Ponto e vírgula é sinal de esperança?

 Ponto e vírgula é sinal de esperança?

(Créditos fotográficos: Nubelson Fernandes – Unsplash)

“A língua constitui a imagem mais completa e genuína da fisionomia natural e histórica dos povos”, afirmava Guilherme von Humboldt (1767-1835), nascido em Potsdam, no então Reino da Prússia (actual Alemanha). Quem o relembra é Antonino Pagliaro, que foi professor catedrático de Glotologia (ciência que compara as diversas línguas, estudando as suas origens e formação), bem como de Filologia Persa e de Filosofia da Linguagem, na Universidade de Roma.

Na abertura do décimo capítulo da versão portuguesa de “Il Segno Vivente” (“A Vida do Sinal – Ensaios sobre a língua e outros símbolos”, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Abril de 1983, traduzida e prefaciada por Aníbal Pinto de Castro), Antonino Pagliaro, na sua escrita “ao estilo correntio e despreocupado de um artigo de jornal”, confirmava que, para Humboldt, “a índole espiritual de uma comunidade e a estrutura da língua estão tão intimamente ligadas entre si que, conhecida uma, a outra devia com facilidade deduzir-se da primeira”.

Antonino Pagliaro (ecodisicilia.com)

Ao perfilhar as ideias do considerado primeiro linguista europeu a identificar a linguagem humana como um sistema governado por regras (Guilherme von Humboldt, que fundou a Universidade de Berlim), Antonino Pagliaro assume que o mesmo sucede na fala individual: “[…] nada revela melhor a fisionomia interior de cada indivíduo, a sua inteligência ou obtusidade, a sua cultura ou ignorância, o seu gosto ou tacanhez, do que a sua expressão linguística […]”

Todos sabemos ou deveríamos saber que a pontuação incorrecta numa frase ou num texto pode originar interpretações diferentes da entoação ou inflexão do que pretendemos dizer. Também não é novidade que os sinais de pontuação contribuem para articular as partes que dão corpo às frases, tendo em conta a respiração do falante e as pausas necessárias ao bom ouvinte.

O ponto e vírgula corresponde a uma pausa mais longa do que a assinalada pela vírgula, estando esta obrigada a nunca se colocar entre o sujeito e o predicado, ou seja, tem de deixar o caminho livre ao sujeito na oração que concretiza e que o realiza. Na prática, o ponto e vírgula não tem a força delimitativa de um ponto final nem as pretensões dos pontos de interrogação e de exclamação.

Não estando destinado a encerrar uma frase, o ponto e vírgula serve para separar as orações coordenadas e subordinadas – a exemplo das múltiplas acções e manifestações das nossas próprias vidas –, sobretudo, se são extensas ou incluem vírgulas. Utiliza-se ainda quando, na mesma frase, há duas ou mais orações que dependem da oração principal.

(followthecolours.com.br)

No convívio entre os diferentes dialectos e registos socioculturais, são apercebidas reinterpretações das linguagens e, no ponto de vista comunicativo, diversas formas de descrever aspectos (ou estados das coisas) respeitantes a determinado universo de referência, a par das expressões dos estados de alma. Nesta suposição, o que leva alguém a querer tatuar um ponto e vírgula na sua pele? O que nos quer, com isso, contar da sua história pessoal?

A tatuadora Mariana Zaragoza esclarece, num seu blogue, que este “pequeno símbolo” tem “um grande significado”, pois “o ponto e vírgula acabou se tornando bem popular por uma causa que vai muito além de uma tendência ou moda”. Relembra a tatuadora que, em meados de 2013, nasceu um movimento ou corrente que ganhou importância nas redes sociais, sob a designação “Project Semicolon” (que, em Inglês, significa ponto e vírgula), procurando “trazer amor e esperança às pessoas com tendências depressivas” e que não estão bem consigo próprias.

Amy Bleuel (1985–2017), fundadora do Project Semicolon. (legacy.com)

“O ponto e vírgula é usado quando um autor poderia ter escolhido terminar uma frase, mas optou por continuar”, explicava Amy Bleuel, a criadora deste projecto e vítima de suicídio, aos 31 anos, em 2017, depois de lutar, durante muito tempo, contra a depressão e a doença mental.

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Nota:

O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 22 de Setembro) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.

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23/09/2024

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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