Plano de Ação para os Media implica 30 medidas e 55,2 milhões de euros
O pacote, apresentado anteontem (terça-feira, 8 de outubro), pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte (que tem a tutela dos media), e pelo primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, assenta em quatro eixos centrais – regulação, serviço público, apoios ao jornalismo e literacia – e visa contribuir para assegurar “a sustentabilidade, o pluralismo e a independência da comunicação social”, gerando “um ecossistema mediático robusto, transparente e de referência”, o que implica a alocação ao serviço público da fatia de 3% do orçamento total.
Estas contas abrangem a modernização, em meios humanos e tecnológicos, da agência Lusa (quatro milhões de euros) e os benefícios nos custos associados aos seus serviços para os órgãos de comunicação social (OCS) (dois milhões de euros). Não abrangem a perda de receita com o fim da publicidade gradual na RTP (18 milhões de euros) e os impactos com o plano de saídas voluntárias de até 250 trabalhadores (19,9 milhões de euros).
O incentivo à contratação de jornalistas e à retenção de talentos é outra prioridade. Como o cenário do setor é marcado por “despedimentos massivos, desemprego e subemprego crónico, ‘recibos verdes’ e trabalho temporário, baixos salários, estágios não remunerados”, o plano define a dotação de 6,5 milhões de euros, via Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), para a criação de postos de trabalho permanentes, mediante a contratação de jornalistas sem termo ou a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
Este incentivo, disponível no primeiro semestre de 2025, destina-se a todos os OCS, com base em tabela de criação líquida de emprego versus montante, e visa, mediante candidatura, a atribuição de montante dado pelo governo às empresas pela contratação de mais jornalistas com vínculo sem termo, com a retribuição mínima obrigatória igual ou superior ao nível remuneratório de Nível 6 do Quadro Nacional de Qualificações (1120 euros).
O governo avança com a medida complementar de incentivo à contratação do primeiro jornalista a tempo inteiro, garantindo retribuição no mesmo montante (1120 euros), para valorizar os jornalistas, para apoiar os OCS e para contribuir para a profissionalização do setor, impactando, em particular, os OCS regionais e locais, bem como os novos OCS.
Da lista de medidas consta ainda uma bonificação em 50% para as assinaturas digitais adquiridas em OCS registados na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), que terá um impacto de 6,7 milhões de euros. Também os alunos do Ensino Secundário (público e privado) terão direito a 400 mil assinaturas digitais de oferta, o que importa um custo de 5,9 milhões de euros.
No primeiro trimestre de 2025, o governo avançará com o apoio de 3,5 milhões de euros à distribuição de publicações periódicas em zonas de baixa densidade populacional, pois “o governo vê como sua responsabilidade garantir o acesso a esse bem aos cidadãos que residem nas zonas do território onde tenha cessado, ou esteja em risco de cessar, tal distribuição”; e implementará um apoio, no âmbito do regime de incentivo à leitura (vulgo porte pago), nomeadamente, duplicando – de 40% para 80% – a comparticipação nas publicações periódicas, pela alteração do Decreto-Lei n.º 22/2015, de 6 de fevereiro. Esta medida custará 4,5 milhões de euros.
Por sua vez, o primeiro-ministro afirmou que pretende, em Portugal, “um jornalismo livre, sem intromissão de poderes, sustentável do ponto de vista financeiro, mas mais tranquilo, menos ofegante, com garantias de qualidade e sem perguntas sopradas”. E abordou a questão da valorização da carreira do jornalista, mas criticando o desempenho de alguns profissionais do setor. “Vou fazer aqui esta pequena provocação, não é para criticar ninguém em especial. É só para verem como é que eu, do lado cá, que também é a minha obrigação, me impressionam, seja pela positiva, seja pela negativa”, advertiu.
A seguir, declarou que uma das coisas que mais o impressiona é estar com seis ou sete câmaras à frente, ter os jornalistas a fazerem-lhe perguntas sobre determinado acontecimento e ver que a maior parte tem um auricular em que lhe estão a soprar a pergunta que devem fazer; e outros, a pegar no telefone, fazendo “a pergunta que já estava previamente feita”. Acusando, como agente político e como cidadão, vincou: “Assim, os senhores jornalistas não estão a valorizar a sua própria profissão, porque parece que está tudo teleguiado, está tudo predeterminado.”
E das redes sociais disse que são, muitas vezes, “inimigas da democracia” e da atividade da comunicação social” e considerou que “é preciso ter garantias da fidelidade daquilo que lá se diz”.
O ministro dos Assuntos Parlamentares já veio esclarecer que estas afirmações devem ser interpretadas “no sentido positivo” da valorização destes profissionais.
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Todavia, para o Sindicato dos Jornalistas (SJ), tais declarações “em nada dignificam a profissão”, contribuindo para um clima de suspeição, que o SJ lamentou e rejeitou. “Tais palavras tornam-se ainda mais incompreensíveis, porque geram desconfiança sobre o trabalho dos jornalistas e minam a credibilidade dos órgãos de comunicação social”, vincou o SJ, sustentando que o Plano de Ação para os Media (PAM) contempla o desmantelamento da RTP, “sob a capa” do serviço público, ao prever o corte da publicidade e despedimentos.
“Numa fase em que o governo diz que pretende valorizar o setor, o SJ considera “infelizes e desinformadas” as críticas do PM ao jornalismo e ao trabalho dos jornalistas”, defendeu, em comunicado, a estrutura sindical. Em causa está, segundo o SJ, o corte da publicidade e o anúncio de despedimentos, “com o eufemismo de saídas voluntárias”. O projeto tem medidas que podem beneficiar o setor, mas “é curto”, para a emergência que se vive.
Toda a oposição política irrompeu numa onda de críticas à postura de Luís Montenegro de manifestar a intenção de ver um “jornalismo livre, sem intromissão de poderes, sustentável, mas mais tranquilo, menos ofegante, com garantias de qualidade e sem perguntas sopradas”.
O Partido Socialista (PS) repudiou as declarações do PM sobre os jornalistas, considerando que não respeitam nem o trabalho destes profissionais nem a liberdade de imprensa. Nesse sentido, a deputada socialista Mara Lagriminha diz que o partido defende “jornalistas independentes, jornalistas livres e a que tenham a tranquilidade necessária para poder prosseguir o seu trabalho e assegurar o pluralismo democrático”, tal como critica o “ataque inqualificável feito à RTP.
O líder do Chega acusou o PM de ter uma “conceção de liberdade de expressão muito reduzida”, depois de Luís Montenegro ter caraterizado as redes sociais como “inimigas da democracia”.
André Ventura falava aos jornalistas na Assembleia da República (AR), antes de uma reunião do seu grupo parlamentar. E afirmou que as redes sociais “são, hoje, a forma de liberdade e de expressão de muitos cidadãos” e que esta desconsideração mostra que PM “tem uma conceção de liberdade de expressão muito reduzida e acha que as novas formas de expressão, que não estão controladas ou que, muitas vezes, são formas de expressão livres das pessoas nas suas redes sociais, são um sinal negativo”. “Nós achamos que são um sinal positivo, e eu pensava que em todas as democracias europeias hoje era assim que era visto”, contrapôs.
Por isso, anunciou que o partido proporá a audição, com caráter de urgência, do ministro dos Assuntos Parlamentares, para explicar aos deputados o modelo de financiamento da RTP, já que foi o governo a prever o fim da publicidade da RTP, em 2027. Com efeito, é preciso saber “como é que vai ser financiada a RTP” e se isto significa mais dinheiro na RTP da parte dos Portugueses.
O presidente da Iniciativa Liberal (IL) acusou o PM de ter feito uma “intervenção perigosa”, com o objetivo de “atacar a liberdade jornalística”, e comparou-o com o líder do Chega.
Rui Rocha considera que “não cabe ao governo dizer aos jornalistas como devem ou como não devem exercer as suas funções”. “Digo-o com o à-vontade de quem, muitas vezes, vê peças jornalísticas, vê intervenções nas quais não se revê, mas isso é assim mesmo, é a liberdade jornalística e a liberdade de imprensa que se impõe”, sustentou.
Depois, lamentou que o PM tenha caraterizado as redes sociais como “inimigas da democracia” e da comunicação social, vincando que tais asserções são um “ataque à liberdade de expressão”. Além disso, considerou não haver problema com a utilização de auriculares, no exercício da profissão de jornalista. Já sobre as medidas dirigidas à RTP, reiterou a proposta da IL para privatizar a televisão pública e lamentou que o governo faça o “caminho oposto” à privatização, ao retirá-la do mercado concorrencial. Frisou que o conjunto de medidas anunciado mantém “uma RTP pública, mas enfraquecida”, ao ficar dependente das contribuições audiovisuais, e será prejudicial para todo o setor da comunicação social a médio e longo prazo. Esclareceu que o facto de as empresas privadas de comunicação social terem elogiado as medidas não demove o partido de “defender as condições concorrenciais” deste setor, afirmando que a IL “gosta muito de uma iniciativa privada forte, mas com concorrência”. E disse que estas medidas tornam a RTP mais “dependente do poder político” e da sua “boa vontade”.
O Bloco de Esquerda (BE) exige que o PM se retrate das declarações que fez sobre jornalistas. “A liberdade de imprensa está a recuar em vários sítios do Mundo e nós vemos, com muita preocupação, que o primeiro-ministro, numa conferência sobre jornalistas, se dedica a atacar, a tentar condicionar a atividade das e dos jornalistas. E isso deve merecer uma reflexão, o quanto mais rápida for melhor”, afirmou Fabian Figueiredo, em declarações aos jornalistas, na AR, exigindo uma retratação da parte do primeiro-ministro.
O líder parlamentar do BE defende que não se pode “normalizar que um chefe de governo ataque, desta forma, a atividade jornalística”, acrescentando que “o jornalismo tem o dever de informar, pode incomodar intervenientes políticos para cumprir esse dever, tem o dever do escrutínio e isso pode incomodar o poder político”. “Nós lamentamos que o primeiro-ministro conviva mal com o escrutínio jornalístico, com perguntas que lhe possam ser incómodas, mas é assim: na vida pública, ouve-se o que se quer e o que não se quer, mas, sobretudo, respeita-se a liberdade dos jornalistas de fazerem as perguntas que acham que devem fazer”, considerou, acentuando que a “liberdade de expressão é isso mesmo: é conviver com a liberdade dos jornalistas e de os jornalistas perguntarem o que quiserem em cada momento”
O porta-voz do Livre, Rui Tavares, acusou o governo de pretender a “descapitalização da RTP, sem lhe dar alternativas”, e alertou para “privatizações pela porta do cavalo”, “indesejáveis para o país”. “Não nos revemos de todo nesta decisão de descapitalizar a RTP, sem lhe dar alternativas”, disse aos jornalistas, à margem da visita às instalações da Delta, em Campo Maior, distrito de Portalegre, onde o Livre terminou as suas primeiras jornadas parlamentares.
Rui Tavares disse desconfiar desse tipo de decisões, afirmando que, por vezes, governos de direita querem privatizar e “empacotar serviços públicos aos pedaços” para irem privatizando, pouco e pouco, mas, para isso, têm, primeiro, de “piorar o serviço” e “tirar-lhe a sua capacidade de ser sustentável”, para, depois dizerem que “dá prejuízo” e, então, privatizá-lo.
Em oposição ao plano do governo de retirar da RTP a publicidade, o Livre defende o reforço do setor, “através de novos projetos e [de] novas políticas públicas, de valorização do jornalismo, de valorização dos rendimentos dos jornalistas”. “Não podemos é, neste momento, estar a cortar as árvores que temos e que vamos tendo. A RTP e a Lusa são exemplo do pluralismo que nós temos no jornalismo em Portugal e que temos [de] preservar”, considerou Rui Tavares.
Também Nicolau Santos, presidente do conselho de administração da RTP, criticou a intenção de o governo de colocar ponto final à publicidade na RTP, até 2027, avisando que a estação pública de televisão perderá relevância, e lamentou que não tenha sido acolhida a sua contraproposta para reduzir a publicidade e se tenha optado pelo corte definitivo.
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Apoiar a distribuição de periódicos em zonas onde ela não existe, parou ou está em vias de parar é positivo. Já os incentivos às empresas de comunicação social exigirão, como contrapartida, a domesticação dos OCS. O governo não o esconde, pelas críticas verrinosas a alguns profissionais. Será que vai exigir que permaneçam apenas os “bons”? Quanto à retirada da publicidade da RTP, lembro-me de que já Luís Filipe Menezes, quando liderava o partido de Luís Montenegro, sustentava essa medida, contra a corrente. De resto, o PAM é apenas um belo PowerPoint.
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10/10/2024