costas, mas é como se o governo “lhe desse uma tenda de campismo para ir morar a 300 quilómetros de casa” e aí ficar.
Com efeito, muitas vezes, há um desfasamento entre as zonas onde abrem lugares e são precisos mais professores e os locais de residência dos candidatos que procuram vinculação.
Quanto ao aumento de QZP e correspondente diminuição das deslocações que um professor possa ter de fazer, a FENPROF apresenta outros riscos. Os QZP, passando a ser mais pequenos, terão menos professores vinculados (e mais nos quadros das escolas) e a proposta do ME prevê que um professor de quadro de escola que esteja com insuficiência de horas letivas atribuídas (menos de 12) possa ser chamado a completar o horário noutro agrupamento dessa zona. É como se todos os professores das escolas passassem a poder ser afetados ao quadro de zona pedagógica, o que é um retrocesso”, implicando uso de viatura e despesas a cargo do docente. Tal decisão será concertada no conselho de diretores do QZP. Além disso, um professor do quadro, se tiver menos de oito horas letivas, terá de concorrer à mobilidade interna.
E, como aduz Vítor Godinho, um professor contratado que vincule começa por pertencer a um QZP. E terá de concorrer não só às escolas que integram esse quadro de zona, como a mais seis QZP, aumentando assim a distância que poderá ser chamado a percorrer.
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Entretanto, os protestos materializados em greves e manifestações continuam e até recrudescem. Os professores insistem na contagem integral do tempo de serviço, num regime especial de aposentação, na agilização da entrada e da progressão na carreira, na desburocratização e no alívio da sobrecarga de serviço não essencial, no regime de concursos de periodicidade anual e respeitando a graduação profissional e no discurso público e nas ações que signifiquem respeito e restituição da dignidade à classe.
Dizem os comentadores que a classe tem razão, mas que a pode perder, se os pais e os alunos deixarem de estar com os professores. É óbvio que protestos ou manifestações põem os nervos em franja aos seus destinatários e as greves prejudicam as escolas. Porém, não é pelo facto de a população deixar de estar com os professores que estes perdem a razão. E não se pode confundir o prejuízo à escola (de lecionação e de avaliação, bem como de apoio aos carenciados) com o de se fazer dela depósito e guarda de crianças, o que deveria caber a outras entidades.
Por isso, a aposta não deveria consistir em decretar serviços mínimos, nem em pensar em requisição civil, mas na intensificação da negociação. É de recordar que a ministra da Educação Isabel Alçada conseguiu, em 2010, uma grande maratona negocial, suponho que com nove mesas negociais em simultâneo. E as propostas do ME aos sindicatos e vice-versa não têm de demorar meses ou semanas. Importa que as greves durem o menos tempo possível. E isso depende, sobretudo, da entidade patronal, no caso, o governo (no setor privado não há greve de professores, de médicos, de enfermeiros… O setor privado paga melhor?!).
Em vez da negociação, o ME promoveu, através do Tribunal Arbitral (TA), a fixação de serviços mínimos, atinentes a portaria, a funcionamento das refeições e a apoio a alunos carenciados e a portadores de necessidades educativas especiais. Perante isso, uma associação de diretores pediu instruções ao ME como gerir os serviços mínimos, o que está definido na lei. Também o TA recordara que os “representantes dos trabalhadores devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos […] até 24 horas antes do início do período de greve; e, se não o fizerem, deve o empregador público proceder a essa designação”.
Na sua justificação, o TA referiu: “O efeito causado pelas greves dos docentes atingiu um ponto em que a não fixação de serviços mínimos coloca em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis.” Contudo, a decisão não foi unânime, tendo o representante dos trabalhadores votado vencido por considerar que ainda se não “poderá já afirmar, indubitavelmente, que o efeito acumulado destas greves já atingiu o ponto no que respeita à atividade docente em que a não fixação de serviços mínimos coloca em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
Num segundo momento, o TA acordou no estabelecimento de, além daqueles, do mínimo de três horas de aula diárias. Alguns diretores puseram em equação a demissão coletiva, mas serenaram.
É óbvio que os sindicatos contestam a legalidade desta nova fornada de serviços mínimos, mas há juristas que entendem que a lei da greve deve mudar, para impedir um prejuízo de tão grande duração das escolas, quando comummente se diz que não se deve legislar a quente sobre uma situação concreta. Por sua vez, o ME solicitou ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) parecer sobre a legalidade desta greve, o qual se pronunciou, não pela ilegalidade dos pré-avisos, mas pela execução dos mesmos em cada escola, no sistema de self-service (ou seja, à discrição de cada docente).
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Deve dizer-se que a questão da legalidade da greve, em concreto, deve ser dirimida pelos tribunais administrativos, não pela PGR, nem pelo ME.
Quanto à contagem integral do tempo de serviço, o rombo no Ministério das Finanças não será tão grande como se pensa, porquanto a maior parte dos docentes a quem se aplicaria ou rescindiram o contrato por mútuo acordo no tempo de Passos Coelho ou estão aposentados. Por outro lado, o governo poderia negociar com os sindicatos o desconto desse tempo de serviço na idade de aposentação ou reforma. Além disso, deverá estabelecer-se um regime especial de aposentação/reforma, para rejuvenescer os quadros e não tornar a profissão num pesadelo, a qual deve ser libertada da carga burocrática desnecessária e servilista. O regime de concursos deve voltar à anualidade e serem abolidas as quotas de passagem ao escalão seguinte ou as das menções de Muito Bom e de Excelente, na avaliação de desempenho. Basta de castigar os professores!
20/02/2023